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Ameaçadas de extinção, 4.000 araucárias estão sendo derrubadas por obra no PR

FSP, Ambiente, p. B1
10 de Set de 2020

Ameaçadas de extinção, 4.000 araucárias estão sendo derrubadas por obra no PR
Implantação de torres de energia vai desmatar área equivalente a 220 campos de futebol; empresa possui licença para derrubada

Katna Baran
CURITIBA

Uma área equivalente a mais de 220 campos de futebol de vegetação nativa, incluindo 4.000 araucárias, árvore símbolo do Paraná e ameaçada de extinção, está sendo derrubada para a passagem de novas torres de transmissão de energia elétrica pelo estado.

O projeto prevê 1.000 km de linhas cortando 24 municípios e ainda passa pela Escarpa Devoniana, formação protegida do território paranaense.

A obra, em fase inicial, é conduzida pela Engie, multinacional francesa que venceu o leilão de 2017 da Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica) para reforçar o sistema energético do país. Segundo a empresa, o projeto, intitulado Gralha Azul (ave símbolo do Paraná e uma das espécies dispersoras do pinhão), vai movimentar R$ 2 bilhões e gerar 4.000 empregos diretos.

Porém entidades de proteção ambiental apontam supostas irregularidades nas licenças.

O Ibama chegou a suspender a derrubada depois que o Ministério Público do Paraná pediu esclarecimentos ao órgão, mas o projeto já foi retomado.

A denúncia aos promotores foi feita pelo Observatório Justiça e Conservação (OJC), que aponta falta de transparência no processo de concessão e incoerências nos levantamentos apresentados pela Engie, de acordo com análise feita pela Universidade Federal do Paraná.
Para os especialistas, os pedidos da empresa junto aos órgãos responsáveis pelas autorizações, principalmente o IAT (Instituto Água e Terra), desconsideram vários impactos. Eles teriam sido feitos "para cumprir tabela", na visão de Eduardo Vedor, doutor em geografia e um dos que firmam o estudo.

A Engie nega as acusações e destaca que tem todas as licenças para continuar trabalhando. O projeto deve ser finalizado em cerca de um ano.

O traçado das linhas é um dos principais questionamentos dos ambientalistas. A empresa teria evitado passar por terrenos privados, o que demandaria indenização aos proprietários.

O projeto atinge a área em que o engenheiro florestal Leandro Schepiura pratica o reflorestamento, em Campo Largo, região metropolitana de Curitiba. Em maio, ele gravou em vídeo sua indignação pela derrubada de araucárias centenárias, carregadas de pinhões.

"Ver a derrubada de uma espécie altamente ameaçada é impactante, dá o sentido contrário, de que o que resta é continuar depredando e derrubando tudo."
No Paraná, resta menos de 0,8% de área contígua e bem conservada de araucárias, associadas ao bioma mata atlântica. A área ocupada pela espécie cobria originalmente 200 mil km². O estado abriga o Parque Nacional dos Campos Gerais, maior floresta de araucárias protegida no mundo.

Outra área impactada é a do turismo. O estudo da UFPR aponta que o cenário paisagístico da região pode ficar comprometido.

Os ambientalistas afirmam ainda que, pela extensão de vegetação a ser derrubada, o Ibama deveria ter sido consultado, o que não teria ocorrido.

Em nota, o IAT afirmou que, como a obra não ultrapassa os limites do Paraná, o licenciamento ambiental compete ao órgão e que os estudos necessários foram apresentados pela empresa e tiveram a anuência do instituto.

O Ibama não respondeu aos contatos da Folha até a conclusão desta reportagem.

Para os ambientalistas, houve ainda negligência na análise de impactos em outras esferas, como a do patrimônio arqueológico e das comunidades tradicionais, indígenas e quilombolas, do local.

O Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional) não deu detalhes sobre planos de preservação, mas afirmou que os sítios arqueológicos sob impacto direto estão sendo resgatados e os atingidos indiretamente estão sendo cadastrados, sinalizados e protegidos.

Quanto às comunidades locais, a Fundação Palmares disse que o processo de licenciamento das torres atendeu aos trâmites legais e aos critérios do órgão e que os planos de mitigação foram "colaborativamente elaborados pelas comunidades" quilombolas.

Para o diretor-executivo do OJC, Giem Guimarães, falta ainda maior debate do projeto com a sociedade.

"Batizar esse projeto de Gralha Azul é uma afronta ao povo do Paraná. Esse obscurantismo dos governos é o verdadeiro 'passando a boiada'", disse, citando a frase do ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles.

O MP afirmou que ainda está tentando esclarecer os pontos questionados junto à empresa, mas não exclui a hipótese de uma ação. Para o promotor Alexandre Gaio, o próprio edital da Aneel não atentou para as particularidades da área atingida. "Parece que prevaleceu uma agenda econômica."

Procurada pela Folha, a agência informou que respondeu aos questionamentos do MP, mas não disponibilizou o conteúdo da informação.

A Engie afirmou que o corte de árvores foi autorizado pelo órgão competente e informou que 7% da área atingida é composta por araucárias, o que equivale a cerca de 15 campos de futebol.

A multinacional disse ter se empenhado para reduzir o impacto ambiental por meio de técnicas de engenharia e afirmou ter buscado desviar áreas de preservação no traçado. Também afirmou que todas as licenças foram obtidas de acordo com as leis.

A Engie afirmou ainda que todos os impactos gerarão compensações ambientais e que apresentou ao IAT propostas para cada área, ainda aguardando validação.

Marcio Neves, diretor de implantação do projeto Gralha Azul, destacou à Folha o valor investido na obra -em parte financiada pelo BNDES- e os empregos gerados, além do reforço na energia da região, que vai favorecer indústrias e o agronegócio.

"Detratores de projetos ou antagonistas de qualquer tipo utilizam como primeira alegação a falta de transparência, uma acusação muito vazia. Não conheço processo tão democrático, transparente e até exigente como o processo de licenciamento de infraestrutura no Brasil", finalizou Gil Maranhão, diretor do grupo Engie.

FSP, 10/09/2020, Ambiente, p. B1

https://www1.folha.uol.com.br/ambiente/2020/09/ameacadas-de-extincao-40…

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