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Vizinho pesa mais que estrada em desmate

FSP, Ciência, p. A20
Autor: ANGELO, Claudio
12 de Mar de 2006

Vizinho pesa mais que estrada em desmate
Estudo diz que maior causa de devastação é desmatamento já existente, reabrindo polêmica sobre papel de rodovias

Cláudio Ângelo
Editor de Ciência

Um estudo feito por pesquisadores do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) acaba de reabrir o debate sobre o papel do asfaltamento de rodovias na devastação da Amazônia. Ele propõe que, quando se trata de derrubar a floresta numa determinada área, o fato de seus vizinhos estarem desmatando importa mais do que a eventual pavimentação de estradas ali. Em outras palavras, é o desmatamento quem puxa mais desmatamento.
A conclusão, ainda inédita mas que deve gerar faíscas na comunidade científica, vem de um modelo desenvolvido ao longo de cinco anos pelo Geoma (Rede Temática de Pesquisa em Modelagem Ambiental da Amazônia), do Ministério da Ciência e Tecnologia.
Ela é uma resposta oficial a uma previsão, feita em 2001, de que 42% da Amazônia poderiam sumir em 2020 por causa da pavimentação de uma série de estradas e da construção de hidrovias na região Norte -no chamado programa Avança Brasil.
Tal previsão veio sob a forma de um estudo, liderado pelo americano William Laurance, do Inpa (Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia) e do Instituto Smithsonian. Publicado pela revista científica "Science", o artigo ganhou a imprensa, causou uma crise no governo FHC e foi um dos responsáveis pelo discreto engavetamento do Avança Brasil.
"No fundo, é um artigo contra o Avança Brasil, diz Gilberto Câmara, atual diretor do Inpe e um dos cientistas que, já na época, criticaram a previsão de Laurance. "Esse dado não dá subsídio à política pública, simplesmente manda parar o Avança Brasil."
Diferenças
Câmara é co-autor do novo estudo, juntamente com a cientista da computação Ana Paula Aguiar e a ecóloga Isabel Escada. O trio fez uma análise de 50 variáveis ligadas ao desmatamento -como a distância a estradas, portos e cidades, conexão com mercados locais e com mercados nacionais (em especial no Sudeste e Nordeste), clima, solo e tipo de propriedade rural- e tentou explicar como elas se correlacionam.
Para isso, eles usaram dados do censo agropecuário de 1996, do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) e dividiram a Amazônia em três grandes regiões, de acordo com sua dinâmica econômica (veja quadro acima). "Nossa premissa é que o desmatamento seria maior em áreas mais conectadas com mercados no Sul e Nordeste", disse Aguiar, principal autora do estudo.
O que eles verificaram, no entanto, foi que 71% da variação no desmatamento não está relacionada a conexão e sim ao desmatamento preexistente. Essa devastação prévia, que indica o quão economicamente ativa é uma área, foi o principal fator de prognóstico de desflorestamento. "Onde tem, tem mais", resume Câmara
O achado é importante, segundo os pesquisadores, porque mostra a importância de diferenças regionais na dinâmica da devastação. Como a economia de regiões diferentes da Amazônia varia, o impado da pavimentação de uma estrada será diferente em cada uma delas.
"Se meu modelo captura que só estradas e conexão são importantes, duas estradas serão igualmente desmatadas se você não levar em conta o desmatamento existente", diz Aguiar. "Esse é o raciocínio do Laurance: [o impacto] é homogêneo. Mas e se você não fizer a estrada, o que acontece?"
Embora ressalte que seu objetivo ainda não é construir cenários, a pesquisadora do Inpe montou algumas projeções para a Amazônia no período 1997-2015. Elas mostram que, mesmo sem pavimentação, a rodovia BR-163 (Cuiabá-Santarém) seria um ponto de grande desmatamento.
Outra região apontada por ela que seria -e será- devastada caso o governo não se mexa é a região de São Félix do Xingu, no Pará. "Ali não existem estradas federais, mas existem frigoríficos e uma cadeia produtiva", afirma. "Estrada não é igual a conexão."
Laurance, hoje no Instituto Smithsonian de Pesquisa Tropical, no Panamá, pede cautela. "Aguiar e colegas estão certos em enfatizar que não é só a distância de uma estrada que determina o desmatamento. Eles não estão certos é em dizer que nós sugerimos que a distância da estradas é o único fator importante"
Além disso, continua, o estudo do Geoma se baseia em dados de 1996, e a economia amazônica mudou de lá para cá -a soja, por exemplo, ainda não era um fator importante. E seus resultados mostram, sim, que o fator estrada é importante -nas três macrorregiões do estudo. "Eu espero que eles não estejam tentando apresentar seu resultado de forma a sugerir que estradas não são um determinante crítico do desmatamento. Seria um erro grave."
Mas, para quem vê aí uma conspiração do governo, um dado: o Geoma divulgou recentemente um estudo critico a um programa oficial de áreas protegidas na Amazônia. Sua autora principal, Ana Albernaz, é uma antiga colaboradora de Laurance.

FSP, 12/03/2006, Ciência, p. A20

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