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Justiça exige fim do garimpo na Terra Indígena Yanomami

Correio Braziliense - https://www.correiobraziliense.com.br/politica/2024/01/6795258
31 de Jan de 2024

Justiça exige fim do garimpo na Terra Indígena Yanomami
Governo tem 30 dias para apresentar plano de retirada dos invasores. MP aponta "inércia do Estado em elaborar um planejamento efetivo" para expulsar os garimpeiros e montar bases permanentes de fiscalização e apoio

Vinicius Doria
Isabel Dourado*
postado em 31/01/2024 03:55

A Justiça Federal em Roraima deu prazo de 30 dias para a União apresentar um novo plano de ação para conter o garimpo ilegal na Terra Indígena (TI) Yanomami. A multa por descumprimento foi fixada em R$1 milhão. A decisão, divulgada ontem, atende a um pedido do Ministério Público Federal (MPF), que acusa a "inércia do Estado brasileiro em elaborar um planejamento efetivo para a instalação de bases de proteção e retirada dos invasores". A Advocacia Geral da União (AGU) informou que irá cumprir o prazo.

O MPF argumenta que as operações do ano passado foram insuficientes para conter o garimpo ilegal e que a União vinha, "reiteradamente, descumprindo" os compromissos de apresentar um plano de instalação de uma base permanente para bloquear o tráfego no Rio Uraricoera, principal

Segundo o relatório da Hutukara Associação Yanomami (HAY), com apoio do Instituto Socioambiental (ISA) e do Greenpeace Brasil, foi feito um "bloqueio" improvisado no rio, em novembro de 2023. No entanto, os indígenas da região apontam que "o aspecto precário do bloqueio é percebido pelos criminosos como um sinal do baixo empenho do Estado em resolver a situação, o que sustenta o sentimento de que as ações de retirada dos invasores e a ocupação da região pelo Estado é transitória".

Um ano após o início da operação para combater o crime organizado e levar assistência aos ianomâmis, em Roraima, os resultados são visíveis, mas o problema ainda está longe de ser solucionado. O maior predador ainda provoca danos ambientais e à saúde das pessoas: o garimpo ilegal. Organizações não governamentais que atuam na área estimam ainda haver de 3 mil a 5 mil pessoas trabalhando na mineração clandestina.

Segundo o relatório da HAY, "os dados demonstram que, embora o atual governo tenha se mobilizado para combater o garimpo ilegal na TI Yanomami em 2023, os esforços foram insuficientes para neutralizar a atividade na sua totalidade". Para as entidades, "houve uma importante redução no contingente de invasores, que pode ser verificada na desaceleração das taxas de aumento de área degradada, mas, o que se verificou ao longo de 2023, é que, em menor escala, o garimpo permanece produzindo efeitos altamente nocivos para o bem-estar da população Yanomami".
Drible na fiscalização

A Polícia Federal e o Ibama, apoiados pelas Forças Armadas, mantêm a rotina de desmontar acampamentos clandestinos, inutilizar pistas de pouso e explodir aviões, dragas e equipamentos. Só no ano passado, mais de 350 acampamentos foram desativados e 580 balsas, destruídas. Boa Vista deve receber, nas próximas semanas, uma base permanente do governo federal para coordenar as ações de combate à crise humanitária em Roraima.

Enquanto isso, a atividade ilegal continua tentando driblar a fiscalização. Na segunda-feira, caças da Força Aérea Brasileira (FAB) interceptaram um pequeno avião que voava em espaço aéreo restrito, nas proximidades da TI Yanomami. Os militares dispararam duas rajadas de tiros de advertência, que obrigaram o piloto a fazer um pouso de emergência em uma pista clandestina na floresta. O piloto fugiu, mas a aeronave, que estava com a matrícula cancelada, foi apreendida.

Para lideranças indígenas e profissionais que atuam diretamente nas comunidades, a permanência da atividade garimpeira é reflexo, justamente, do caráter emergencial das ações do governo, que não conseguem interromper o fluxo de pessoas e equipamentos pelas terras protegidas.

A antropóloga e professora da Universidade de Brasília (UnB) Silvia Guimarães comemorou quando o governo começou a retirar garimpeiros da reserva dos ianomâmis, no ano passado. Ela diz que, hoje, já é possível levar atendimento médico e alimentos para as comunidades, mas alerta que os indígenas seguem ameaçados pelas doenças, principalmente a malária, e pela destruição do ambiente, associadas à atividade de extração de ouro nos rios da Amazônia.

Silvia atua com as comunidades da região de Awaris, uma das mais remotas da terra indígena, na fronteira com a Venezuela. A falta de coordenação entre os órgãos governamentais, aponta ela, tem prejudicado o abastecimento das comunidades e, sem uma presença constante das forças de segurança, os garimpeiros voltam.

"Se o garimpo voltar, a malária volta com tudo. Os pajés falam para mim: 'A gente tá curando a terra, Silvia, porque ela estava muito adoecida. Depois, a gente vai curar as pessoas. Mas a gente precisa curar a terra, porque ela é que dá o alimento'. Foi um desastre ambiental terrível. Com a presença do garimpo não há como conter a malária", disse a pesquisadora.
Governo pede mais tempo

Em uma recente transmissão ao vivo nas redes sociais, a ministra dos Povos Indígenas, Sonia Guajajara, admitiu que a crise humanitária no território não será solucionada em um curto prazo. Guajajara disse que o governo está saindo de ações emergenciais para ações permanentes de acompanhamento e fiscalização no território, e admitiu que situação não será resolvida neste ano.

"Para quem não conhece o território, é importante entender a complexidade da situação. E não pensar: 'Passado um ano, não se deu conta. Ou: Ah, em um ano vai resolver (os problemas)'. Não resolvem e, possivelmente, não se resolverá em toda a sua dimensão em 2024", afirmou. A ministra reforçou que pode demorar anos para o território indígena se regenerar dos impactos nocivos causados pelo garimpo ilegal.

Reduzir apenas a presença do garimpo é um "paliativo que não resolve o problema", diz o líder indígena Daniel Munduruku, do Pará. Após a constatação da calamidade humanitária na Terra Indígena Yanomami, ele esperava uma ação mais enérgica do governo contra os garimpeiros ilegais. "Não são apenas os ianomâmis, são os mundurucus, no Pará, os caiovás, em Mato Grosso do Sul, que continuam sendo perseguidos, maltratados, assassinados com a mesma velocidade de antes. O governo não está completamente comprometido com a solução do problema, está colocando esparadrapo em ferimento de metralhadora", disse Daniel, com indignação.

Ele não tem dúvida de que a prioridade absoluta é desintrusar (retirar do território) os invasores definitivamente. E que as Forças Armadas deveriam ter presença permanente nas terras protegidas para ajudar a mantê-las livres de garimpeiros. "Tem que fincar bases militares lá. A Funai, mesmo com seu papel de polícia, não dá conta. É preciso ter a presença do braço armado da sociedade", sugeriu o líder mundurucu.

A antropóloga e professora da UnB Silvia Guimarães apoia a decisão do governo de transformar em permanentes as políticas públicas voltadas à questão indígena, principalmente em relação à segurança. Sem a presença constante do Estado na floresta, ela não tem dúvidas de que o garimpo ilegal continuará atuando e ameaçando as comunidades. Por isso, sugere que o modelo de gestão da crise humanitária seja revisto, até para garantir a segurança de quem trabalha no atendimento aos indígenas.

"Tivemos um período de seis anos de letargia, de desestruturação. Os processos para ir até as malocas mais distantes estão sendo reconstruídos, é preciso dar segurança para esses profissionais (que atuam na região). Tudo precisa ser repactuado, eles precisam ter um apoio até para reconstruir as roças. A gente está falando de pessoas que, todos os dias, se levantam para preparar o seu alimento. As cestas básicas precisam chegar, mas o que eles falam é que há falhas para essas cestas chegarem com constância. Aí, a fome assola, vem a malária junto com a fome. É preciso conter o garimpo."

*Estagiária sob a supervisão de Vinicius Doria

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