FSP, Cotidiano, p. C8
04 de Set de 2005
Patrimônio mundial é desmatado em SP
Na Estação Ecológica Juréia-Itatins, a vegetação que existia numa área de cerca de 136 hectares já foi destruída
Afra Balazina
Luiz Carlos Murauskas
Após 75 minutos de "escalada" rumo ao topo de um morro no paraíso ecológico da Juréia, o verde da mata atlântica se transforma numa mistura de cinza, marrom e preto. A floresta dá lugar a uma imensa clareira com árvores centenárias ao chão, queimadas.
O cenário desmatado tem quase o equivalente a três campos de futebol. Destruído nos últimos meses, aumentou o débito com a Estação Ecológica Juréia-Itatins, que já chega a 190 campos desde 2004.
A região é considerada Sítio do Patrimônio Natural Mundial pela Unesco. Localizada no Vale do Ribeira (SP), possui uma área total de 80 mil hectares que atinge quatro municípios diferentes: Miracatu, Itariri, Peruíbe e Iguape.
Em tese, apenas pesquisadores e grupos autorizados pelo Instituto Florestal (IF) podem fazer uso do local, além das famílias que já moravam ali antes da criação da estação ecológica, em 1987. Segundo o último levantamento, em 1990, seriam 365, todas elas em precárias condições de vida.
Mas suspeita-se de que fazendeiros situados em seu entorno têm invadido a área para ampliar o cultivo da monocultura da banana. Tanto que, em meio ao cinza-marrom-preto da clareira, já é possível visualizar pés de banana em crescimento.
Por meio de sobrevôos e trabalhos de campo, o IF tenta mapear e combater a devastação na Juréia. Trabalho difícil para quem possui apenas 43 funcionários no local, sendo 32 vigias.
Muitos moradores auxiliam na vigilância. "Não é justo que os moradores da área sejam proibidos de tudo e pessoas de fora acabem desmatando. Exijo que as autoridades façam o reflorestamento", disse o agricultor Roberto Oyaizu, 48.
Ele diz que, em razão dos desmatamentos, uma nascente já secou e outra está nesse mesmo caminho. Segundo Oyaizu, os moradores só perceberam esse último ponto de desmatado porque os criminosos, além de cortar a vegetação, colocaram fogo.
Segundo o engenheiro florestal Joaquim de Marco Neto, responsável do IF pela Juréia, a área sofre grande pressão externa (das cidades do entorno e fazendeiros) e interna (dos moradores do local).
De acordo com ele, suspeita-se de que pessoas de São Paulo e Santos contratem os moradores da região para desmatar o local com a promessa de que depois trabalharão como meeiros na comercialização da banana.
Os assentados em Vista Grande, região limítrofe à estação, também são suspeitos de tentar ampliar sua área de plantio de banana para dentro da Juréia.
Fiscalização
Na entrada da estação pelo bairro Despraiado há placas com o seu nome. Porém, não há nenhum guarda-parque no local -a casa que era usada como base está completamente abandonada.
Segundo o engenheiro, isso se deve à "falta de pessoal" no IF. Ele estima que, para melhorar a fiscalização, deveria haver mais quatro postos de vigilância dentro da estação. E considera Despraiado o ponto prioritário para uma base.
O governador Geraldo Alckmin (PSDB) autorizou em julho a realização de um concurso público para a contratação de 120 vigias para o preenchimento de cargos vagos no IF -mas não está definido ainda quantos dos futuros contratados irão para a Juréia.
Na opinião do diretor da SOS Mata Atlântica, Mario Mantovani, como os guarda-parques não podem andar armados, só sua presença não resolveria o problema. "A barra é pesada na Juréia. A falta do poder público na região fez com que isso ocorresse. Agora, é preciso uma ação emergencial, fazer uma fiscalização maior e, principalmente, um trabalho de inteligência para descobrir os mandantes dos desmatamentos."
Condições de vida na região são precárias
Falta saneamento básico, transporte e telefone. Os moradores da Estação Ecológica Juréia-Itatins vivem longe de escolas e hospitais e os acessos às cidades mais próximas são péssimos, feitos por estradas de terra.
"Antes, a estrada era transitável e passavam dois ônibus para Pedro de Toledo e dois para Iguape. Agora, não passam mais", disse o agricultor José Peixe Amarante, 78, presidente da Associação de Moradores do Despraiado.
Sua casa é feita com blocos, não tem forro, reboco, muito menos pintura. Peixe, como é chamado, contou que as crianças precisam acordar às 4h para ir à escola. Uma perua passa para buscá-las. Quando chove, o veículo costuma atolar e muitas vezes os alunos ficam parados na estrada.
"A gente precisa andar sete quilômetros para chegar ao telefone mais próximo. Se percebemos um desmatamento, é complicado chamar a polícia", disse o agricultor Carlos Gomes de Pontes, 51, que sempre viveu ali.
Numa reunião na última quinta-feira na Secretaria de Estado do Meio Ambiente, o presidente da União dos Moradores da Juréia, Arnaldo Rodrigues das Neves Júnior, fez alguns pedidos em nome dos habitantes da área.
O primeiro, mais simples, é a colocação de cinco orelhões no bairro Despraiado, onde aconteceu o último desmatamento. O segundo pedido é que o governo autorize que 80 famílias façam roças na estação.
Há 15 anos corre na Justiça a ação para desapropriar terrenos na Juréia -só assim os moradores poderiam ser retirados do local. Em algumas áreas, entretanto, várias pessoa se apresentam como donas e é difícil identificar quem deveria ser indenizado.
O secretário estadual do Meio Ambiente, José Goldemberg, nomeou nessa reunião um assessor especial para intermediar as negociações com os moradores e acompanhar as denúncias de desmatamento na Juréia.
O escolhido foi o arquiteto José Pedro de Oliveira Costa, que foi o primeiro secretário de Meio Ambiente do Estado e um dos idealizadores da estação.
Instituto Florestal quer ação turística na Juréia
O Instituto Florestal deve propor ainda neste mês a transformação de algumas áreas da Estação Ecológica Juréia-Itatins em parques naturais.
Numa estação, o objetivo é preservar um ecossistema e permitir a realização de pesquisas -há atualmente mais de 80 em curso na Juréia. Por isso, existem muitas restrições para seu uso. Já o parque prevê a recreação pública em espaços naturais e atividades de visitação poderiam ser regulamentadas.
"Poderíamos fazer um centro de visitantes, criar trilhas, abrir praias e cachoeiras para turistas", afirmou o diretor de reservas e parques do Instituto Florestal, Luiz Roberto de Oliveira.
Segundo ele, a região da Barra do Una e cachoeiras como a do Guilherme têm visitação já consolidada. E a especulação imobiliária é uma das grandes ameaças à estação ecológica. "O interesse em explorar turisticamente o lugar não pode ser descartado. São 46 km de costa, com muitas praias virgens, a 150 km de São Paulo", afirmou Joaquim de Marco Neto, responsável pela estação.
A alteração de áreas em parques, entretanto, dependeria da criação de uma lei.
Uso sustentável
Os moradores da Juréia querem, em vez da criação de parques, a aprovação de um projeto de lei que propõe a transformação de áreas da Juréia em reservas de desenvolvimento sustentável. Dessa forma, eles teriam mais liberdade para trabalhar no local.
"A população poderia fazer o manejo da caxeta, cuja madeira é usada em artesanato, e palmito", disse o presidente da União dos Moradores da Juréia, Arnaldo Rodrigues das Neves Júnior.
Ele afirmou que se sentiu traído com a sugestão do IF de transformar algumas áreas em parque.
Oliveira, entretanto, critica o projeto das reservas. "Ele transforma metade da área da Juréia em área de desenvolvimento sustentável. Os locais escolhidos são justamente os mais conservados da estação. E ainda não está claro de que forma os moradores poderiam utilizar a terra", disse.
FSP, 04/09/2005, Cotidiano, p. C8
As notícias aqui publicadas são pesquisadas diariamente em diferentes fontes e transcritas tal qual apresentadas em seu canal de origem. O Instituto Socioambiental não se responsabiliza pelas opiniões ou erros publicados nestes textos. Caso você encontre alguma inconsistência nas notícias, por favor, entre em contato diretamente com a fonte.