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O Brasil começa em Roraima

FSP, Tendências/Debates, p. A3
Autor: CAMPOS Suely
25 de Ago de 2018

O Brasil começa em Roraima

Em maio deste ano, em artigo publicado nesta Folha ("De Roraima para Brasília"), escrevi uma carta aberta ao país denunciando a crise humanitária em nossa fronteira e a situação de omissão do governo federal com o problema.

Mais de três meses se passaram, a crise cresceu, os conflitos chegaram a um ponto insustentável, e o assunto ganhou -tardiamente- a atenção da política nacional. Só agora? Não foi por falta de aviso.

Foram mais de dez ofícios, relatórios e planos de ação enviados a Brasília informando os contornos dessa crise e pedindo providências imediatas do governo federal, que tem a incumbência constitucional de lidar, prioritariamente, com essa situação. Diante das sucessivas negativas, em abril, pedimos socorro à Suprema Corte brasileira.

A desatenção de Brasília com a maior crise humanitária das Américas, em consonância com seus aliados no estado, é criminosa.

A forma pela qual se tentou criar uma cortina de fumaça para esconder o próprio erro, acusando o estado de xenofobia, é uma afronta a todos nós, roraimenses, e uma clara demonstração de desconhecimento da solidariedade do nosso povo, que recebe os venezuelanos desde 2015.

Não há outra forma de se colocar: o governo federal mente. As afirmações repassadas à imprensa, como o inverídico repasse de R$ 185 milhões para a saúde, são versões sem nenhuma comprovação, criadas em gabinetes por quem tem o poder e o dever de agir, de apresentar soluções.

O Brasil não enfrenta uma crise migratória. Roraima enfrenta uma crise migratória. Os 50 mil venezuelanos em situação de vulnerabilidade que aqui adentraram não foram acolhidos pelos 200 milhões de brasileiros. Eles estão juntos aos 500 mil brasileiros que vivem em Roraima.

É o nosso estado que, sozinho, encara bravamente um acréscimo de 6.500% na demanda de saúde dos imigrantes; 132% de acréscimo na criminalidade envolvendo venezuelanos, com 99 encarcerados no nosso sistema prisional; acolhe crianças e adolescentes venezuelanos nas escolas e ainda convive com 400 casos notificados de sarampo, resultado da negligência do governo central em implementar uma simples providência como a barreira sanitária na fronteira.

A atenção tardia a esse caso tem levado o assunto à campanha presidencial, promovendo uma onda de posicionamentos à base de frases de efeito, lugares comuns e discursos carregados no marketing eleitoral.

O Brasil inteiro fala, mas ninguém parece disposto a agir, nem ouvir o que nós, roraimenses, temos a dizer.
Insisto na comparação: se o estado de São Paulo recebesse, de uma hora para outra, 4,5 milhões de pessoas (10% da população) sem moradia e totalmente dependentes do amparo dos serviços do estado, haveria um colapso social sem precedentes.

O mesmo aconteceria com o Rio de Janeiro ou com qualquer outra cidade do mundo. O que esperar, portanto, de Roraima, o menor PIB do Brasil, sem ter nenhum apoio do governo federal?

Talvez, quando o restante do país tomar a real noção do esforço e da solidariedade com os quais o povo de Roraima tem lidado com a maior crise humanitária do continente, entenda quem realmente tem o que dizer sobre o problema, e quem tem que assumir sua incompetência, sua omissão e sua irresponsabilidade com o bem-estar de todo um povo. Nacionais e estrangeiros.

Suely Campos
Governadora do estado de Roraima (PP) desde 2015; graduada em Letras pela Universidade Federal de Roraima, ex-vice-prefeita de Boa Vista (2009-2012) e deputada federal (2003-2007)

FSP, 25/08/2018, Tendências/Debates, p. A3

https://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2018/08/o-brasil-deve-fechar-em-c…

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