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Energia na Amazônia

FSP, Opinião, p. A2
24 de Jul de 2006

Energia na Amazônia

Hidrelétricas nos rios Madeira e Xingu podem evitar "apagão'; licença ambiental não deve servir como fator paralisante

A Amazônia corre o risco de ver seus rios voltarem a ser objeto de uma controvérsia paralisante, como a que sacudiu a região na década de 1980.
Naquela época, a resistência de setores da sociedade civil no Brasil e no exterior -defensores do ambiente e dos direitos indígenas à frente- contribuiu para barrar alguns projetos mirabolantes de aproveitamento hidrelétrico, como um colar de usinas no rio Xingu que ameaçava o modo de vida das etnias da região. Agora, apesar da reformulação sofrida por alguns desses empreendimentos, a falta de transparência e de debate público pode reeditar um tipo de enfrentamento que não interessa nem à região nem ao país.
As duas hidrelétricas previstas para o Xingu nos anos 80 eram Cararaô e Babaquara, que juntas inundariam mais de 7.000 km2 para instalar uma potência de 14.665 megawatts. O plano megalomaníaco foi abandonado, e o primeiro empreendimento, reformulado e rebatizado como Belo Monte. Na nova versão, alagaria 440 km2, graças ao sistema de geração por fio d'água, para uma potência de 11.180 MW.
Belo Monte é peça fundamental no "Plano Decenal de Expansão de Energia Elétrica 2006-2015", que o Ministério de Minas e Energia publicou em maio, menos de sete semanas após consulta pública. Os 5.500 MW de capacidade instalada que deve alcançar em sua primeira fase, prevista para 2013, são cruciais para evitar déficit de energia caso a economia cresça a uma taxa de 4% ao ano na próxima década.
Outros dois empreendimentos imprescindíveis para evitar o pior são as usinas de Jirau e Santo Antônio, no rio Madeira. Somadas à primeira fase de Belo Monte, apenas essas três hidrelétricas da Amazônia totalizariam cerca de 12.000 MW, ou 10% da capacidade total instalada do Sistema Integrado Nacional projetada para 2015. Os empreendimentos do Madeira devem entrar nos leilões de energia neste ano, mas Belo Monte não tem data de licitação fixada.
As três usinas são classificadas no "Plano Decenal" como de impacto socioambiental entre "muito significativo" e "significativo". Com a memória traumática dos processos tecnocráticos de decisão herdados do período militar e uma alegada dificuldade de acesso a informações detalhadas sobre os três empreendimentos amazônicos, não chega a causar surpresa que entidades ambientalistas e comunitárias estejam em franca mobilização de resistência contra as usinas.
A rota de colisão está traçada. Na Esplanada dos Ministérios, o do Meio Ambiente será mais uma vez pressionado a licenciar os empreendimentos a toque de caixa, para afastar o fantasma de novos "apagões". Fora do governo, a opinião pública pode ser confrontada com a política do fato consumado e a velha opção pela falta de discussão.
O Brasil, ao que tudo indica, precisa dessa energia amazônica, mas necessita também de um presidente com pulso para evitar que, no seio de seu governo, se reedite a polarização estéril que já se prenuncia na sociedade.

FSP, 24/07/2006, Opinião, p. A2

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