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Consentimento é relativo, diz geneticista

FSP, Ciência, p. A11
Autor: ANGELO, Claudio
04 de Out de 2004

Consentimento é relativo, diz geneticista
Para Francisco Salzano, da UFRGS, não é possível esclarecer completamente objetivo de pesquisa a população tribal

Cláudio Ângelo
Editor de Ciência

A exigência de consentimento informado para a pesquisa genética em populações tribais é uma questão "relativa". A opinião é do gaúcho Francisco Mauro Salzano, 76, um dos gigantes da genética brasileira e um dos maiores especialistas do mundo na análise de DNA dos índios americanos.
Salzano, professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, esteve em São Paulo na última quinta-feira para receber o Prêmio Moinho Santista. Em entrevista à Folha, afirmou que a genética humana, assim como os transgênicos e a pesquisa com células-tronco embrionárias, tem sido "demonizada" por organizações não-governamentais, e que nenhuma autorização dada a cientistas por grupos indígenas para que seu sangue seja coletado será completamente informada.
O consentimento informado é considerado a condição ética "sine qua non" para pesquisas com seres humanos. Trata-se de um termo em que o cientista se obriga a deixar completamente claros para seus sujeitos de pesquisa os objetivos do estudo e as potenciais conseqüências dele.
Para Salzano, o princípio não pode ser aplicado com rigor a grupos como os ianomâmis, por exemplo. "Como você vai ter um consentimento esclarecido com um grupo que nunca teve contato com a ciência?" -questiona. Mesmo assim, a pesquisa deve ser feita. "Tem de ter uma certa flexibilidade em relação ao que se vai fazer. Se não é prejudicial, se até beneficia, como usar o material para diagnóstico médico para eles, se o conhecimento que a gente obtiver for importante para a humanidade em geral, por que isso é antiético? Pelo contrário, seria antiético recusar fornecer material que seja de interesse geral da humanidade", afirma o cientista.
Salzano passou boa parte de sua vida acadêmica entre os índios em diversos locais da Amazônia, do sul do Brasil e do Paraguai, coletando amostras de sangue para estudos de genética populacional. Os trabalhos de seu grupo têm contribuído para o entendimento da ocupação do continente.
Ele reclama que os estudos em populações indígenas no Brasil estão "interrompidos" devido às desconfianças em relação aos geneticistas por parte das organizações não-governamentais que assessoram os índios.
"Qualquer estudo que envolva DNA não pode ser resolvido por comissão institucional. Se eu quero estudar um grupo indígena, peço para a comissão de ética da UFRGS e mando um projeto, ela não pode decidir, tem de mandar para a Conep [Comissão Nacional de Ética em Pesquisa]", diz.
Salzano foi orientando do geneticista americano James Neel (morto em 2000), acusado pelo jornalista americano Patrick Tierney no livro "Trevas no Eldorado" de ter matado milhares de ianomâmis na Venezuela usando uma vacina contra sarampo -acusação, segundo o cientista, brasileiro, sem nenhum fundamento médico ou biológico.
"Houve muito exagero em relação a qualquer tipo de estudo", afirmou. Segundo o gaúcho, tal exagero vem de duas partes: primeiro, das ONGs e de seu medo da ciência. Depois, de indústrias biotecnológicas, que acham que vão conseguir lucros patenteando seqüências de DNA extraídas de grupos indígenas -como no caso das amostras de sangue recolhidas dos ianomâmis em 1967 e hoje estocadas nos EUA. "Algumas seqüências foram patenteadas. O que isso vai resolver para as companhias é uma incógnita."

FSP, 04/10/2004, Ciência, p. A11

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