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Expressões gráficas e orais Wajãpi são declaradas patrimônio imaterial da humanidade

Site do ISA-Socioambiental.org-São Paulo-SP
13 de Nov de 2003

Resultado de uma indicação do Museu do Índio/Funai, apoiada pelo Ministério da Cultura, o reconhecimento pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) da obra do povo Wajãpi, que vive na Terra Indígena homônima, no Amapá, abre espaço para maior proteção e valorização de seu saber tradicional e seus elementos culturais. Cerimônia realizada em Paris, no dia 07/11, anunciou outras 27 obras selecionadas.

Composição que associa os padrões gráficos da lima e da borboleta. Ideal para decoração das pernas.

Uma característica singular dos grafismos kusiwar, usados nas pinturas corporais e de objetos dos Wajãpi, e das narrativas transmitidas oralmente entre esse povo, é que são elaborados de forma sempre renovada, agregando referências do presente e revelando a contemporaneidade dessa cultura indígena. Assim, novos padrões gráficos - como a forma de um objeto ou o símbolo de um produto - podem ser adotados em um desenho, mas o esquema de composição continua sendo o tradicional. Igualmente, se os Wajãpi precisarem discutir questõs sobre o recém criado Parque do Tumucumaque, contíguo a toda a região norte da Terra Indígena Wajãpi (AP), isto será feito por meio de um diálogo cerimonial que pode durar dias. A explicação é da antropóloga Dominique Gallois, da Universidade de São Paulo, que trabalha com os Wajãpi há 25 anos.

Dominique afirma que a importância da iniciativa da Unesco para esse povo se deve, em primeiro lugar, ao fato de que seus grafismos e saberes orais associados vêm sendo alvo de uso abusivo por parte de vários segmentos da sociedade não-indígena, para fins comerciais e publicitários, e o status de patrimônio imaterial da humanidade deve ajudar a protegê-los. O próprio diretor geral da Unesco, Koichiro Matsuura, afirmou durante o anúncio dos escolhidos, no dia 07/11, em Paris, que espera efetivo compromisso do Estado brasileiro para a promoção e proteção das expressões culturais dos Wajãpi e de outros povos indígenas do país.

Composição inédita que associa de vários padrões . Pode ser desenhada nas costas ou na perna de uma pessoa, com jenipapo. Esse tipo de criação individual nunca se repete, pois está em constante renovação.
Ao mesmo tempo, as lideranças Wajãpi, conforme relato de Dominique Gallois, vêem no reconhecimento da Unesco uma forma de reafirmar a beleza e a importância das pinturas corporais para os mais jovens, que muitas vezes preferem não usá-las para evitar comentários preconceituosos. "O sistema de grafismos kuziwar revela a capacidade criativa dos modos tradicionais de transmissão de conhecimentos, em que desenho e narrativa se complementam", define Dominique.

Além das expressões gráficas e orais dos índios Wajãpi, a Unesco selecionou como patrimônio imaterial da humanidade cinco obras primas de populações indígenas e afro-descendentes da América Latina e Caribe, seis manifestações culturais européias, onze da Ásia e do Pacífico, três árabes e três africanas.O júri internacional responsável pelas indicações - composto de 18 membros e presidido pelo escritor espanhol Juan Goytisolo - avaliou 56 candidaturas nacionais e plurinacionais. Esta foi a segunda Proclamação das Obras Primas do Patrimônio Oral e Intangível da Humanidade, que ocorre a cada dois anos e tem por objetivo estimular os países membros a identificar, reconhecer e proteger a diversidade e a continuidade dessas manifestações culturais. (clique aqui para ver a lista detalhada)

"O grande desafio que esse prêmio coloca aos mais diversos setores culturais, indigenistas e políticos do país é que ele não parabeniza os povos por guardar intocados ou "eternizar" elementos de sua cultura, mas, sim, pela sua capacidade de continuar percebendo o mundo à sua maneira, integrando objetos e reflexões novas, que são transmitidas de acordo com sua tradição", avalia Dominique.

Plano Integrado

Uma exigência do processo de avaliação da Unesco para as candidaturas de patrimônio imaterial da humanidade é que apresentassem um plano de valorização e formação cultural, relacionando os povos tradicionais e a sociedade envolvente. No caso dos Wajãpi foi proposto o Plano Integrado de Valorização dos Conhecimentos Tradicionais para o Desenvolvimento Socioambiental Sustentável da Comunidade Waiãpi do Amapá. A proposta é implementar campanhas de sensibilização e formação dirigidas a não-índios, além de promover formas de relacionamento e de intervenção adequadas à valorização de patrimônios culturais diferenciados e orientadas segundo o pensamento dos índios. Um segundo conjunto de medidas prevê ações nas aldeias Wajãpi, visando a mobilização para o fortalecimento interno das formas de transmissão oral.

A discussão nas aldeias de um plano de ações a ser proposto à Unesco, a exemplo do que foi feito para a elaboração do dossiê, foi orientada por pesquisadores do Núcleo de História Indígena e do Indigenismo da Universidade de São Paulo/NHII-USP, incluindo a antropóloga Dominique Gallois, e com a colaboração dos assessores do Programa Wajãpi desenvolvido pelo Instituto de Pesquisa e Formação em Educação Indígena (Iepé). O plano deverá ser colocado em prática através de um conselho de instituições assessoras e com o apoio do Museu do Índio.

A parceria recente entre os Wajãpi e o Museu do Índio teve início em 2001, quando começou a ser organizada a exposição Tempo e Espaço na Amazônia: os Wajãpi, realizada no ano passado, na sede da instituição, no Rio de Janeiro. Segundo Dominique, a experiência mostrou aos Wajãpi o enorme interesse da sociedade não-indígena por sua cultura. Isso motivou as lideranças a retomar uma discussão sobre o desinteresse dos jovens pelos conhecimentos orais e pelas formas variadas de transmissão desses saberes - entre elas, a arte gráfica e composição de padrões kusiwar. Também desencadeou um processo de aprendizado dos professores indígenas junto aos mais velhos e a busca de alternativas para a valorização desses conhecimentos nas escolas das aldeias, que vão da tecnologia audiovisual à construção de uma proposta curricular que leva em conta as categorias próprias de conhecimento dos Wajãpi.

Portanto, a proposta do Plano Integrado está ligada a um processo fundamental de valorização da cultura Waiãpi. A implementação desse projeto depende, no entanto, da vontade política de órgãos governamentais indigenistas, com destaque para as instituições do Estado do Amapá. Para revelar a importância do reconhecimento dado pela Unesco e para reivindicar apoio político, os Wajãpi escreveram uma carta, entregue em 10/11 ao ministro da Cultura, Gilberto Gil, e encaminhada à Fundação Nacional do Índio (Funai) e ao Governador do Estado do Amapá, Waldez Goes. Leia o documento na íntegra.

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