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O seringal sangra

FSP, Eleições 2014, p. 7
20 de Set de 2014

O seringal sangra
Reserva federal Chico Mendes, homologada no Acre dois anos depois da morte do ambientalista, já teve 8% de sua cobertura florestal devastada desde 1990

Fabiano Maisonnave - enviado especial à Reserva Chico Mendes (AC)

Com uma úlcera aberta no lado direito do rosto, Aimê da Silva, 2 anos, é a terceira criança da família de seringueiros a contrair leishmaniose somente neste ano.
Distante cinco horas --incluindo três horas a pé-- de Brasileia, a cidade mais próxima, a família optou por tratar a doença, que pode ser fatal, com pó de casca de mangueira e de caju.
A menina mora com os pais, quatro irmãos, dois primos e dois tios no seringal Cristovão, a cerca de 20 km adentro da reserva extrativista federal Chico Mendes, uma área de quase 1 milhão de hectares, o equivalente a seis vezes o tamanho da cidade de São Paulo.
Homologada em 1990, dois anos após o assassinato do líder seringueiro, a reserva abriga cerca de 2.000 famílias. Atualmente, a maioria abandonou a borracha e vive com um pouco de agricultura, da coleta de castanha e do Bolsa Família.
Outras famílias, principalmente as mais próximas do asfalto, recorrem à pecuária, à venda clandestina de terras públicas e à extração ilegal de madeira.
A estimativa oficial é que cerca de 8% da cobertura florestal original tenha sido derrubada, contra 0,6% na época em que a reserva foi criada, 24 anos atrás.
A maior parte da devastação ocorreu em áreas próximas às rodovias que passam pela região. No levantamento mais recente sobre pecuária, de 2009, havia pouco mais de 21 mil cabeças.
A família de Aimê está no primeiro caso, com um estilo de vida parecido ao da época em que a candidata Marina Silva crescia em um seringal do Estado. As três casas, de madeira, não têm energia elétrica e estão cercadas por um roçado --não há gado. A única comunicação com o exterior é por meio de um rádio de pilha.
Os moradores dos seringais continuam padecendo das mesmas doenças contraídas por Marina nas décadas de 1960 e início dos anos 1970, como a leishmaniose.
A rede pública oferece tratamento, mas a cura é demorada. Por causa dos efeitos colaterais --foi o medicamento contra a leishmaniose que contaminou a candidata presidencial com metais pesados--, o paciente precisa fazer o tratamento na cidade durante 20 a 30 dias, um enorme problema para quem não tem parentes no asfalto.
Por falta de meios de transporte, a produção agrícola da família é muitas vezes trocada por outros produtos ou horas de trabalho com vizinhos. A carne vem da criação de galinha ou da caça e pesca, permitidas aos moradores da reserva desde que seja para consumo próprio.
Na tarde em que a reportagem da Folha visitou o seringal, o único adulto era Erismar Ribeiro da Silva, 29. Os outros haviam ido participar de uma reunião convocada pela escola rural do seringal, a uma hora de caminhada.
Pai de duas crianças, ele explicou que, por causa do preço baixo da borracha, abandonou a seringa há três anos. A sua principal renda é o Bolsa Família de R$ 160, que ele retira a cada dois meses por causa do alto custo do transporte --ir a Brasileia, a cerca de 60 km, custa R$ 40.
De extrativismo, Silva diz que, atualmente, apenas a castanha, coletada no começo do ano, vale a pena. Mas o dinheiro, explica, "dura dois meses, esticando três".
A alguns quilômetros dali, o líder comunitário do seringal Porvir, Severino da Silva Brito, 58, diz que muitos desmatam para pastagens além do limite legal, de 30 hectares por colocação (área ocupada cada família), mas "negocia a multa e não é expulso. Tem cabra pego com madeira e não é expulso".
"Eu me sinto muito minoria [contra o desmate]. A gente fica como um grão de areia no meio de 1 milhão de hectares. Do jeito que vai, máximo que dou [para a reserva] é 30 anos. E olhe, olhe."

Pecuarista quer se eleger para legalizar propriedade em reserva

Do enviado especial à Reserva Chico Mendes (AC)

"Cadeia, a gente entra e a gente sai. Caixão, não, só tem entrada, não tem saída."
Inconformado com uma multa de R$ 2,5 milhões por devastar 69 hectares dentro da reserva Chico Mendes, o pecuarista Rodrigo Santos ameaçou de morte o fiscal Flúvio Mascarenhas, em conversa telefônica gravada em 29 de dezembro.
A intimidação não se concretizou, e o fazendeiro Rodrigo Santos decidiu se candidatar a deputado estadual. O objetivo: legalizar os 1.064 hectares explorados para a pecuária pela sua família e outras dez grandes propriedades dentro da reserva extrativista Chico Mendes.
"Se o governo quer me expulsar, eu me torno governo pra ver se eles me expulsam", disse à Folha Santos, que concorre pelo PR usando o nome de Rodrigo do Zé Baixin, apelido do pai.
"O Estado foi criado para acriano viver. Não é pra poder fazer reserva pra macaco e índio viverem lá dentro, não", afirmou.
Ele diz que a família está na área desde os anos 1980, mas admite que adquiriu terras após a criação da reserva. "Até 2004, o Ibama não entrava lá dentro, não exigia de ninguém", justificou.
Além da pecuária, a reserva enfrenta ainda a venda irregular de parcelas de floresta para moradores da cidade. É o caso do funcionário do Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária) José da Rocha Lira. Residente em Brasileira, ele mantém há cerca de cinco anos uma cabana de caça no seringal Fronteira, segundo relataram à reportagem os moradores vizinhos.
Já notificado pelo ICMBio, ele alega que o local não está em seu nome.

Maioria respeita regras, afirma fiscal da União

DO ENVIADO À RESERVA CHICO MENDES (AC)

Único fiscal para a reserva equivalente a seis cidades de São Paulo, Flúvio de Souza Mascarenhas afirma que a maioria dos moradores da reserva respeita as regras de desmate. "Mas uma pequena minoria foi cooptada por fazendeiros para arrendamento de pastagem e retirada ilegal de madeira".

Ele está baseado no escritório de Brasileia do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), autarquia criada em 2007, quando a candidata a presidente Marina Silva era ministra do Meio Ambiente.

Mascarenhas afirma que, por falta de pessoal e orçamento, há poucas ações de fiscalização.

Ao longo deste ano, foram apenas três até setembro, quando o ideal, diz, seria ao menos uma operação por mês.

Na última ação, foram embargados 200 hectares e aplicadas multas de R$ 2 milhões por desmate.

Para o fiscal, porém, a melhoria da situação da reserva depende do aumento da renda gerada pelo extrativismo.

"Com mais políticas públicas voltadas para a valorização do produto florestal, talvez a gente consiga dar as respostas que as populações tradicionais querem. Dentro das reservas, eles têm quase as mesmas necessidades da cidade, como geladeira e TV. Tudo isso implica mais dinheiro", avalia.
(FM)
Colaborou FÁBIO PONTES, de Rio Branco

FSP, 20/09/2014, Eleições 2014, p. 7

http://www1.folha.uol.com.br/fsp/poder/186548-o-seringal-sangra.shtml

http://www1.folha.uol.com.br/fsp/poder/186550-pecuarista-quer-se-eleger…

http://www1.folha.uol.com.br/fsp/poder/186549-maioria-respeita-regras-a…

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