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03 de Out de 2024
Pará incentiva garimpo ilegal ao permitir licença municipal de extração de ouro, diz ação apoiada pelo governo federal
Estado é o único da Amazônia que autoriza prefeituras a licenciarem lavras garimpeiras de ouro
Ricardo Brito
03/10/2024
Uma ação apresentada no STF (Supremo Tribunal Federal) com apoio do governo federal busca forçar o governo do Pará a revogar um conjunto de legislações estaduais que dá poderes a municípios para concederem licenciamento ambiental para a exploração de garimpo de ouro.
Diversos órgãos federais já alegaram ao Supremo que os atos normativos do estado, em vigor há pouco mais de dez anos, incentivam o garimpo ilegal de ouro, contaminam rios com materiais altamente tóxicos, como mercúrio e cianeto, e têm o potencial de causar prejuízos para o meio ambiente e as populações indígenas e ribeirinhas.
Em fevereiro de 2023, o MPF (Ministério Público Federal) no Pará emitiu uma recomendação para que a norma fosse invalidada, alegando inconstitucionalidade. A medida foi antecipada pela Folha.
O argumento central do MPF era de que a legislação determina que prefeituras só podem licenciar empreendimentos "que causem ou possam causar impacto ambiental de âmbito local", mas o dano causado pelo garimpo é extenso demais e atinge bacias inteiras.
Investigações da Polícia Federal e fiscalizações de órgãos federais ambientais como o Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) apontam que o Pará é um dos estados brasileiros com as maiores concentrações de garimpos ilegais, alguns deles inclusive dentro de terras indígenas e áreas de proteção.
A polêmica gira em torno de uma resolução estadual editada inicialmente em 2013, e alterada em 2015 e em 2021, delegando a municípios poderes para promover o licenciamento ambiental de lavras garimpeiras de áreas de até 500 hectares -equivalente a 500 campos de futebol.
No final do ano passado, o Partido Verde entrou com a ação pedindo uma liminar para suspender os efeitos das normas. A legenda alegou ao Supremo que o Pará é o único estado da Amazônia Legal a fazer este tipo de delegação, o que contraria a Lei da Lavra Garimpeira de 1989.
Essa lei federal -que teria ascendência sobre a legislação estadual- limita as lavras a uma área dez vezes menor, de 50 hectares, para uma única pessoa, podendo chegar a 1.000 hectares no caso de uma cooperativa de garimpeiros.
O impasse ocorre no momento em que o Pará se prepara para sediar, em Belém, a COP30, cúpula da ONU (Organização das Nações Unidas) para enfrentamento das mudanças climáticas.
O processo é relatado pelo ministro Luiz Fux, que pediu manifestação e informações aos órgãos envolvidos antes de tomar uma decisão.
Impacto ambiental e sanitário
Em consonância com o MPF, o Ibama disse na ação que, ao contrário do defendido pelo governo estadual, a atividade garimpeira não tem apenas abrangência local e extrapola os municípios. Afirmou ainda que há uso de produtos tóxicos como mercúrio, com impacto para a saúde pública e fauna.
A Polícia Federal apontou ter identificado mais de 15 mil alertas de extração mineral ilegal no Pará.
Um laudo pericial da PF, anexado ao processo e visto pela Reuters, apontou que normalmente há o uso de técnicas de lixiviação por cianeto ou da amalgamação com mercúrio na separação do ouro no garimpo ao longo do rio Tapajós.
"Ambos são bastante tóxicos ao meio ambiente e à saúde humana, e foram encontrados nos principais afluentes do Tapajós, em especial aqueles com intensa atividade garimpeira", afirmou o documento.
Os peritos relataram que, em vários pontos de amostras coletadas, os níveis de contaminação estavam "acima do limite tolerável", sendo que os locais são habitados por populações ribeirinhas e indígenas, que dependem da pesca para subsistência.
Em manifestação separada, o advogado-geral da União, Jorge Messias, defendeu a suspensão das normas estaduais.
"Além de divergirem do regramento federal, tais atos normativos incentivam a prática de garimpo ilegal, bem como reduzem a capacidade de controle estatal no tocante à exploração da atividade minerária, causando, por conseguinte, notáveis prejuízos para o meio ambiente e para as populações indígenas que vivem nas áreas afetadas pelo garimpo", afirmou Messias ao Supremo.
Procurada pela Reuters, a Secretaria de Meio Ambiente e Sustentabilidade do Pará informou que a norma que definiu o porte e potencial poluidor de empreendimentos e atividades de competência do licenciamento municipal partiu do Conselho Estadual de Meio Ambiente, entidade que reúne representantes do Poder Público e da sociedade civil.
"Esclarece ainda que a tipologia de lavra garimpeira com porte de até 500 hectares foi definida pelo Conselho em 2014, portanto, anterior à atual gestão", disse.
"Atualmente, por meio de uma Câmara Técnica criada especificamente para essa finalidade, no âmbito do Conselho Estadual de Meio Ambiente, o estado está rediscutindo os termos da resolução", ressaltou.
Na própria ação, a gestão Helder Barbalho (MDB) havia se manifestado inicialmente argumentando que há dez anos a regra está em vigor, destacando que a gestão ambiental está de acordo com o que está previsto na Constituição. Para o estado, cabe ao Ibama fiscalizar apenas as áreas federais.
O Pará também afirmou que a atividade de lavra no estado está de acordo com uma portaria da Agência Nacional de Mineração, que permite o regime de lavra garimpeira de até 10 mil hectares na Amazônia Legal.
"Nessa conjuntura, no estado do Pará, a competência dos municípios para o licenciamento da atividade de lavra garimpeira em áreas de até 500 hectares não se avulta como desproporcional, correspondendo a 5% da área máxima para a atividade dentro da Amazônia Legal", considerou.
Contudo, o procurador-geral da República, Paulo Gonet, deu parecer a favor da ação do Partido Verde para suspender os efeitos das normas que permitem aos municípios concederem licenciamento de garimpo. Para ele, a legislação estadual poderia apenas fixar normas mais restritivas do que a prevista pelo ente federal. No entanto, ocorreu o contrário.
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