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Cidades planejam novo circuito das águas

FSP, Cotidiano, p. C6
21 de Nov de 2003

Cidades planejam novo circuito das águas
Quatro municípios da Grande São Paulo querem se tornar estâncias hidrominerais para aproveitar suas fontes minerais

Mariana Viveiros
Da reportagem local

A situação de Itapecerica da Serra (Grande SP) é, no mínimo, irônica. Há quase um mês, seus 130 mil moradores ficam um dia e meio sem água a cada dia e meio com fornecimento. Já no sítio Aldeinha, cerca de 60 funcionários tomam banho, lavam o chão e carros com a água mineral que, literalmente, brota do solo.
Enquanto represas e torneiras estão secas, o município tem 66% de seu território alvo de pedidos de pesquisa ou já de investigação e até exploração de recursos minerais, sobretudo água.
Água mineral que poderá ser, para os prefeitos de Itapecerica da Serra, São Lourenço da Serra, Embu-Guaçu (também com rodízio) e Juquitiba, a solução para as constantes crises de abastecimento ou ao menos saída para a independência econômica em relação às verbas estaduais e federais.
Parte dessas cidades fica em áreas de proteção de mananciais, o que impõe restrições legais para a agricultura e a implantação de indústrias e de pontos comerciais. Em tese, portanto, os mecanismos de crescimento econômico tradicionais estão fora de questão.

As saídas
Por causa disso, é possível recorrer a duas alternativas: a produção de água mineral para o consumo e a transformação da região em estância hidromineral.
A primeira atividade implicaria mais empregos e maior arrecadação de impostos. A segunda impulsionaria o turismo e serviços e traria verba do Fundo de Melhoria das Estâncias, que destina parte do Orçamento estadual a obras de infra-estrutura em cidades consideradas estâncias turísticas, litorâneas e hidrominerais, diz o prefeito de São Lourenço da Serra, capitão Lener Ribeiro (PSDB).
Potencial para tanto existe.
Estudo do Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT) identificou nas cidades ao menos 50 fontes de água. "As condições hidrogeológicas são favoráveis à ocorrência de água mineral de qualidade e em quantidade em basicamente todo o território das cidades", diz o geólogo Oswaldo Obata, coordenador da pesquisa pelo IPT.
A procura por autorizações para investigar e explorar lavras de água mineral reforça o que o prefeito Ribeiro diz ser a "vocação" econômica da área. Dos 130 processos de direito minerário (pedidos para pesquisa, perfuração e aproveitamento de fontes minerais) ligados às quatro cidades em trâmite no DNPM (Departamento Nacional de Produção Mineral), 66 dizem respeito a água.
"Se um terço das solicitações for atendido, já será muito bom para nós", diz Ribeiro. Existem seis fontes produzindo água mineral na região e mais duas têm autorização, mas estão sendo instaladas.
Para Obata, do IPT, a classificação da água e a identificação das áreas mais favoráveis para a exploração reduz o risco do investimento, estimula novos empreendimentos, adverte as prefeituras para a necessidade de proteger nascentes e permite que as atividades sejam inseridas no plano diretor de cada cidade, que pode planejar seu desenvolvimento.
Isso não significa um caminho fácil. Para ser estância hidromineral, a cidade precisa ter uma fonte de água e um balneário de uso público, o que nenhuma das quatro tem e que exige licenciamento.
Sobre a exploração para consumo, é preciso agilizar a autorização das lavras, dada pelo DNPM, que leva em conta desde a qualidade da água a ser explorada até a viabilidade econômica da atividade e se ela vai respeitar a capacidade de recarga do aquífero subterrâneo, de forma a não esgotá-lo.
Há um efeito colateral benéfico: proteger as regiões de mananciais das invasões: quem explora a fonte deve preservar ao menos um raio de 50 hectares no entorno.

Associação vê área saturada

Da reportagem local

O contador aposentado Saverio Antonio Signorelli, 77, está animado com a idéia de um novo circuito das águas em São Paulo.
Um dos pioneiros em exploração hidromineral na região e sócio da fonte Aldeinha, ele diz que poderia duplicar a produção, de cerca de 200 milhões de litros/dia, porque hoje não consegue envasar toda a água que brota.
Para ele, as cidades oferecem possibilidades ao turismo hidromineral e podem cativar consumidores. "A qualidade da água que se bebe em São Paulo só piora, acho que as pessoas vão optar mais e mais pela água mineral."
Mas a oferta cresceu muito mais que a demanda nos últimos anos, o que leva o presidente da Abinam (Associação Brasileira das Indústrias de Águas Minerais), Carlos Alberto Lancia, a dizer que não há lucro no curto prazo. "Se não acreditam em mim, invistam e após dois anos me procurem."
Segundo ele, o crescimento foi de 11%, de 2001 a 2002, e de 9%, de 2002 a 2003. Mas ele não nega que as quatro cidades têm futuro. "Planejar e investir a longo prazo pode ser uma boa." (MV)

FSP, 21/11/2003, Cotidiano, p. C6

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