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Especialistas apontam importância da demarcação de Trombeta Mapuera

Carta Maior
Autor: SUZUKI, Natalia
02 de Mar de 2007

Especialistas apontam importância da demarcação de Trombeta Mapuera
Trombeta é a última grande TI a ser demarcada no Brasil. Seu reconhecimento garante sobrevivência e reprodução física-cultural de mais de dez etnias indígenas, além de grupos isolados.

Localizada na tríplice fronteira dos Estados do Amazonas, Pará e Roraima, a Trombeta Mapuera é a última grande terra indígena a ser demarcada pelo governo federal; sua área deve alcançar 3,9 milhões de hectares. A assinatura da homologação desta terra pelo presidente Lula está prevista ainda para este ano. Os trabalhos de campo para determinar os limites físicos da área começaram na última quinzena de fevereiro. Segundo a Fundação Nacional do Índio (Funai), todo o processo de demarcação deve ser concluído entre maio e junho.

Até então, não houve nenhuma contestação formal contra a demarcação de Trombeta Mapuera, exceto por parte da Procuradoria-Geral do Amazonas, que contestou os trabalhos de identificação. No entanto, a ação foi rejeitada pela Funai. O Ministério da Justiça reafirmou a decisão da Funai.

A inexistência de disputas pelas terras de Trombeta se explica, em parte, pelo fato de a área se localizar em uma região de difícil acesso, cujo relevo é bastante acidentado com corredeiras e cachoeiras. Por esse motivo, nem a ocupação e nem a agricultura se desenvolveram ali.

"É uma região remota e que está distante dos principais eixos de ocupação dos Estados. Essa é uma das razões pela qual essa demarcação ficou só para agora", lembra Márcio Santilli, coordenador da organização não-governamental Instituto Socioambiental (ISA). O ambientalista destaca a ausência de propriedades privadas, além de não ser preciso deslocar ocupações ilegais.

Por outro lado, sempre há vozes dissonantes a quaisquer demarcações. No caso de Trombeta Mapuera, a problemática seria exatamente o seu tamanho. A sua magnitude colocaria em dúvida a necessidade da população indígena ser contemplada com tamanho "latifúndio".

Segundo Francisco Loebens, coordenador regional do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) do Norte, a sociedade branca entende a terra de acordo com questões econômicas. "Os critérios usados para a demarcação de TIs contemplam a ocupação do território de forma distinta. Contemplam-se a questão simbólica da terra e as necessidades de sobrevivência dos povos", explica.

Trombeta Mapuera está entre duas outras terras indígenas: Waimiri Atroari e Nhamundá Mapuera. Juntas, as três formam um corredor ecológico e de proteção etnoambiental de 7,5 milhões de hectares. Rubens Caixeta, antropólogo da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e responsável pelo processo de identificação das terras de Trombeta, explica que há um complexo cultural estabelecido entre os povos dessas TIs. Essa relação de proximidade se dá, principalmente, por meio de casamentos. O antropólogo enfatiza que Trombeta é importante por garantir a existência dessa conexão, presente especialmente em comunidades isoladas, ou seja, aquelas que têm pouco ou nenhum contato com a sociedade branca.

Um segundo motivo que explica a extensão de Trombeta Mapuera é o modo de vida e a forma de sobrevivência dos índios que se dá por meio da caça e da pesca. Os povos isolados são um dos principais motivos para Trombeta ter o tamanho que tem, segundo o coordenador do ISA. "Esses grupos, muitas vezes, são nômades e adotam uma estratégia de ocupação territorial extensiva. Eles perambulam por grandes extensões de terras", explica Santilli.

"Trombeta é importante porque ela é um projeto de futuro para as outras gerações indígenas, pois garante a reprodução física e cultural e defende um pressuposto constitucional", diz Wagner Sena, coordenador técnico do Projeto de Proteção às Populações e Terras Indígenas da Amazônia Legal da Funai. Ele enfatiza também a importância das áreas indígenas como instrumento para preservação e conservação ambiental de recursos naturais.

Grupos conservadores afirmam que, com a homologação de Trombeta Mapuera, haverá um desequilíbrio em termos de distribuição fundiária no país: a população indígena passaria a ter quase 13% de todas as terras do território brasileiro. Essa proporção também se refletiria no próprio Estado de Roraima, onde 52% da sua área se tornariam terras indígenas.

"O governo nunca deu terras para índios. Demarcar áreas significa que a União reconhece o direito de uso exclusivo daquele território por parte de povos que ocupam o local desde tempos imemoriais", explica Sena.

"A maior parte da população não-indígena de Roraima vive em centros urbanos. A população indígena corresponde a praticamente metade da população rural, por isso não há nenhuma distorção nisso. Há um equilíbrio razoável entre a população rural indígena e não-indígena da região", explica Santilli.

De acordo com a Funai, o levantamento censitário da área de Trombeta não é preciso. Dados de 2000/2001 apontavam uma população de 2,9 mil indígenas, número que não contabilizava os povos isolados da região. Hixkaryana, Karafawyana, Katuena, Mawaiâna, Pianokotó, Sikiana, Tunayana, Waimiri Atroari, Waiwái, Xereu, Yaitiyana, Kaxuyana são algumas etnias que vivem em Trombeta. Sena afirma que um novo censo deve ser feito e a previsão é que a comunidade indígena tenha crescido nos últimos anos, pois muitos índios têm retornado a sua região original, devido ao reconhecimento de seus territórios.

Uma outra discussão que sempre permeou os processos de demarcação de TIs é a defesa das fronteiras nacionais. De acordo com a Funai, costuma-se alegar que o estabelecimento de terra indígena nos limites nacionais fragiliza as fronteiras, o que daria espaço para disputas e invasões fundiárias. Hoje, as maiores TIs estão na área de fronteiras.

"A fronteira se encontra especialmente protegida quando ela é demarcada, porque a TI é a titulação do território em nome da União", observa Sena ao destacar a presença do Estado por meio de suas instituições, como a própria Funai, ministérios e Polícia Federal. "Quando há demarcação, qualquer pretensão de ocupação ilegal deixa de existir", diz o coordenador técnico da Funai. Para Santilli, quando uma terra é demarcada, há uma redução de conflitos fundiários.

"Trombeta é a garantia que esses povos terão uma perspectiva de futuro para o modo de vida próprio que eles têm, além de fortalecer o movimento indígena", avalia o coordenador do Cimi. Segundo Loebens, na Amazônia, os povos indígenas ainda contam com a possibilidade de obter territórios que sejam do tamanho de suas necessidades, diferente de outros lugares do país, e "podem, assim, garantir minimamente a sua sobrevivência".

"Demarcar Trombeta seria o reconhecimento oficial do Estado brasileiro sobre todas as TIs mais relevantes da Amazônia Legal, o que significa, do ponto de vista dos índios, que o problema de acesso à terra vai sendo resolvido e emergem outras questões, como a gestão do território, políticas que atendam à demanda desses povos, como saúde, educação e fiscalização dessas áreas", avalia Santilli.

Carta Maior, 02/03/2007

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