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O pai da Transoceânica

FSP, Mercado, p. A25
Autor: TORRICO, José
12 de Set de 2015

O pai da Transoceânica
Peruano que se considera o autor de projeto de ferrovia que liga Brasil ao país vizinho diz ter investidores dispostos a torná-lo uma realidade

Minha história José Torrico, 68

TATIANA FREITAS DE SÃO PAULO

Estive pela primeira vez no Brasil em 1968. Trabalhei na multinacional dinamarquesa Christiani & Nielsen, como assistente de arquitetura.
Depois de dois anos, voltei ao Peru. Mas fiquei com esse gostinho do povo brasileiro, da beleza do país. Em 1982, voltei de férias e fiquei, mas viajo ao Peru constantemente. Devo muito à minha companheira, Suzana, com quem moro há 33 anos. Tenho 68 anos, vivo no Brasil há 33. Mas sou 100% peruano.
Em 2000, tive a oportunidade de participar do Fórum Brasil-Peru, em São Paulo. Fui encontrar um amigo, o embaixador Jaime Stiglich, e participei do encontro, que tinha grandes empresários do Brasil e do Peru.
Os brasileiros falavam da soja e os peruanos diziam que tinham as maiores reservas de rocha fosfórica puríssima ao lado do porto de Bayóvar, no deserto de Sechura.
Mas eles diziam que o grande problema era a cordilheira dos Andes. Foi quando lembrei do meu pai. Minha família tinha uma fazenda na região por onde vai passar a ferrovia. Quando estava de férias, meu pai me levava ao deserto de Sechura, porque são águas quentinhas. E lembrei que aquela região tem o ponto mais baixo da cordilheira. Então eu pensei: por aí há que se fazer uma ferrovia.
Eu idealizei o traçado. Comecei a pesquisar e conheci Olacyr de Moraes, que tinha o projeto da Ferronorte. Era um visionário completo, mas quando o conheci já estava em um momento financeiro delicado e me disse que não iria finalizar a Ferronorte. Ele me deu de presente todos os estudos, eu os aprofundei.
Nessa época eu comecei a mandar cartas ao presidente Fernando Henrique Cardoso, mas ele não me deu muita bola. Do lado peruano, comecei com esse projeto no final de [Alberto] Fujimori, passei por [Valentín] Paniagua, [Alejandro] Toledo e Alan García. Do lado brasileiro, além de FHC, foram os oito anos de Lula e quatro de Dilma.
Estou há 15 anos nisso. Quando eu avançava lá, parava aqui. Quando avançava aqui, parava lá. Mas chegou um momento em que as coisas coincidiram, em 2007. Meu amigo Jaime Stiglich, então cônsul em São Paulo, escreveu ao presidente Alan García sobre o projeto.
Depois de 20 dias, a maior empreiteira peruana, Graña y Montero, mandou geólogos percorrerem a rota da ferrovia no Peru e prepararem um estudo a partir do que eu já havia pesquisado. A construtora garantiu que a rodovia passava no traçado que eu fiz, com algumas variações. Isso foi uma vitória que não tem preço. Com essa certeza, falei: aqui nada me para mais.
Nesse mesmo ano, García me recebeu no palácio do governo. Após três horas de reunião, me disse que daria todo o apoio e iria mandar um projeto de lei para o Congresso.
Voltei ao Brasil com outro trunfo. Um ano depois, em 24 de março de 2008, foi aprovada lei que prevê a construção da Ferrovia Transcontinental Brasil-Peru.
Mas faltava o lado brasileiro. No ano 2000, conheci Bernardo Figueiredo [ex-presidente da Empresa de Planejamento e Logística]. É um grande amigo, que me colocou o apelido de "tô pobre". Ele me ferrou: em Brasília as pessoas me conhecem como "tô pobre". Diziam que eu era louco, sonhador, que estava perdendo tempo. Hoje já falam "Torrico, o estadista".
Bem, Figueiredo era assessor da ministra Dilma Rousseff [Casa Civil]. Ele já conhecia o meu projeto, a ideia do traçado, tudo. Em 2008, a Casa Civil mandou o deputado Jaime Martins ao Peru para saber como estava o projeto lá. Ele conversou com as autoridades, que confirmaram que estava andando. Dias depois, a ferrovia foi incluída na lei 11.772 [Plano Nacional de Viação], aprovada pelo Congresso naquele ano. Foi a consagração total para mim.
Mas o governo brasileiro modificou o traçado. Do lado brasileiro, até Vilhena (RO) é o meu traçado. Daí até o porto do Açu (RJ) é completamente diferente. A explicação que os brasileiros me deram é que o porto de Santos está super congestionado, teria de ser outro porto.
INVESTIDORES
O próximo passo era conseguir os investidores, por isso procurei o embaixador chinês no Brasil, Li Jinzhang. Nas primeiras oito reuniões, ele me recebia com tradutora e assessores. Na oitava, ele me disse que falava espanhol e que havia costurado um círculo de amizade. E me disse: vou levar seu projeto ao líder Xi Jiping. Ele voltou de viagem à China e afirmou: "Aprovei seu projeto". Outra alegria!
O corredor logístico interessa a chineses, peruanos e brasileiros. Vai mudar toda a logística sul-americana.
Eu sou o autor do projeto, o pai da criança. Muitos tentaram projetos, mas nenhum saiu. O meu saiu, é meu mérito. Como quero chegar ao final disso? Que isso se torne realidade.
Haverá uma licitação internacional, mas no Peru eu tenho a prioridade na concessão, como autor do projeto. Estou em vias de constituir um grupo de empresas muito sérias. E o embaixador Li me fez uma recomendação: não concentre todos os ovos na cesta chinesa, por causa da famosa soberania. Então vou formar um consórcio de europeus, americanos, chineses, australianos, peruanos e brasileiros. Brasileiros limpos.
Eu já estou pronto, já tenho os investidores. No mundo há muito dinheiro atrás de grandes projetos.

Para especialistas, obra não deve ser prioridade

DIMMI AMORA DE BRASÍLIA

O entusiasmo de José Torrico com a ferrovia cortando a América do Sul não é compartilhado pelos especialistas brasileiros.
Além das dificuldades técnicas de realizar a obra -terreno difícil, custos elevados, conflitos sociais e ambientais-, há dúvidas sobre a necessidade da construção e se ela será boa para o país.
No mesmo plano em que a Bioceânica foi lançada, o governo prevê outras duas ferrovias -a conclusão da Norte-Sul e a Ferrogrão (ligando Mato Grosso ao Pará)- que concorreriam pela principal carga capaz de viabilizar economicamente essas estradas de ferro: a soja produzida no Centro-Oeste do país.
Rodrigo Vilaça, CNT (Confederação Nacional dos Transportes), compara a situação das ferrovias à dos reservatórios de água e diz que o país chegou ao "volume morto".
Segundo ele, é necessário primeiro fazer as obras das ferrovias já iniciadas ou com projetos, principalmente as do eixo norte-sul, e iniciar os projetos de leste a oeste, o que inclui trechos da Bioceânica até Mato Grosso. O trecho até o Peru seria para outro momento, se mostrar-se viável.
Para Bernardo Figueiredo, ex-presidente da EPL (Empresa de Planejamento e Logística), é preciso seguir o objetivo de ter uma saída para o Pacífico, mesmo com as complexidades que o projeto apresenta.
"Precisamos parar de achar que o que é grande nós não merecemos ou não precisamos", disse.
Segundo ele, o projeto pode ser viabilizado em passos, primeiro com a construção de trechos que já se mostram viáveis no Brasil, como a etapa entre Mato Grosso e Goiás (que se liga à Ferrovia Norte-Sul), depois com trechos no Peru para ligar áreas de produção de minério aos portos do país vizinho.
"São etapas que vão se viabilizando e, com isso, desenvolvendo as regiões até que elas possam ser ligadas formando uma só ferrovia", diz Figueiredo, que prevê um prazo de dez anos a 20 anos para isso.

FSP, 12/09/2015, Mercado, p. A25

http://www1.folha.uol.com.br/fsp/mercado/232694-o-pai-da-transoceanica…

http://www1.folha.uol.com.br/fsp/mercado/232696-para-especialistas-obra…

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