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Para governo, empresas de saneamento valem até R$ 140 bi se privatizadas

FSP, Cotidiano, p. B1-B2
13 de Out de 2019

Para governo, empresas de saneamento valem até R$ 140 bi se privatizadas
Governo afirma que universalização de água e esgoto não será atingida sem venda de companhias para o setor privado

Bernardo Caram
BRASÍLIA

Na tentativa de estimular governadores a vender companhias estaduais de saneamento, o Ministério da Economia fez um estudo para detalhar o potencial de ganho aos cofres públicos com as privatizações.
Se a opção for pela venda de 100% do capital, essas empresas podem atingir um valor próximo a R$ 140 bilhões.
As contas não consideram as dívidas contraídas pelas companhias. Para chegar ao valor que seria efetivamente arrecadado pelos estados, portanto, é necessário descontar os débitos.
O debate se dá no momento em que o Congresso discute um novo marco legal para o saneamento e o governo defende maior abertura.
No documento obtido pela Folha, o ministério liderado por Paulo Guedes conclui que a meta de universalizar o saneamento básico no país até 2033 não será cumprida sem privatizações.
Na quarta-feira (9) desta semana, quando iniciou a publicação da série de reportagens Saneamento no Brasil, a Folha mostrou que o atendimento da meta de universalização pelo Brasil pode atrasar ao menos 30 anos se o ritmo atual de melhorias e investimentos no setor for mantido.
Enquanto acompanha a elaboração no Congresso do novo marco legal do setor, o governo federal busca argumentos para convencer governadores a seguir pelo caminho das privatizações, especialmente em um momento de aperto nas contas estaduais.
O levantamento, elaborado pela Secretaria de Desenvolvimento da Infraestrutura, avaliou as empresas que cuidam de tratamento de água e de coleta e tratamento de esgoto em 22 estados.
Nos outros entes da federação, a pasta não teve acesso às informações necessárias para fazer os cálculos.
Para chegar às estimativas, dados das estatais sob poder dos governos regionais foram comparados de duas maneiras, usando técnicas de avaliação de empresas.
Primeiramente, foram calculados os valores que as companhias do setor teriam se os estados vendessem 49% do patrimônio das empresas, mantendo o controle estatal. A segunda hipótese mediu os valores que seriam atingidos com a eventual venda de 100% do capital.
Para chegar ao resultado, a equipe técnica usou como base os valores observados em companhias de saneamento que já abriram parte do capital e empresas do setor elétrico que foram privatizadas.
O resultado mostra que o potencial de ganho se multiplica quando é feita a privatização de 100% das companhias. Nessa hipótese, as 22 estatais analisadas valeriam R$ 139,7 bilhões. A opção de vender 49% da participação faria com que essa fatia das empresas valesse R$ 30,6 bilhões, ou apenas 22% do montante inicialmente projetado.
De acordo com o secretário de Desenvolvimento de Infraestrutura, Diogo Mac Cord, o cálculo mostra que, se os estados optassem por manter o controle das companhias, o país abriria mão de R$ 109 bilhões, para poder ser aplicado em outras áreas, como educação e segurança.
Segundo ele, o Brasil não terá os R$ 700 bilhões necessários para bater a meta de universalizar o saneamento até 2033, definida no Plano Nacional de Saneamento Básico, que previa que isso ocorresse até 2033 se não optar pelas privatizações.

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"O setor público não tem esse dinheiro. Ou vem o setor privado, ou o governo não vai entregar", diz.
"No entendimento do Ministério da Economia, privatizar é o melhor caminho, mas isso não significa que a gente quer obrigar quem não concorda com a gente a seguir esse caminho. O importante é entregar um bom serviço", afirma Mac Cord.
O secretário ressalta que os índices de cobertura e atendimento à população chegam a quase 100% nos setores de telecomunicações e elétrico, que foram abertos para as privatizações.
Na área de saneamento, contudo, a cobertura da coleta de esgoto é de cerca de 52%. Hoje, 100 milhões de pessoas no Brasil vivem sem acesso à rede de esgoto.
Atualmente, a legislação impede a privatização completa das companhias de saneamento e exige que seja mantido o controle do estado sobre elas.
O governo espera que a trava seja retirada com a aprovação do novo marco legal do setor, que tramita no Congresso sem expectativa de prazo para conclusão.
Os técnicos do ministério argumentam que as ineficiências de uma companhia de comando estatal acabam por ser pagas por toda a população, enquanto resultados negativos de uma empresa privada são absorvidos pelos acionistas.
O relatório do ministério mostra ainda que companhias que já abriram capital sem que o controle fosse retirado do governo seguiram com ineficiências e privilégios.
"Quando uma empresa pública faz um IPO [initial public offering, ou abertura de capital na Bolsa] minoritário, mantendo o controle público, junta-se a ineficiência com a necessidade de aferição de lucro [prometido aos novos acionistas], criando-se uma dicotomia de difícil gestão", diz o documento.

Pelo estudo, a Sabesp (Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo) teria o maior valor de mercado, atingindo R$ 44,9 bilhões em caso de venda de 100% das ações.
A Cedae (Companhia Estadual de Águas e Esgotos do Rio de Janeiro) seria a segunda mais valiosa, com R$ 19,3 bilhões (veja todos os valores no gráfico que acompanha este texto).
O presidente da Aesbe (Associação Brasileira das Empresas Estaduais de Saneamento), Marcus Vinícius Fernandes Neves, discorda do diagnóstico de que a solução seria a privatização total.
Para ele, o setor privado não consegue atender sozinho o saneamento no país. "Tem algumas áreas que não interessam ao mercado, e a simples privatização não é a solução. Cada estado tem sua estratégia", afirma Neves.
"Entendemos que a universalização do saneamento é conseguida com a junção do esforço público com o privado. Há espaço para os dois e há necessidade de complementariedade."

ANÁLISE
Contextualiza um acontecimento e aprofunda a compreensão de seus diversos ângulos
Novo ciclo de investimentos em saneamento pode começar no ano que vem
Investidores sondam mercado à espera da conclusão do marco legal do setor

Alexa Salomão
SÃO PAULO

Ninguém fez uma pesquisa oficial, mas a percepção é unânime. Nas consultorias e bancas especializadas em direito empresarial, algo como dois em cada três investidores perguntam sobre saneamento quando sondam o potencial dos negócios com infraestrutura no Brasil.
Para os políticos, tamanho interesse talvez seja um mistério. Há uma máxima antiga entre eles para justificar a gigantesca carência na oferta de saneamento que governos têm obrigação de entregar: obra enterrada não dá voto.
Nos municípios menores, falta dinheiro e gestão na área; nos grandes, não raro, falta interesse de priorizar a agenda. Uma pesquisa do Trata Brasil com os cem maiores municípios do país identificou que 34% não montaram nem plano de saneamento, apesar de terem recursos e gente qualificada.
O setor privado, porém, tem feito a conta e vê que consegue extrair bons resultados das obras enterradas.
Enquanto economias importantes no primeiro mundo operam com juro negativo e a Selic, taxa básica de juro do Brasil, segue em queda firme para 4,5% ao ano, projetos de saneamento abertos do zero oferecem taxas de retorno de dois dígitos.
Na média, a chamada TIR (taxa interna de retorno, que indica o ganho do projeto) oscila entre 12% e 16%. Mas a taxa do segredo -o retorno do acionista, que considera muitas variáveis, inclusive o tipo de financiamento- pode ir a 20% caso todo o negócio seja bem estruturado.
Fundos de investimento estão de olho na receita garantida de estatais que podem ser vendidas. As pessoas nunca deixam de beber água, lavar louça e ir ao banheiro. E a maioria paga a conta todo mês.
Segundo o Plano Nacional de Saneamento, o Brasil precisa de algo em torno de R$ 20 bilhões por ano até 2033 para universalizar a oferta de serviços. Diante do cenário, entusiastas da privatização acreditam que a venda das companhias públicas de saneamento é a saída certeira.
Mas, como tudo na vida, não é tão simples assim.
O especialista em infraestrutura Luís Felipe Valerim, ex-Casa Civil para projetos na área, tem uma analogia popular para explicar a encruzilhada. Ele costuma dizer que, com tantos bilhões tendo que entrar em campo, não há espaço no saneamento brasileiro para fazer Fla-Flu -briga entre privado e público.
A solução prática para o saneamento avançar de fato seria conseguir formar uma boa seleção com os dois lados. O desenho do setor no Brasil meio obriga essa composição.
Após quedas de braços com estados e até julgamento no STF (Supremo Tribunal Federal), não há mais discussão de que saneamento é serviço sob a tutela municipal. Isso quer dizer que tudo nesses serviços ou sua eventual transferência a privados -modelo de concessão, preços, prazos, regras de reajustes de tarifas e de contratos- precisa passar pelo crivo da cabeça e da caneta de 5.570 prefeitos.
A fragmentação afeta inclusive a regulação. Segundo levantamento do setor feito pela consultoria alemã Roland Berger, há 49 agências reguladoras de saneamento no país. Cada uma tem suas regras, e boa parte monitora uma operadora dos serviços.
As maiores empresas são companhias estaduais. Elas assumiram os serviços em centenas de municípios. Garantem força política aos governadores e repasses garantidos ao caixa estadual.
Sabesp, do governo de São Paulo, atende uma população perto de 28 milhões de pessoas; Copasa, do governo mineiro, uns 15 milhões; Cedae, do governo do Rio de Janeiro, mais de 13 milhões.
A presença privada, por sua vez, é tímida. A Roland Berger apurou que apenas 6% dos municípios (72% deles com menos de 50 mil habitantes) são atendidos por operadores privados. A maior delas, a BRK Ambiental, tem menos 10 milhões de clientes. Para efeito de comparação, 94% da população urbana no Chile é atendida por privados.
O apito para iniciar a nova rodada de investimentos com todos esses jogadores seria a aprovação do novo marco regulatório que tramita no Congresso. Dois pontos importantes do projeto já estão meio que acertados.
O primeiro é a definição de normas de referência que, pela proposta, serão monitoradas pela ANA (Agência Nacional de Águas). A prefeitura não é obrigada a seguir mas, se aderir, recebe apoio do governo federal, incluindo acesso mais organizado ao crédito.
Com isso, abre-se espaço para a ANA atuar como um orientador nacional de uma regulação padronizada.
O projeto também traz critérios para que os municípios se juntem em blocos para receber os serviços. Os integrantes não precisam fazer fronteira. Esse formato busca organizar a demanda e mitigar a pulverização.
O desafio é finalizar o cardápio de opções de contratos para que entes públicos e privados possam fazer negócio seguros. Isso significar criar critérios para contratos de concessão, PPPs (parcerias públicos privadas), para que estatais possam fazer subconcessões a privados e para a transição de contratos de programa (aqueles entre prefeituras e empresas dos estados).
Desfeito esse nó, o projeto tem chances de concluir a tramitação neste ano. Se isso ocorrer, o tão esperado novo ciclo de investimentos no setor pode começar em 2020.

FSP, 13/10/2019, Cotidiano, p. B1-B2

https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2019/10/para-governo-empresas-d…

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