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Desafios para Mumbai

FSP, Tendências/Debates, p. A3
Autor: GRAJEW, Oded
05 de Jan de 2004

Desafios para Mumbai

Oded Grajew

Como fazer para que se eliminem os paraísos fiscais? Para que a fome acabe? Para que as guerras sejam evitadas?
Em fevereiro de 2000, a mídia, como já fazia havia alguns anos, cobria intensamente o Fórum Econômico Mundial, em Davos. Parecia que a globalização só tinha um único caminho a percorrer, conduzida pelas mãos do mercado. Dizia-se que todos os problemas sociais e ambientais seriam solucionados com a livre circulação de produtos, serviços e capitais. Aqueles que protestavam não tinham propostas alternativas. Estavam contra o progresso e a modernidade. Criar o Fórum Social Mundial, um espaço de encontro da sociedade civil, a ser realizado na mesma data do Fórum Econômico Mundial, tinha para mim três grandes finalidades:
mostrar que podemos e devemos escolher o mundo que queremos, entre uma sociedade onde o social esteja a serviço do econômico ou o econômico a serviço do social, entre sermos cidadãos ou só produtores e consumidores, entre construir apenas mercados ou formar comunidades, escolher a competição ou a solidariedade, decidir entre valores apenas monetários ou acima de tudo humanos;
ter um espaço para protestar, refletir, analisar, mas principalmente para apresentar propostas e dar visibilidade a práticas que priorizam o desenvolvimento humano;
oferecer um espaço de encontro para que pessoas e entidades que têm uma visão de mundo parecida possam se articular a fim de promover principalmente ações concretas.
O rápido sucesso do Fórum Social Mundial, aliado a vários fracassos dos que seguiram o receituário do Fórum Econômico Mundial, e as guerras e o terrorismo se espalhando pelo mundo (faces da mesma moeda) tornam o cenário atual bem diferente daquele do início de 2000. Aquela idéia dominante do Consenso de Washington, de que "chegou o fim da história", foi desacreditada. Sabemos hoje que um outro mundo é desejável, é possível e é urgentemente necessário. Um mundo de paz, de justiça social e de desenvolvimento sustentável.
Em 2004, de 16 a 21 de janeiro, o Fórum Social Mundial se realizará em Mumbai, na Índia, para em 2005 voltar a Porto Alegre. Sair do Brasil e voltar a Porto Alegre a cada dois anos foi uma decisão sábia e corajosa (ajuda a mundializar o fórum, engajando no seu processo pessoas e organizações que de outra maneira teriam dificuldades de participar, sem perder a sua identidade com Porto Alegre).
Às vésperas desse encontro, penso estarmos diante de um novo e urgente desafio: apontar caminhos, traçar estratégias e principalmente empreender ações que nos levem a esse novo mundo possível. Como fazer para que se eliminem os paraísos fiscais? Para que se instaure a taxa Tobin? Para implementar orçamentos participativos em todos os níveis? Para que a fome acabe? Para que as guerras sejam evitadas? Para que os países pobres e em desenvolvimento sejam aliviados de suas dívidas e possam eliminar a pobreza? Para que as mulheres tenham os seus direitos respeitados? Para que haja uma ampla redistribuição de renda, de riquezas e de poder? Para evitar o desastre ambiental que ameaça a vida no planeta?
Não podemos esquecer que a Carta de Princípios do Fórum Social Mundial delimita o campo de ação ao condenar acertadamente a violência e o autoritarismo como métodos de ação política. Ao termos clareza desse desafio, algumas polêmicas, como a relação do fórum com os partidos políticos, acabam perdendo sentido. A ação política não é um fim em si mesmo, mas um meio de atingir um determinado objetivo.
O secretário-geral da ONU instalou recentemente um processo para reformar a organização até setembro de 2004. Quais são as ações que a sociedade civil deve empreender para que essa reforma conduza a uma ONU democrática, capaz de evitar as guerras e de promover o desenvolvimento humano em todo o mundo? Devemos, para cada objetivo, traçar um caminho que nos leve a alcançar aquela meta. Detectar qual é o espaço, quais são as pessoas e organizações que decidem cada assunto (tentando até mesmo se fazer representar nesse espaço), quais são as maneiras de influenciar os tomadores de decisão, elaborar propostas, promover campanhas mobilizando eleitores e consumidores para exercer pressões, eventualmente traçar estratégias para criar novos espaços e novas estruturas de decisão, usar criativamente a comunicação.
O Fórum Social Mundial não é uma organização de representação nem de direção. Todas as ações são empreendidas por grupos de pessoas e de entidades que, livre e independentemente, assim decidem. Ele foi criado para estimular um processo. Porém o seu sucesso e a sua continuidade dependerão fundamentalmente do resultado concreto que esse processo provocará na vida das pessoas.
O crescimento do fórum aumenta a sua responsabilidade. Esse espaço da sociedade civil não pode ser visto apenas como um lugar de protestos, análises, diagnósticos e debates. Esses são muito importantes e necessários, mas absolutamente insuficientes diante da expectativa crescente por resultados concretos. O sucesso do Fórum Social Mundial dependerá, cada vez mais, de sua capacidade de mudar o mundo.

Oded Grajew, 59, empresário, idealizador do Fórum Social Mundial, é diretor-presidente do Instituto Ethos de Empresas e Responsabilidade Social. Foi assessor especial do presidente da República (2003).

FSP, 05/01/2004, Tendências/Debates, p. A3

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