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Agronegócio contamina rios da Amazônia

FSP, Ciência, p. A39-A40
05 de Jun de 2005

Agronegócio contamina rios da Amazônia
Pesquisa da Embrapa indica poluição por agrotóxicos e desvio de cursos d'água em regiões de fronteira agrícola

Silvio Navarro

A expansão acelerada do agronegócio nos últimos anos já compromete os rios e bacias subterrâneas da chamada Amazônia Oriental, que agrega os Estados do Pará, Maranhão, Amapá, Tocantins e de Mato Grosso.
O avanço da fronteira agrícola, basicamente das lavouras de soja, arroz, milho e algodão, está matando os igarapés da Amazônia devido ao uso excessivo de agrotóxicos, borrifados para proteger plantações de grãos e alavancar a produção. Igarapé é um termo popular no norte do país para se referir a um riacho que nasce na mata e deságua num rio.
O tema preocupa o Ministério do Meio Ambiente e é objeto de um estudo em curso da Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária). Os resultados preliminares da pesquisa sinalizam que o quadro de contaminação das águas tende a se agravar na mesma proporção com que a soja -lavoura que salvou a pauta de exportações brasileira no último ano- prospera na região.
"À medida que a densidade populacional for aumentando, os problemas virão, os mesmos que afetam o Tietê", afirma o pesquisador da Embrapa Ricardo Figueiredo, em alusão ao rio paulista, morto no trecho que atravessa a capital. Figueiredo é responsável pelo projeto "Agrobacias Amazônicas", que tem como objetivo traçar o perfil da hidrologia e o respectivo percentual da contaminação por agrotóxicos.
Quantificação
O projeto é realizado em parceria com outros especialistas, da Universidade Federal do Pará, da USP (Universidade de São Paulo) e das Universidades da Georgia (EUA) e de Bonn (Alemanha). A previsão é que esteja concluído no final do ano que vem.
Ainda não há um número consolidado de quantos rios já estão poluídos, mas, segundo os pesquisadores, o estrago causado pela interferência humana em riachos é geralmente irreversível.
Os primeiros estudos de caso foram feitos em 24 pontos de igarapés nas agrobacias dos municípios paraenses de Paragominas (326 km de Belém) -onde o cultivo de grãos cresceu cerca de 40% nos primeiros meses deste ano em relação ao ano passado- e em 28 pontos de Igarapé-Açu (110 km da capital). Em ambos, os resultados são alarmantes.
Às margens da rodovia BR-153 (Belém-Brasília), Paragominas, conforme definição da Embrapa, é um exemplo emblemático da chamada "idade dos grãos", que sucede os ciclos de exploração madeireira e de pecuária na porção oriental da Amazônia. O município é cortado por rios importantes, como o Uraim e o Coraci, ambos afluentes do rio Gurupi, que separa o Pará do Maranhão.
Uma das bandeiras da Secretaria Especial de Produção do Pará é que o Estado "concentra cerca de 3% do total de água doce do mundo" e 30 milhões de hectares de terras disponíveis para o plantio. Muitos produtores paraenses, no entanto, não têm títulos de posse das áreas -muitas vezes terras públicas griladas.
Os dados da Embrapa apontam que os igarapés locais não têm mais potencial de pesca e apresentam sinais de contaminação, constatados por meio do baixo pH e da baixa concentração de oxigênio da água. A diminuição de oxigênio também decorre da construção de minirrepresas e desvios no cursos dos rios, feitos por fazendeiros para abastecer suas lavouras e pastagens.
Acidez
O potencial hidrogeniônico, conhecido como pH, é a fórmula utilizada para determinar se a água está ácida ou alcalina. A escala varia de 0 a 14. O sete representa a neutralidade. No caso dos riachos citados, o pH estava em torno de 6, ou seja, ácido.
Numa das amostragens, os pesquisadores analisaram a qualidade das águas em três agrobacias de Paragominas, com cobertura florestal de 18%, 34% e 45%, respectivamente, e compararam os resultados entre si e aos de uma bacia situada a 80 km do município, cuja mata nativa está intacta. A conclusão é que o nível de poluição dos riachos aumenta drasticamente conforme a quantidade de plantações de grãos.
No caso da análise em Igarapé-Açu, foi constatado que os agricultores utilizam os agrotóxicos em escala maior do que recomenda o Ministério da Agricultura. Segundo o estudo, 46% dos produtores fazem uma aplicação semanal de produtos químicos. Outros 29%, duas aplicações por semana. Apenas 11% deles seguem a orientação do governo de utilização quinzenal dos produtos, em doses controladas. O percentual restante usa menos ainda.
"Na bacia hidrográfica os agrotóxicos são utilizados com elevada freqüência, sem preocupação com a integridade dos recursos hídricos", diz o estudo sobre as águas de Igarapé-Açu, que lista quatro produtos químicos, entre fungicidas, pesticidas e fertilizantes: dimetoato, deltametrina, difenoconazole e mancozeb.
Segundo o Ministério do Meio Ambiente, não existe licença ambiental específica para plantação de grãos. O Ibama monitora apenas o desmatamento das florestas que, nos municípios citados, por exemplo, ocorreu há uma década.
Fiscalização precária
A fiscalização das lavouras cabe à Secretaria de Agricultura do Estado. No caso do uso das águas -interdição do curso do rio e represamento-, a competência é da ANA (Agência Nacional de Águas) para os rios federais. A própria Secretaria Nacional de Recursos Hídricos, entretanto, admite que a fiscalização é precária na Amazônia.
João Bosco Senra, secretário nacional de Recursos Hídricos, diz que a solução para conciliar o avanço do agronegócio aos danos ambientais é a implementação de instrumentos de fiscalização na região. "Há licenciamento da agroindústria por parte da ANA quando é um rio federal, é um instrumento novo, de 1997, mas na região do Amazônia não está bem implementado."
Apesar da ressalva de "que não se pode generalizar os empreendimentos", o secretário afirma que é preciso um mecanismo mais rigoroso para a autorização de uso da água dos rios.

Para João Bosco Senra, da Secretaria Nacional de Recursos Hídricos, água na região pode estar sob risco em 10 anos
Secretário diz temer escassez qualitativa
"A região da Amazônia corre risco a médio prazo se não houver um processo de gestão. Uma década, às vezes menos, depende dos empreendimentos."
A previsão sobre a tendência de contaminação dos rios e bacias da porção oriental da Amazônia é do secretário nacional de Recursos Hídricos, órgão subordinado ao Ministério do Meio Ambiente, João Bosco Senra. Segundo ele, o volume de produtos químicos e dejetos depositados nas águas deve aumentar nos próximos anos, acompanhando o crescimento populacional da região Norte.
Como os riachos e igarapés deságuam nos grandes rios, a contaminação virá na esteira, num processo que ele denomina de "escassez qualitativa" das águas.
"Haverá água em quantidade, mas, devido aos contaminantes, ela ficará indisponível. A pessoa terá a água, mas não poderá bebê-la", afirma. "Todo processo de desenvolvimento gera impacto ambiental e as águas são o primeiro elemento a sofrer. O agronegócio nos preocupa. Efetivamente traz problemas tanto de contaminação [dos rios] quanto o que pode promover no solo."
A ampliação dos mecanismos de controle é um dos principais pontos do Plano Nacional de Acesso aos Recursos Hídricos, que deverá estar concluído até o final do ano pelo MMA.
Uma pesquisa apresentada em outubro do ano passado no Congresso Brasileiro de Águas Subterrâneas apontou potencial de contaminação por agrotóxicos em águas profundas.
O estudo foi feito por um grupo da Universidade Federal de Mato Grosso e da Embrapa em poços tubulares (artesianos) da cidade de Primavera do Leste (239 km de Cuiabá), área onde há expansão da cultura de algodão.
As amostras foram coletadas na saída da bomba de cada poço. "A ocorrência de pesticidas em águas de poços tubulares com profundidade de 12 a 70 metros mostra a vulnerabilidade das águas subterrâneas, sendo que poderão atingir concentrações mais elevadas caso continuem a ser usados intensivamente", conclui a pesquisa.
O volume de exportação do algodão brasileiro saltou nos últimos anos. Segundo dados do Ministério da Agricultura, em 2000, o volume exportado era de 28 milhões de toneladas, vendidos por cerca de US$ 32 milhões. No ano passado, as vendas externas totalizaram 331 milhões de toneladas, que movimentaram US$ 406 milhões. (SN)

Outro lado
Cultivo de grãos avança longe dos rios, diz produtor
Para o presidente da Faepa (Federação da Agricultura do Estado do Pará), Carlos Fernandes Xavier, não há registro de contaminação dos rios e igarapés no Estado porque o agronegócio cresce em áreas altas, distantes das águas analisadas. "Há reservas, não temos acesso aos igarapés e a plantação de grãos é feita nas chapadas. A parte baixa é usada para pastagem, então não temos essa situação na nossa região."
Xavier admitiu o abuso de químicos nas plantações, mas disse crer que eles não sejam capazes de prejudicar as águas devido à ampla proteção florestal. "É certo que para ser competitivo nesse mundo globalizado tem de usar, de qualquer maneira, fertilizantes, e eles geram poluição. Mas em nosso caso ainda não chegou a contaminar rios e igarapés."
Ele classifica o município de Paragominas, objeto de estudo da Embrapa, como "pólo dos grãos", devido à facilidade para escoar a produção através da rodovia BR-153 (Belém-Brasília).
"O Pará foi eleito ponto de expansão de fronteira agrícola. Hoje há municípios, como é o caso de Paragominas, onde a agricultura de grãos e o reflorestamento vêm substituindo áreas de pecuária", afirmou Xavier.
O Pará deve colher 22,2 milhões de toneladas de grãos neste ano. Em 2004, o Estado exportou 8,6 milhões de toneladas de soja.
O secretário-adjunto de Agricultura do Pará, Daniel Nunes Lopes, afirmou que a aprovação da lei que definirá o macrozoneamento econômico-ecológico do Pará "foi a providência que o governo tomou para identificar as áreas vocacionadas para agricultura, evitando agressão ao ambiente".
O secretário disse haver uma ressalva no caso de Paragominas que, afirma, possui o solo "muito ácido por natureza". (SN)

FSP, 05/06/2005, Ciência, p. A39-A40

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