FSP, Sinepse, p. 6-11
25 de Mai de 2004
Soluções sociais: produção em série
Rogerio Schlegel
free-lance para a Folha de S.Paulo
O chamado terceiro setor é uma fábrica de invenções. Organizações não-governamentais, fundações, associações e outras entidades sem fins lucrativos são movidas a criatividade, numa demonstração de que a necessidade é a mãe das inovações. Nessa área, porém, criatividade não é sinônimo de improviso. Na última década, o terceiro setor cresceu e se sofisticou de tal forma no Brasil que sobrou pouco espaço para iniciativas movidas só pela boa vontade. Hoje, impera a profissionalização.
O setor deu um salto quantitativo em poucos anos: em meados da década de 80, estimava-se o número de organizações não-governamentais em pouco mais de 2.000; o último censo da área, feito em 1995 pelo Iser (Instituto de Estudos da Religião), com apoio do IBGE, apurou a existência de 250 mil organizações. "Hoje, elas devem passar de 300 mil", avalia Luiz Carlos Merege, coordenador do Cets (Centro de Estudos do Terceiro Setor), da FGV-Eaesp (SP).
"A cultura do setor mudou na década de 90 e, nesse processo, iniciativas menos profissionalizadas foram desaparecendo", diagnostica Marcos Kisil, presidente do Idis (Instituto para o Desenvolvimento do Investimento Social) e ex-diretor da Fundação Kellogg para a América Latina e o Caribe. "Uma organização que trabalha apenas com voluntarismo tem vida curta hoje", afirma Judi Cavalcante, diretor-executivo-adjunto do Gife, entidade que reúne fundações ligadas a empresas.
A profissionalização que avançou nesse período não se limitou à troca do voluntário pelo profissional remunerado. Também os métodos de trabalho se tornaram mais racionais. Foram aperfeiçoados os mecanismos de captação de recursos, com a busca de financiadores estáveis. Os resultados dos projetos passaram a ser analisados com critérios objetivos, e a avaliação, feita por consultorias externas. A própria gestão das entidades recebeu mais atenção, com a busca da eficiência. "O patrocinador quer resultados consistentes e não se contenta mais em ver o brilho nos olhos das crianças", resume Cristina Fedato, coordenadora pedagógica do MBA em gestão e empreendedorismo social da FIA (Fundação Instituto de Administração).
Por atuar onde o Estado - primeiro setor - e o setor privado - o segundo - não funcionaram ou eram simplesmente ausentes, as iniciativas da sociedade civil organizada, mesmo com a profissionalização e o rigor que o planejamento exigem, se mostram ricas em soluções inovadoras. "O setor tem muita liberdade para testar novas técnicas, porque não tem as armaduras do governo ou da área privada", avalia Luiz Carlos Merege. "É comum encontrar iniciativas que exploram as fronteiras do conhecimento", afirma.
Como bom farejador de atalhos, o terceiro setor encontra novas maneiras de cumprir tarefas que, em princípio, seriam de outra instituição, como de um banco. Foi o que aconteceu no conjunto Palmeiras, na periferia de Fortaleza.
A idéia nasceu em 1997, quando os ocupantes do conjunto fizeram uma pesquisa e perceberam que, juntos, os 30 mil moradores representavam um grande consumidor, embora individualmente fossem pobres - perto de 90% ganham até dois salários mínimos. "Consumíamos o que equivale hoje a R$ 1 milhão", relata Joaquim Melo, 42, um dos coordenadores e idealizadores do "banco alternativo". "Por que, então, não estimular que a própria comunidade produzisse o que esse grande consumidor precisava comprar?"
Em janeiro de 1998, a associação de moradores lançou o projeto Banco Palmas. "Tínhamos R$ 2.000 para começar. No primeiro dia, emprestamos tudo e ficamos lisos", relembra Melo. O dinheiro foi para moradores que queriam montar micronegócios, como uma pequena confecção. Diante do sucesso da empreitada, o Banco Palmas recebeu doações e ajuda de outras organizações não-governamentais e, após seis meses, já havia emprestado R$ 30 mil. Hoje, tem R$ 50 mil emprestados e 500 moradores interessados na fila. Os empréstimos vão de R$ 10 a R$ 1.000, com juros de 1% ao mês para os valores menores e de 3% para os mais elevados. "É a nossa maneira de conseguir microcrédito", relata Melo. "No Brasil, pobre não consegue dinheiro no banco porque não tem como dar garantias. Para o Banco Palmas, interessa atender quem não as tem."
Com a abertura das linhas de crédito, foi criado também o palma, uma moeda de troca que funciona apenas dentro da comunidade. A idéia é estimular os negócios e fazer com que os ganhos com intermediação fiquem com os moradores. Hoje, quem precisa do serviço de um encanador, por exemplo, contrata alguém da comunidade e paga com essa moeda - pois esse encanador vai poder usar o mesmo dinheiro no pagamento de outro serviço ou mercadoria, sempre dentro dos limites do conjunto.
Sobre os empréstimos em palmas não são cobrados juros. Tudo funciona tão bem que, segundo Melo, o Banco Central chegou a acusar a comunidade de usar dinheiro falso - confusão que só foi desfeita em abril, quando uma investigação do BC terminou sem ver motivo para punições. "O fato é que o dinheiro de verdade está preso nos bancos, por isso criamos o nosso", provoca Melo.
A comunidade também criou empreendimentos paralelos para reforçar a geração de empregos, como a confecção Palma Fashion, a fabricante de produtos de limpeza Palma Limpe e a escola de empreendedorismo Palma Tec. Somando as iniciativas, a "holding" representou a abertura estimada de 1.200 postos de trabalho.
Faz parte do terceiro setor, por definição, a ação privada que tem interesse público. Assim, é possível localizar no Brasil Colônia as primeiras ações com essa característica -a exemplo da Santa Casa de Santos, criada em 1534. Nos anos 80, boa parte das ONGs tinha origem em movimentos sociais iniciados no regime militar, por isso se pautavam por reivindicações mais pontuais e ações predominantemente assistenciais.
Durante anos, foi esse o tom da sociedade civil organizada. "Não é que faltasse visão, mas as ações tinham um sentido de urgência", analisa Luiz Carlos Merege, que recorda o exemplo do sociólogo Betinho, que, para defender a necessidade de seu projeto, repetia a frase: "Quem tem fome tem pressa". "Ele sabia que doar comida não trazia solução, mas via uma situação social de emergência", diz Merege. Hoje, a maior parte das organizações adotou um novo posicionamento estratégico e busca a auto-sustentabilidade.
O Reciclar, de São Paulo, por exemplo, já incorporou essa nova visão. Ali, jovens de 16 a 19 anos, vindos da favela do Jaguaré, na zona oeste da capital paulista, trabalham com carteira assinada fazendo produtos de papel reciclado. Criada há nove anos, a iniciativa ganhou neste mês o prêmio Bem Eficiente, criado em 1997 pelo economista Stephen Kanitz para evidenciar organizações eficientes no uso de seus meios e nos resultados que obtêm.
Além do trabalho, os adolescentes têm acompanhamento escolar e aulas de arte e informática. "A idéia é reciclar, mas não apenas o papel. O jovem aqui recicla sua vida, que começou em condições difíceis", diz o gerente administrativo-financeiro do projeto, Paulo Roberto de Carvalho.
O Reciclar caminha para a auto-sustentabilidade: hoje, apenas 25% do orçamento vem dos patrocinadores. O restante é obtido com a venda dos produtos -foram 195 mil unidades em 2003. A iniciativa traz como diferencial usar a reciclagem para despertar no jovem o gosto por tocar um negócio como empreendedor. Lá a gestão é participativa: o adolescente toma parte das decisões com a diretoria, se preocupa com o planejamento estratégico e tem também a oportunidade de fazer estágio em todos os setores e propor novos produtos para o mercado.
Na outra ponta, a capacidade de um projeto de surpreender pode ajudar em visibilidade e, com isso, abrir o caminho para conseguir parceiros. Quando os especialistas da multinacional alemã Bayer estavam à procura de uma iniciativa promissora na área de agricultura familiar para se associar, foi justamente a criatividade da ação que os levou até a Agência Mandalla, da Paraíba. "Pretendíamos visitar o Estado e, quando vimos uma notícia do projeto na TV, nós o incluímos no nosso roteiro", lembra o engenheiro agrônomo Marcelo Vasconcelos, da Bayer CropScience, divisão da empresa especializada em agricultura. Após o encontro, a Bayer e a Agência Mandalla fecharam parceria para trabalhar juntas em dois assentamentos.
O projeto Mandalla é uma forma inovadora de cultivo em pequena propriedade inspirada no Sistema Solar. Prevê a construção de um reservatório de água circular no centro da área cultivada, no qual são criados marrecos e peixes. Ao redor, são plantados produtos a serem irrigados com essa água, com formato de círculos concêntricos, como se fossem anéis. São nove anéis, como os nove planetas do Sistema Solar, com os produtos destinados à subsistência nos círculos mais centrais e os destinados à venda no mercado nos anéis mais externos.
A idéia é gerar sustento e excedentes próximos de R$ 800 mensais para cada família. Ainda haveria ganhos não estritamente econômicos. "Nosso projeto cria equilíbrio: equilíbrio com o ambiente, equilíbrio dentro da família, da comunidade, do país e do mundo", afirma Willy Pessoa, autor e coordenador da idéia, um administrador de empresas de 55 anos que diz ter levado 30 deles a desenvolvendo.
Noves fora o lado esotérico, o projeto funciona? "Do ponto de vista agronômico, funciona muitíssimo bem", informa Marcelo Vasconcelos, da Bayer. "É uma tecnologia simples, de baixo custo e muito bem aceita pelos pequenos produtores."
No mês passado, Joaquim Melo, do Banco Palmas, Willy Pessoa, da Agência Mandalla, e outras 16 pessoas foram escolhidos para receber apoio do Centro de Competência para Empreendedores Sociais Ashoka-McKinsey. A Ashoka é uma organização não-governamental internacional que apóia empreendedores sociais criativos com capacitação e uma bolsa de três anos no valor médio de R$ 3.000 por mês. "Não procuramos o bom gestor de creche, mas alguém que proponha revolucionar todo o sistema de gestão dessas instituições", afirma Cristina Murachco, diretora da organização no Brasil. A iniciativa mostra a importância da inovação para o terceiro setor. O ramo brasileiro da Ashoka já apoiou 222 empreendedores sociais desde que se estabeleceu aqui, em 1986.
O Banco Palmas e a Agência Mandalla enfrentam agora o desafio de seguir os passos de crescimento de muitas ONGs. Em geral, as entidades começam com interesse localizado e dificuldade para se financiar. Quando suas iniciativas se mostram viáveis, chamam a atenção de outras organizações maiores, formam parcerias com entidades intermediárias e passam a fazer parte das redes que hoje predominam no terceiro setor.
É nessa rota de crescimento que as organizações costumam se deparar com a necessidade de profissionalização. "É uma questão de ganhar eficácia e escala. Para ampliar seu trabalho, você precisa se organizar", avalia Cristina Murachco. "É um caminho inexorável, que não representa a desvirtuação de um projeto. Pelo contrário, é justamente para potencializá-lo", diz Cristina Fedato, da FIA.
A produção de mel do Parque Nacional do Xingu e o projeto Casa da Criança, de Recife, são dois casos em que a profissionalização foi decisiva para o crescimento.
No caso dos índios do Xingu, havia uma idéia criativa, mas faltava estrutura. Em meados da década de 80, a Funai (Fundação Nacional do Índio) tentou implantar projetos para promover a auto-sustentação econômica das aldeias. Apenas a produção do mel se mostrou compatível com o modo de vida local. "O mel é próximo do jeito tradicional de produzir do índio, baseado na extração e na coleta", explica Ianukulá Kaiabi Suiá, 26, da Atix (Associação Terra Indígena do Xingu). Foi um achado: uma forma de explorar comercialmente a natureza, sem depredá-la e respeitando costumes. Mas, sem apoio técnico, o projeto rapidamente fracassou. "Não sabíamos direito como fazer", explica.
Só anos depois, com o apoio do ISA (Instituto Socioambiental) e da Apacame (Associação Paulista dos Apicultores Criadores de Abelhas Melíferas Européias), o mel voltou a ser produzido em escala comercial. Hoje, metade das 25 aldeias da região produz mel, e a produção anual gira em torno de 1,5 tonelada.
No ano passado, a Atix começou a vender para o consumidor da região Sudeste, por meio de um projeto do grupo Pão de Açúcar chamado Caras do Brasil, que dá apoio a iniciativas de geração de emprego e renda espalhadas pelo país. "Com os R$ 15 mil por ano que ganhamos com o mel, passamos a não depender financeiramente só da Funai", afirma Ianukulá.
No caso do projeto Casa da Criança, a profissionalização foi fundamental para permitir a multiplicação da iniciativa. Em 1999, a arquiteta Patrícia Chalaça, 33, com o marido e com ajuda de amigos, decidiu reformar a Casa de Carolina, em Recife, que servia de abrigo para crianças vítimas de abandono e maus tratos. Da mão-de-obra especializada ao material para acabamento, tudo foi conseguido de graça, sensibilizando arquitetos, construtoras e outros profissionais da construção civil. "Convenci todo mundo a sonhar junto", conta Patrícia.
A reforma foi um sucesso, mas a arquiteta não pôde dizer o mesmo do destino dado ao abrigo pelo parceiro governamental. "Era nossa primeira experiência, e não exigimos a devida contrapartida. O aproveitamento e a manutenção da casa, depois de reformada, deixaram a desejar", avalia.
Estimulada pela primeira experiência, Patrícia partiu para a segunda reforma, agora na Casa do Candango, em Brasília. Dessa vez, porém, a força-tarefa contou com um tipo diferente de profissional voluntário: o advogado. Todas as relações envolvidas nas empreitadas do projeto passaram a ser reguladas por contrato, do compromisso de doação de um parceiro local à estrutura de funcionamento posterior prometida pelo governo, responsável pela casa. "Desse jeito, podemos cobrar como qualquer cliente que paga, caso determinado material atrase, por exemplo", diz Patrícia.
O Casa da Criança já reformou 19 abrigos, em 12 cidades diferentes. Neste ano, outras cinco casas devem ser entregues, incluindo a primeira unidade totalmente construída pelo projeto, em Goiânia, e um centro que servirá de sede para dez organizações cearenses de apoio à criança. O projeto conta hoje com 55 articuladores locais e já envolveu 2.000 arquitetos em seus trabalhos. Também firmou parceria com o Instituto Ronald McDonald, com quem atuará na reforma de instalações de hospitais para receber crianças doentes.
Hoje, nas organizações mais profissionalizadas, a maior sofisticação dos processos exige conhecimentos mais profundos dos envolvidos, e o voluntário, mais inconstante, chega a ser fator de instabilidade para alguns projetos.
"O voluntário desaparece sem dar notícia", lamenta Maria Dulce Peixoto Barbosa, presidente da Associação Memória Gráfica, de Belo Horizonte, que oferece oficinas de artes gráficas para adolescentes em situação de risco, alguns deles infratores. "A gente compreende que as pessoas têm seus problemas, mas um voluntário que deixa de aparecer esquece que o jovem que ele atende virá de qualquer maneira", diz a artista.
A Associação Memória Gráfica foi criada em 1998, quando Maria Dulce Peixoto e seu marido, Osvaldo Medeiros, encontraram máquinas de tipografia encostadas num depósito pertencente ao Estado de Minas Gerais e tiveram a idéia de usá-las para, por meio das artes gráficas, ajudar na integração social de adolescentes.
Começou um mutirão entre artistas e amigos para colocar de pé a associação e conseguir parcerias com governo e iniciativa privada para atender os jovens. Até hoje, mais de 500 adolescentes já passaram pelas oficinas do projeto. Um dos primeiros alunos, Osanan Frederico da Cruz, prepara sua primeira exposição individual de gravuras.
Patrícia Chalaça, do Casa da Criança, só viu vantagens em tratar de forma mais profissional a iniciativa que começou como uma ação entre amigos. "Não é só uma questão de facilitar o patrocínio das empresas privadas", afirma. "Profissionalizando-se, você consegue ampliar seus resultados", acredita a arquiteta. Carlos Merege, do Cets, afirma que foi justamente essa constatação que quebrou a resistência à profissionalização existente no início dos anos 90. "Os responsáveis pelas ONGs eram antes de tudo militantes, que consideravam um absurdo seguir princípios de empresa", explica. Depois, conta Merege, eles perceberam que a mudança favoreceria a atividade-fim.
A atitude dos financiadores também contribuiu para a evolução. Para colocar dinheiro em projetos, eles passaram a exigir eficiência e transparência. "O patrocinador quer o melhor uso para seus recursos, por isso é natural que ele queira avaliar resultados objetivamente", afirma Cristina Fedato, da FIA. Judi Cavalcante, do Gife, chama a atenção para a disputa cordial que existe entre as organizações não-governamentais. "Elas competem por recursos, espaço na mídia, corações e mentes", afirma. "A eficiência passou a ser um diferencial importante, talvez o mais importante."
Para Marcos Kisil, do Idis, a profissionalização avançou mais rapidamente nas entidades intermediárias as que em atuam em parceria com as organizações de base, dando a elas apoio técnico e financeiro. "Essas entidades perceberam primeiro que no Brasil existiam financiadores para ações sociais", afirma. Hoje são elas que, em grande medida, fazem o papel de financiadoras, repassando por meio de parcerias os recursos a que têm acesso. Nesse processo, elevaram a escala dos projetos a um novo patamar.
Um exemplo é o CDI (Comitê para Democratização da Informática), considerado pioneiro na ação pela inclusão digital. A entidade e suas parceiras locais já atenderam a cerca de 575 mil crianças e jovens desde sua criação, em 1995. A Fundação Abrinq e seus parceiros beneficiaram a mais de 1 milhão de crianças em 13 anos de atuação. O Instituto Ayrton Senna, criado em 1994, atendeu a quase 4 milhões de crianças e adolescentes.
A elevada profissionalização e o volume de recursos começam a levantar questões novas para o terceiro setor. Haverá um limite desejável para o crescimento de uma entidade? Existe o risco de a criatividade ser sufocada pela racionalidade? A eficiência deixará sem espaço a mobilização?
Na opinião de Marcos Kisil, já existem casos de hipertrofia em algumas organizações que demonstram sofisticação e concentração de recursos acima do desejável. Ele teme que a alta mortalidade que se vê em organizações menos profissionalizadas acabe privando a sociedade de uma "contribuição muito útil", sobretudo no que diz respeito às entidades mais assistencialistas. "Há públicos que sempre serão dependentes de assistência, como deficientes e idosos doentes", observa Kisil.
O pesquisador Augustin Woelz, 61, vive uma história que serve como sinal de que a profissionalização do setor pode aumentar a distância entre uma boa idéia e sua realização. Ele desenvolveu um aquecedor solar de baixo custo, capaz de reduzir a conta de energia elétrica de famílias pobres. Sua tecnologia foi desenvolvida em um centro de incubação de inovações, contando com verbas da Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo), enquanto manteve a intenção de usá-la para fins lucrativos. Quando, em 2002, Woelz concluiu que teria mais satisfação pessoal como uma ONG e desistiu de ser empresário, a Fapesp ficou impedida de continuar financiando o projeto. E a boa idéia, no momento, está num limbo institucional, como se Woelz falasse uma língua perdida que o terceiro setor já não entende mais. "Ainda não encontrei meu lugar no terceiro setor, que hoje exige muita profissionalização", diz Woelz.
A atual experiência de Luiz Carlos Merege, coordenando um censo de ONGs no Pará, indica que a falta de capacitação também representa um fator limitador para entidades de menor porte. "As pequenas sentem falta de técnicas melhores de gestão administrativa e elaboração de projetos", relata. "Acontece que, para elas, os custos para adquirir esses conhecimentos são proibitivos." Em sua opinião, um dos desafios da sociedade civil organizada hoje é ampliar o acesso desse público aos conhecimentos.
Judi Cavalcante é otimista. "Vejo, sim, o risco de criar nas entidades um ambiente em que os processos são burocratizados e hierarquizados de tal forma que haja dificuldade de dar resposta a cenários ou problemas novos", afirma o diretor-executivo-adjunto do Gife. "Mas considero essa ameaça superável, porque a área social sempre se pautou por um grande 'jogo de cintura'." Afinal, criatividade e profissionalização não são, de modo algum, incompatíveis. Por um motivo simples: nos dias de hoje, para ser um bom profissional é preciso ser criativo.
Colaboraram Antonio Arruda e Jefferson Alves de Lima, free-lance para a Folha de S.Paulo.
FSP, 25/05/2004, Sinapse, p. 6-11
http://www1.folha.uol.com.br/folha/sinapse/ult1063u838.shtml
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