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Petrobras empaca em parque equatoriano

FSP, Mundo, p. A30
12 de Nov de 2006

Petrobras empaca em parque equatoriano
Projeto mais criticado da empresa aguarda autorização para produzir petróleo dentro de reserva da biosfera da ONU
Depois de perder licença ambiental, acampamento na Amazônia equatoriana espera há 16 meses que novo projeto seja aprovado

Fabiano Maisonnave
Enviado especial à província de Orellana (Equador)

Tido como o projeto mais controvertido da Petrobras nos 22 países em que atua, o Bloco 31 é um ilustre e isolado desconhecido: para visitá-lo, a reportagem da Folha -a primeira a ir ao local-viajou da andina capital do Equador, Quito, à amazônica e tórrida Coca, de temperatura vulcânica, uma mudança radical considerando que apenas 300 km e meia hora de vôo separam as duas cidades. Dali, foram mais 250 km pelo caudaloso rio Napo.
O percurso de três horas termina no nervoso e resguardado acampamento da Petrobras, encravado em terras indígenas e vizinho do Parque Nacional Yasuní, considerado reserva da biosfera pela ONU.
Ali, protegidos por cerca de dez soldados equatorianos fortemente armados e escondido do rio por uma montanha de pedras, cerca de 35 funcionários aguardam, abrigados do calor amazônico por potentes ares-condicionados, uma nova licença ambiental para voltar a trabalhar. Enquanto isso, o trabalho se resume praticamente à manutenção do maquinário e de uma estrada de 12 km, cuja construção foi interrompida pelo governo equatoriano.
Com o tempo, o Bloco 31 virou uma espécie de campo de batalha sobre a viabilidade do que se convencionou chamar desenvolvimento sustentável. Para a Petrobras, o projeto, se implantado, será um modelo de baixo impacto no ambiente e melhorias para a população vizinha.
Já os críticos dizem que o projeto interferirá em uma área de preservação ambiental e traz problemas incontornáveis para a tecnologia atual, como o manejo da água contaminada extraída juntamente com o petróleo. Eles citam um longo histórico de destruição ambiental.

Vazamento
Um desses acidentes, envolvendo a estatal Petroecuador, ocorreu no mesmo dia em que a Folha visitava a região. Foi no rio Tiputini, a 30 km do Yasuní, e envolveu o vazamento de 650 barris de petróleo.
A história do Bloco 31 precede a Petrobras. Licitado em 1996, passou para a administração da empresa brasileira depois da aquisição da empresa argentina Perez Companq, em 2002. Na época, apenas os poços dentro do parque haviam sido perfurados.
Em 2004, sob forte pressão do governo brasileiro, o presidente Lucio Gutiérrez concedeu licença ambiental para o projeto, que incluía a construção de uma planta de processamento e de uma estrada (chamada de via de acesso pela Petrobras) de 17 km dentro da área do parque.
A aprovação provocou duras críticas de ambientalistas dentro e fora do Equador. No Brasil, a Rede Brasileira de Justiça Ambiental, que reúne ONGs do setor, tem liderado uma campanha para que a Petrobras desista do projeto.
Apesar das críticas, a Petrobras começou a implantar o projeto e chegou a construir cerca de 12 km de estrada no território indígena vizinho ao parque quando, em julho do ano passado, já sob o governo Alfredo Palacio (Gutiérrez fora derrubado três meses antes), a licença ambiental foi cassada, forçando a empresa a refazer o projeto, agora sem a estrada e com a planta de processamento fora do parque.
O novo estudo de impacto ambiental ficou pronto no final de setembro e está sob análise do governo equatoriano -a Petrobras espera que a licença saia nas próximas semanas.

Oposição
Mesmo sem a estrada -o ponto mais criticado-, o projeto da Petrobras para o bloco 31 continua enfrentando oposição dentro e fora do Equador.
"A nossa posição é que a Petrobras não deve atuar sob um duplo padrão", afirma Julianna Malerba, técnica da ONG Fase (Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional) que já esteve três vezes na região. "Se, no Brasil, não é permitida a exploração em parque nacional e reserva indígena, a Petrobras deveria se orientar pela lei mais rígida de seu país."
No Equador, a oposição é liderada pela ONG Ação Ecológica, que defende a suspensão de novos projetos petroleiros no país e o investimento em áreas já em exploração.
De acordo com o engenheiro petroleiro Fernando Reyes, ligado à Ação Ecológica, a principal preocupação é o manejo da água contaminada retirada junto com o petróleo. Para ele, as explorações mais antigas mostram que o volume de água extraída aumenta com o tempo, criando o risco de contaminação do solo e dos rios.

Licença sairá ainda neste mês, diz estatal

DO ENVIADO A ORELLANA

O gerente-geral da Petrobras Energia Equador, Luis Augusto da Fonseca, diz que o o novo projeto para a exploração do Bloco 31 atende a todas as exigências ambientais feitas pelo governo equatoriano e prevê que a licença ambiental saia ainda antes do segundo turno das eleições presidenciais, marcado para o próximo dia 26.
Fonseca disse que, ao deixar de construir a estrada e a central de processamento dentro do parque, a Petrobras adotou "uma concepção "offshore", como se o parque Yasuní fosse um mar".
"Dentro do parque, só existirão as duas plataformas com os poços produtores. As linhas de fluxo, cabos e fibra ótica vão ser enterrados e conectados com a planta, que ficará fora do parque. O acesso aos poços será por helicóptero quando for necessário fazer a manutenção."
De acordo com Fonseca, a expectativa é que os trabalhos sejam reiniciados em janeiro e que o bloco entre em operação depois de 18 meses.
Questionado sobre a longa tradição de desastres ambientais envolvendo petroleiras no Equador, o representante da Petrobras disse que o bloco 31 "vai estabelecer um novo padrão. Não existe um projeto tão sofisticado no Equador. E dentro dos padrões da Petrobras, possivelmente é o número um ou o número dois".
Sobre a água contaminada, Fonseca disse que será totalmente reinjetada, sem risco ambiental.
Atualmente, a Petrobras é a terceira maior empresa petrolífera em operação no Equador, atrás da estatal Petroecuador e da espanhola Repsol, por causa da exploração de seu outro bloco, o 18, onde extrai, em média 32 mil barris/dia.
A empresa emprega cerca de 365 pessoas no país, entre empregos diretos e indiretos. Com o Bloco 31 em operação, esse número subirá em 20%. (FM)

Índios bloqueiam estrada exigindo emprego

DO ENVIADO A ORELLANA

A visita da Folha ao Bloco 31, de pouco menos de 24 horas, teve momentos tensos quando três índios quíchuas derrubaram uma árvore ao longo da estrada atrás do acampamento, bloqueando, por quase uma hora, a volta do microônibus onde estava a reportagem.
O incidente ocorreu no final da tarde, quando já começava a escurecer. Durante quase todo o impasse, a reportagem foi orientada a ficar dentro do veículo, enquanto funcionários da Petrobras negociavam com os indígenas. Vivem na área de influência do projeto cerca de 700 quíchuas, mais acostumados à presença de estrangeiros, e outros 70 waoranis, tradicionalmente mais isolados.
Dois deles estavam no microônibus -pouco antes, quando voltavam de uma caçada e armados de espingardas, haviam pedido uma carona. Em conversa enquanto o impasse não era revolvido, o quíchua Gustavo Tape, 43, disse, sobre a presença da Petrobras, que "o medo é que os animais de caça fujam com o barulho das máquinas".
Tape, por outro lado, elogiou os benefícios concedidos pela empresa, como a doação de materiais de construção e a distribuição, há um ano, de cerca de US$ 1.000 por família.
Quando o protesto parecia resolvido, o microônibus se aproximou para iluminar a árvore enquanto funcionários cortavam seu tronco.
A repórter fotográfica Johanna Cortés desceu do veículo, mas, quando tentou tirar fotos, teve o equipamento arrancado por um dos indígenas. Bêbado, exigiu que as imagens fossem apagadas e que voltássemos ao veículo.
Cerca de dez minutos mais tarde, um trator da Petrobras finalmente removeu o tronco, liberando a passagem.
Mais tarde, no acampamento, um dos funcionários envolvidos na negociação explicou que os indígenas -três irmãos- exigiam ser contratados pela Petrobras, como na época da construção da estrada, quando foram empregadas 50 pessoas da comunidade.
Atualmente, apenas dez indígenas trabalham na Petrobras, com um salário de US$ 310.
Para Elizabeth Bravo, da ONG Ação Ecológica, ações compensatórias e indenizatórias como as promovidas pela Petrobras fazem com que os indígenas passem a ficar dependentes das empresas, atraindo-os para viver em seu entorno. "Na Repsol, que atua ao lado, é fornecida comida todos os dias, provocando uma alteração cultural imensa", exemplifica.
(FM)

FSP, 12/11/2006, Mundo, p. A30

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