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Dossiê da CPT aponta existência de indígenas isolados. Ipaam e empresa contestam

A Crítica - acritica.com
Autor: Waldick Junior
07 de Fev de 2024

Comissão afirma que avistou indígenas na área de influência de uma das principais atividades econômicas do Amazonas: a exploração de gás natural e óleo no Campo de Azulão

Waldick Junior
waldick@acritica.com
07/02/2024 às 08:53.
Atualizado em 07/02/2024 às 09:14

A Comissão Pastoral da Terra (CPT), entidade ligada à Igreja Católica, afirma que existem indígenas isolados vivendo próximo a um dos blocos de exploração de gás natural no Campo de Azulão, entre os municípios de Silves e Itapiranga, na região metropolitana de Manaus. O Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas (Ipaam), licenciador estadual do projeto, diz que não há terra indígena no local.

O empreendimento da empresa Eneva, que já recebeu mais de R$ 1 bilhão em investimentos, é uma das principais atividades econômicas do Amazonas. O gás obtido na região é utilizado, hoje, para boa parte da energia gerada em Roraima. A empresa afirma que estudos técnicos não identificaram impactos em terras indígenas demarcadas, em demarcação ou em áreas de conservação.

A informação sobre os indígenas isolados, avistados na região, consta em levantamento realizado presencialmente pela Comissão Pastoral da Terra em agosto de 2023. O dossiê de 15 páginas foi entregue ao Ministério Público Federal, ao Ministério dos Povos Indígenas, à Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), à Polícia Federal e ao Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania. A CRÍTICA também teve acesso aos documentos.

Segundo a CPT, indígenas que vivem na região procuraram a Comissão Pastoral para pedir um levantamento de quantas aldeias existem na região, incluindo o número populacional de cada comunidade.

"São 7 aldeias em Silves (Curuá, 12 famílias; Gavião Real II (Conceição), 14 famílias; Livramento, 100 famílias; Mura Carará, 19 famílias, Santo Antônio, 14 famílias; São Francisco, 27 famílias; Vila Barbosa, 49 famílias) e duas em Itapiranga (Vila Izabel, 14 famílias; e uma família de indígenas isolados, possivelmente pertencentes aos povos Pariquis, avistada de forma surpreendente na floresta, próximo a um dos blocos de gás em processo exploração pela Eneva", afirma trecho do dossiê.

Judicialização
A informação sobre a possível existência de indígenas isolados foi levada à Justiça Federal do Amazonas pelo MPF-AM, que pede a imediata suspensão da licença e, por consequência, da exploração de gás, enquanto não são feitos estudos sobre o impacto do projeto na população indígena local.

O posicionamento do MPF-AM consta na Ação Civil Pública apresentada em maio de 2023 pela Associação de Silves pela Preservação Ambiental e Cultural (Aspac) e pelo cacique Jonas Mura, representante da Associação dos Mura.

O Ministério Público também apresenta um ofício assinado pelo coordenador de Política de Proteção e Localização de Indígenas Isolados da Funai, Leonardo dos Santos, no qual consta a informação de que o próprio órgão indigenista já havia colhido relatos sobre a existência de povos isolados na região.

"A Funai já havia colhido outros relatos sobre a presença de indígenas isolados na comunidade ribeirinha Jabuti, na margem direita do rio Jatapu, no interflúvio com o rio Uatumã, rio onde ocorreu o avistamento por parte dos membros da CPT. Desta forma, ainda que não haja, até o momento, um Registro de Povo Indígena Isolado oficial no rio Uatumã, não se pode descartar a possibilidade de tratar-se de grupo até então desconhecido", afirma o coordenador.
Em maio do ano passado, a Justiça Federal do Amazonas chegou a suspender as licenças para exploração do gás e do óleo sob alegação de que havia irregularidades. Após a empresa recorrer da decisão, o desembargador Carlos Augusto Pires Brandão, do Tribunal Regional Federal da 1o Região, derrubou a liminar. Ele entendeu que a suspensão das licenças colocava em risco o abastecimento de energia elétrica para Roraima.

Ipaam contesta
Para A CRÍTICA, o diretor-presidente do Ipaam, Juliano Valente, defendeu o empreendimento da Eneva e disse que o licenciamento foi feito com base em dados oficiais, disponibilizados pela Funai.

"O licenciamento do Ipaam foi fundamentado nas bases geográficas que existem na Funai e que não há terra indígena. Se tiver divergência disso, cabe à Funai apresentar a divergência e ao MPF [questionar], não ao Ipaam. O Ipaam defende o licenciamento", disse ele.
O Ministério Público afirmou à Justiça Federal que o Ipaam deixou de responder a ofícios nos quais a Funai e o Ministério dos Povos Indígenas (MPI) pediram acesso aos documentos do licenciamento e recomendaram a suspensão do procedimento. Juliano Valente negou ter recebido as solicitações.

"O MPI não tem autonomia sobre licenciamento. Se ele manda (ofício) para o Ipaam, a gente avalia, mas não há competência. Ele pode orientar. Nós não recebemos ofício, a não ser que eu não tenha sido informado", afirmou o diretor.

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