VOLTAR

Dilma descarta nova usina nuclear ate 2010

FSP, Dinheiro, p. B3
Autor: ROUSSEFF, Dilma
03 de Abr de 2005

Dilma descarta nova usina nuclear até 2010
Para ministra, país tem alternativas mais baratas para gerar energia, como projetos hidrelétricos na região Norte

Humberto Medina
Da sucursal de Brasilia

A retomada da construção da usina nuclear de Angra 3 não deverá acontecer. Pelo menos, não antes de 2010. Essa é a avaliação da ministra de Minas e Energia, Dilma Rousseff, 54.
Segundo a ministra, o Brasil tem outras alternativas mais baratas, e a prioridade é a construção da hidrelétrica de Belo Monte, no rio Xingu (PA) e, depois, hidrelétricas no rio Madeira (RO). "Não é hora de fazer Angra 3, porque você tem outras alternativas renováveis mais baratas", disse, em entrevista à Folha. A decisão é do presidente da República, que também ouvirá as opiniões dos ministérios da Ciência e Tecnologia e do Meio Ambiente.
A ministra informou também que o governo não irá usar o IPCA como índice para corrigir o preço da energia nos contratos entre geradoras e distribuidoras no caso das novas usinas, que ainda serão licitadas e construídas. O governo irá optar por um índice mais ligado ao custo do financiamento da construção dessas usinas.

Folha - Como está a situação de abastecimento de energia no Sul?

Dilma Rousseff - O Sul está sob controle. Deu uma melhorada no nível dos reservatórios, porque a carga da Semana Santa é baixa e também porque entrou energia das usinas termelétricas de Uruguaiana e de Garabi. Foi um teste.

Folha - Como foi o teste dessas termelétricas?

Rousseff - Está dando bem abaixo do que deveria dar. Está dando 220 MW para Uruguaiana, quando deveria estar dando aproximadamente 500 MW, e está dando 250 MW para Garabi, quando deveria estar dando 1.600 MW.

Folha - É falta de gás?

Rousseff - No caso de Uruguaiana, a informação que se tem é que é essa a disponibilidade de gás. Se eles estão usando gás para outra coisa, vão pagar por isso. No caso de Garabi, eles têm contrato com outras termelétricas, têm contratos na Argentina. Se eles não entregarem, serão chamados a explicar por que no teste deu menos. Teoricamente, tem que ter o gás, porque o contrato é firme.

Folha - Qual a alternativa?

Rousseff - Eles vão ter que pagar uma boa multa, comprar gás e disponibilizar a energia, caso seja mandado eles despacharem [gerarem energia] normalmente. Vão ter que comprar energia e entregar no Brasil, sob pena de inadimplência. Eles serão punidos.

Folha - Até quando o Sudeste poderá continuar mandando energia para o Sul? Há risco de racionamento por causa do problema com as termelétricas?

Rousseff - O nível dos reservatórios está bastante alto nas regiões Sudeste, Nordeste e Norte. Os reservatórios do Sul enchem logo. Quando chega o período úmido no Sul, lá para maio e junho, você já está transferindo energia para o Sudeste. O fluxo se inverte, sobra energia no Sul. Nós fizemos simulações e, em todas as séries históricas, nós afastamos o perigo do racionamento.

Folha - Como estão as perspectivas de leilão de novas usinas? Como o ministério enfrenta o impasse no licenciamento ambiental?

Rousseff - Nós conseguimos estabelecer uma relação muito produtiva com o pessoal do Meio Ambiente. Nós recebemos 45 projetos que estavam em fase diferenciada de problemas ambientais. Do total de 13.038 MW, 76% [9.905 MW] estão resolvidos. Além dessas, nós temos uma lista de 17 usinas, que serão licitadas neste mesmo momento.

Folha - E qual momento é esse?

Rousseff - No início do segundo semestre, mas primeiro eu preciso fazer o leilão da energia existente, para ver se vai faltar alguma coisa. Há energia existente suficiente para 2008, talvez falte algo para 2009, mas precisamos saber o resultado efetivo do leilão. Para 2010, é só energia nova.

Folha - O indexador dos contratos entre geradoras e distribuidoras vai ser o IPCA?

Rousseff - O contrato de geração está definido como o IPCA para a energia existente. No caso da energia nova, nós vamos ter que ver como é que ficam indexados os contratos de financiamento. Nós vamos abrir essa discussão. A única coisa que nós vamos querer é que haja um casamento entre o índice do custo de capital e o [custo de geração] da própria usina.

Folha - Com excesso de oferta, a senhora acha que o preço da energia vai efetivamente baixar, ou os aumentos é que serão menores?

Rousseff - Em geral, significa tarifa menor do que a que seria. Porque o que nós desmontamos era o que estava entrando de reajuste. Você teria um aumento tarifário calculado pelo governo anterior em, no mínimo, mais de 130% do que está hoje.

Folha - Isso significa, então, que haverá algum aumento tarifário, mas não nessa proporção...

Rousseff - Sim, você vai ter sempre algum aumento tarifário, porque você tem que repassar uma série de custos, inclusive o custo da energia nova, mas nunca da magnitude que estava.

Folha - Com esse cenário de excesso de oferta, como fica a construção da usina nuclear de Angra 3? Já há decisão do governo?

Rousseff - Estamos marcando para a metade de abril uma reunião do CNPE [Conselho Nacional de Política Energética]. O CNPE se reuniu no passado e definiu três aspectos para a gente avaliar a condição de Angra. Um aspecto energético, um estratégico e um ambiental. Ao Ministério de Minas e Energia foi atribuído o aspecto energético, em termos do custo econômico. Ao Ministério de Ciência e Tecnologia foi dada a responsabilidade pela avaliação tecnológica e estratégica, ao Ministério de Meio Ambiente, a característica ambiental.

Folha - E qual é a posição do ministério de Minas e Energia?

Rousseff - Você tem um leque de alternativas tecnológicas quando se trata de energia: tem hidrelétricas, tem termelétricas a gás, a carvão e a óleo e tem a nuclear. Do ponto de vista da variável econômica, não é hora de fazer Angra 3, porque você tem outras alternativas renováveis mais baratas. Nós achamos, de uma forma bem objetiva, que ainda estamos com várias hipóteses hidrelétricas que precedem uma usina nuclear.

Folha - São as hidrelétricas do rio Madeira?

Rousseff - Madeira, Belo Monte, na sua nova fase, com 5.500 MW em duas fases.

Folha - Na parte que diz respeito ao Ministério de Minas e Energia, então, o diagnóstico está dado...

Rousseff - Está dado. Ela deveria ser postergada.

Folha - Para quando?

Rousseff - Nós achamos que para depois de 2010.

FSP, 03/04/2005, Dinheiro, p. B3

As notícias aqui publicadas são pesquisadas diariamente em diferentes fontes e transcritas tal qual apresentadas em seu canal de origem. O Instituto Socioambiental não se responsabiliza pelas opiniões ou erros publicados nestes textos. Caso você encontre alguma inconsistência nas notícias, por favor, entre em contato diretamente com a fonte.