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Sustentabilidade ajuda a conquistar reputação e a ganhar dinheiro

FSP, Dinheiro, p. B12
Autor: CARLUCCI, Alessandro
17 de Out de 2009

Sustentabilidade ajuda a conquistar reputação e a ganhar dinheiro
Para executivo da Natura, o consumidor passará a priorizar as empresas que tenham compromisso social, o que significará maiores lucros para elas

Alessandro Carlucci

A sustentabilidade é realmente sustentável? Entre os anos de 2007 e 2008, por apresentar resultados econômicos desanimadores, a fabricante de cosméticos Natura, que fez da filosofia da responsabilidade social e ambiental o coração de seu negócio, teve que mudar para retornar aos tempos de crescimento acelerado. "Mas a reestruturação não mexeu com a essência da companhia", defende o seu diretor-presidente, Alessandro Carlucci, em entrevista à Folha. O executivo, que conta 20 anos de carreira na empresa, também teve a sua própria competência questionada durante o período mais agudo de dificuldades.

Denyse Godoy
Da reportagem local

Quando os problemas surgiram, os defensores das linhas clássicas de administração apostaram que a Natura teria que adotar os modelos consagrados, parcimoniosos nos benefícios a funcionários e concentrados na operação.
O diretor-presidente da empresa, Alessandro Carlucci, 43, defende, contudo, a ideologia da companhia, ainda que veja a necessidade de desmistificá-la.
"Não somos uma ONG", afirma. E esse é o máximo de dureza que o executivo, chamado de Alê pelos funcionários, se permite -cada palavra que fala é escolhida cuidadosamente para soar o mais correta possível.
Do chacoalhão sofrido há dois anos ficou uma estrutura hierárquica enxuta e o ajuste dos planos de internacionalização a uma estratégia mais despretensiosa: EUA e Europa saem do radar até que a presença na América Latina se consolide. Leia a seguir trechos da entrevista concedida à Folha.

Folha - Uma grande parcela dos empresários afirma que os custos da responsabilidade social e ambiental são pesados demais. A ideologia da Natura não atrapalha os negócios?

Alessandro Carlucci - Modestamente, pois minha opinião é obviamente influenciada pela experiência da Natura, acho que temos aí um falso paradigma. Essa concepção só existe nas empresas que tratam a sustentabilidade como uma moda ou uma ação de marketing.
Quem resolveu de fato conduzir sua atividade dentro dos princípios da sustentabilidade percebeu que não se trata de custo, mas sim de investimento. É uma forma de inovar, de se diferenciar, de ter mais Ebitda [lucro]. Se eu pudesse resumir em um conceito o que é sustentabilidade, diria que é cuidar das relações -com o ambiente, com vizinhos, fornecedores, a imprensa. E uma empresa que cuida bem das suas relações ganha mais dinheiro.

Folha - Como isso aparece no balanço?

Carlucci - No curto prazo não se vê, é uma crença de que cuidar das relações é bom para o negócio porque é bom para quem faz parte do negócio. Se o cliente está satisfeito, vai ser fiel. Normalmente, só se pensa nas relações empresariais do ponto de vista econômico, mas na verdade elas transcendem esse nível. Não temos dúvida de que os consumidores cada vez mais vão escolher empresas que têm um compromisso maior e que entendam que seu papel é produzir valor para a sociedade. Creio que essa atitude ainda não é madura no consumidor, não é consciente. Alguns anos atrás, a qualidade do produto definia a escolha. Isso está gradualmente mudando para reputação, da qual a qualidade é um atributo, mas não o único. As empresas que cuidarem das suas relações vão ganhar reputação ao longo do tempo, e isso significa poder cobrar um preço-prêmio. E produto tem que ser bom, tem que haver um marketing benfeito, uma logística eficiente, senão a empresa vira uma ONG e deixa de ser um negócio.

Folha - Mas os gastos com sustentabilidade têm impacto negativo no curto prazo? Em 2007, os resultados financeiros da companhia foram bastante decepcionantes e então os analistas de mercado disseram que a Natura tinha que "cair na real" e adotar uma gestão ortodoxa.

Carlucci - A margem Ebitda da Natura sempre foi boa. Em 2007, crescemos menos do que se esperava, mas os números eram bons. A questão é que hoje em dia não se trata disso, trata-se de expectativas [do mercado financeiro]. No entanto, comparando provavelmente qualquer indicador financeiro relevante com os de nosso concorrentes, somos de longe a empresa mais rentável.

Folha - A reestruturação incluiu cortes nos benefícios concedidos aos funcionários?

Carlucci - Não. Em nenhum momento fizemos modificações nesse sentido e não vamos fazer. O plano tinha dois lados: aumentar os investimentos em marketing -porque, depois de 2004 e 2005, quando o Brasil começou a crescer com mais força, todo mundo falou mais em investir no país e assim aumentou a competição na indústria- e mudar o modelo de gestão da empresa. A Natura precisava ser descentralizada. Fechamos 200 vagas, com desligamento de 150 pessoas. Como essência, a empresa é a mesma.

Folha - Grandes mudanças na gestão acabam mexendo com a essência da empresa, porque essa filosofia é que determina o modo de administrar.

Carlucci - Essa é uma visão muito equivocada. A Natura sempre foi uma empresa que buscou resultados econômicos.
A empresa foi feita por pessoas que colocaram o seu patrimônio nela. É fantasioso acreditar que chegamos até aqui pensando: "Ah, se der dinheiro, que bom, se não der não tem problema". Para buscar a eficiência, às vezes se usa ferramentas e metodologias que antes não eram empregadas. Notamos que havia desperdício, retrabalho. Usávamos papel couché em tudo [catálogos]. Precisa? Não. Dá pra ser mais barato e ambientalmente melhor.

Folha - A Natura é alvo de um processo do Ministério Público do Acre que pede a remuneração de comunidades indígenas do Estado pelo uso do murumuru. Como a situação será resolvida?

Carlucci - Do jeito que está, o marco regulatório no Brasil precisa de avanços muito significativos. Hoje, é um entrave ao uso sustentável da biodiversidade brasileira e não ajuda ninguém, nem a comunidade nem o pesquisador nem a empresa.
Ninguém está feliz. O Brasil deveria ser o protagonista, nos próximos 20 anos, de um modelo de desenvolvimento que não fala só de crescimento, mas de como se faz uso da riqueza da biodiversidade.

Folha - O Guilherme Leal, que é um dos fundadores da empresa, filiou-se recentemente ao PV. Ele pretende ser o vice na chapa da senadora Marina Silva numa eventual candidatura dela à Presidência em 2010?

Carlucci - Não posso responder em nome do Guilherme.

Folha - Os planos de internacionalização também foram bastante prejudicados pelos problemas de dois anos atrás. O ousado projeto de alcançar os mercados americano e europeu foi deixado de lado?

Carlucci - O plano de expansão dos negócios da Natura é focado na América Latina, porque é uma região que aceita bem a marca e a venda direta, que é o sistema que temos hoje. Daqui para a frente, poderemos acelerar a expansão trocando o modelo exportador de produtos para o localizador.

Folha - Em quanto tempo a Natura terá produção local em outros países da região?

Carlucci - Imagino que devemos ter nos próximos dois anos. Não significa que vamos ter uma uma fábrica -a produção pode ser feita por um terceiro. Argentina, Chile e Peru são os mais maduros da nossa operação. México e Colômbia ainda demandam investimentos para a construção do canal e da marca. Apesar desse foco, temos certeza de que a marca Natura tem espaço para estar em outros mercados no mundo.
Não possuímos nenhum plano ou projeto para que aconteça nos próximos anos, mas temos a ambição. É difícil imaginar que uma marca de cosméticos com a nossa proposta não esteja presente em mercados como EUA e Europa.

Empresa é acusada de biopirataria

Da reportagem local

O Ministério Público Federal do Acre move desde 2007 uma ação contra a Natura por biopirataria. A empresa é acusada de ter se aproveitado ilegalmente dos conhecimentos da etnia indígena ashaninka sobre o murumuru, fruto de uma palmeira amazônica. O óleo dele extraído é utilizado pela companhia em uma linha de produtos para os cabelos.
A legislação diz que as comunidades indígenas devem ser de alguma maneira remuneradas quando há exploração econômica da sua sabedoria tradicional.
De acordo com a Procuradoria, as informações sobre as propriedades do murumuru foram repassadas à empresa por um pesquisador que teve contato com os ashaninkas na década de 1990, daí o processo falar em "uso indireto" do conhecimento tradicional indígena. A Natura diz que conheceu as propriedades do murumuru por bibliografias científicas existentes desde 1941 e que extrai do Amazonas os frutos que utiliza como matéria-prima, compensando as comunidades da região.
Os especialistas na área avaliam que as leis a respeito da exploração da biodiversidade brasileira ainda são muito vagas, e portanto dão margem a várias interpretações. (DG)

FSP, 17/10/2009, Dinheiro, p. B12

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