FSP, Cotidiano, p. C3-C4
18 de Jun de 2006
Abrolhos perde turistas e é ameaçado por camarões
Cooperativa obteve autorização para criar crustáceo em região de manguezais
Ibama, ONGs e Ministério Público Federal são contra projeto de empresa; empreendimento é apoiado pela prefeitura loca
AFRA BALAZINA
ENVIADA ESPECIAL A CARAVELAS (BA)
Abrolhos, paraíso ecológico na Bahia que vem perdendo turistas ano a ano, pode ter seu banco de corais, o maior do Brasil, destruído por um projeto de criação de camarão.
O receio de ambientalistas e do Ibama é que o empreendimento destrua manguezais, onde os peixes se reproduzem, e, conseqüentemente, cause danos aos corais da região. Entidades como o Instituto Baleia Jubarte e a Conservação Internacional uniram-se na coalizão SOS Abrolhos para evitar a instalação de tanques de camarão.
Além de prejudicar o ambiente, eles temem que o empreendimento, que pode contaminar a água e o mangue, deixe marisqueiros e pescadores sem trabalho. E dizem que, se as belezas naturais acabarem, o turismo cairá ainda mais.
A autorização inicial para a criação de camarão em Caravelas, cidade que é a principal porta de entrada para Abrolhos, foi dada pelo governo estadual à cooperativa Coopex, autora do projeto. A licença é contestada na Justiça pelo Ministério Público Federal. A atividade, conhecida como carcinicultura, tem o apoio da Prefeitura de Caravelas.
A administração municipal justifica que a cultura trará emprego e renda para sua população carente. Muitos moradores vivem da pesca e o maior empregador é a própria prefeitura.
Não se vê, porém, grandes investimentos na área em que Caravelas e Abrolhos têm o maior potencial: o ecoturismo. O parque nacional, que já teve 14 mil visitantes por ano, atualmente recebe, em média, 8.000. O município já chegou a ter 17 mil turistas por ano; para 2006, espera receber 5.000.
Caravelas tem pouca infra-estrutura. O aeroporto está desativado, e existem só dois restaurantes com cardápio farto.
O prédio amarelo da igreja de Santo Antônio, no meio da praça principal, está com vidros quebrados e pintura deteriorada, mas não perdeu a beleza.
Melhorias
O chefe do Parque Nacional Marinho de Abrolhos, Marcello Lourenço, 32, que é contra a instalação da carcinicultura, diz que em agosto será feita uma concessão dos serviços do parque. O objetivo é aumentar a visitação e melhorar a qualidade do atendimento.
"Hoje, fazemos apenas o credenciamento das empresas que operam em Abrolhos [levam turistas para visitar a ilha e fazer mergulho]. Faremos uma licitação e haverá uma série de normas a seguir."
Segundo o secretário do Turismo e do Meio Ambiente, Deny César Moreira, 37, as empresas não têm investido nos últimos anos por culpa da lentidão do Ibama em concluir a concessão -eles não sabem se, após a realização da concorrência, continuarão a ter trabalho.
A prefeitura diz ter projetos de parceria para a revitalização de cerca de 300 fachadas de casas do centro histórico e de melhorias para a rua do porto.
O QUE DIZEM
PREFEITURA
Cultura do camarão trará emprego e renda para a população carente
ONGs e IBAMA
Projeto pode destruir manguezais e, com isso, causar danos aos corais
Portaria do Ibama restringe atividades em Abrolhos
Ações que causem impacto ambiental, como a carcinicultura, dependerão de aval
Instituto pretende criar uma reserva extrativista em Caravelas, o que permite o trabalho dos marisqueiros e evita a exploração do local
DA ENVIADA ESPECIAL A CARAVELAS (BA)
O governo federal criou no final de maio uma zona de amortecimento de Abrolhos -uma área que envolve o parque com o intuito de protegê-lo. A portaria do Ibama prevê restrições a atividades que possam causar impacto ambiental, como a exploração de petróleo e gás natural. Desta maneira, a carcinicultura também dependerá de um aval do instituto.
Baseada nessa portaria e no fato de que o projeto de criação de camarão em cativeiro será em zona costeira, área do patrimônio nacional, a procuradora da República Fernanda Oliveira pediu numa ação civil pública a suspensão da autorização inicial concedida ao empreendimento. Também requisitou que o licenciamento seja feito pelo Ibama e não mais pelo governo estadual. Além dessa permissão, o empreendedor precisa de mais duas autorizações para começar a funcionar.
Na opinião da procuradora, tanto o setor produtivo quanto o Estado estão exagerando no incentivo à carcinicultura. Até janeiro, 35 licenças foram concedidas na Bahia e outras 39 aguardavam autorização.
A Procuradoria já ajuizou seis ações civis públicas na Bahia em razão de danos ambientais causados pela atividade em mangue. Em cinco delas conseguiu liminar favorável. Segundo a Bahia Pesca, a exportação de camarão do Estado passou de 4,5 toneladas, em 1997, para 5.536 toneladas, em 2003.
Resex
A cooperativa pode ter dificuldades na implementação da carcinicultura em Caravelas no que depender do Ibama. O instituto está mais interessado em criar uma resex (reserva extrativista) no local. Ela permite o trabalho dos marisqueiros e evita a exploração por pessoas que não moram na área. "Com a criação da resex, o empreendimento fica inviabilizado", diz Valmir Ortega, diretor de ecossistemas do Ibama.
Para o chefe-de-gabinete de Caravelas, Paulo Costa, 35, a resex engessará o "desenvolvimento econômico" da região. Jaques Barreto, presidente do Rotary Club, concorda com Costa. Já a carcinicultura, acredita, irá trazer o tão desejado progresso a Caravelas.
Vida do mangue
Em pleno feriado de Corpus Christi, às 8h30, a marisqueira Ana Lúcia dos Santos, 35, buscava alimento num dos mangues próximos a Caravelas, na companhia da filha Denilza, 12, que não teve aula naquele dia. Usava fios com tripa de galinha na ponta e uma pequena rede para pegar os animais.
Bertolino Angélico, 43, e sua família também dependem do rio e do mangue para viver. Ele pega mariscos e pesca robalo, entre outros peixes, no local.
A associação de marisqueiros é composta por cerca de 300 pessoas. O município tem 20 mil habitantes. (AFRA BALAZINA)
outro lado
Cooperativa nega riscos ao ambiente
A Coopex, que planeja a instalação dos tanques de criação de camarão em Caravelas, nega que haverá danos ambientais ao município e ao arquipélago de Abrolhos.
Segundo o presidente da cooperativa, José Augusto Correia Gonçalves, no início da carcinicultura no país ocorreram problemas. Porém, diz ele, agora a tecnologia está mais avançada e novas técnicas evitam os problemas ambientais. "Com racionalidade e com ciência podemos fazer as duas coisas: ter desenvolvimento e preservar o ambiente."
Ele também diz que Abrolhos não será afetada, pois fica distante 70 km do local determinado para o empreendimento. O banco de corais, entretanto, começa a cerca de 15 km da costa.
"Vamos insistir no projeto porque não queremos frustrar essa população carente." Ele afirma que o empreendimento irá gerar 1.500 empregos em quatro anos -em abril, disse para a Folha que seriam 3.000 empregos diretos e indiretos. A cooperativa tem 26 integrantes.
saiba mais
Nome veio de alerta dado aos navegantes
"Abram os Olhos." O alerta que navegantes portugueses recebiam pelo perigo de percorrer a área, relatado por historiadores, deu origem ao nome do arquipélago de Abrolhos.
Composto por cinco ilhas -Santa Bárbara, Redonda, Siriba, Sueste e Guarita- dispostas em círculo, o arquipélago se formou a partir de atividades vulcânicas há 50 milhões de anos. Em Santa Bárbara, existe uma base da Marinha que fica permanentemente ocupada. É a única ilha que não faz parte do parque nacional marinho de Abrolhos, criado em 1983.
Os turistas têm permissão do Ibama para conhecer apenas a ilha Siriba. No centro de visitantes do parque, em Caravelas (no continente), há uma réplica de uma baleia jubarte em tamanho natural, com 15 m de comprimento.
A cidade é a principal porta de entrada para o arquipélago. Construções coloniais têm fachadas em azulejos de Macau que datam do século 19, período do auge da economia da cidade por conta do café e do intenso comércio.
FSP, 18/06/2006, Cotidiano, p. C3-C4
As notícias aqui publicadas são pesquisadas diariamente em diferentes fontes e transcritas tal qual apresentadas em seu canal de origem. O Instituto Socioambiental não se responsabiliza pelas opiniões ou erros publicados nestes textos. Caso você encontre alguma inconsistência nas notícias, por favor, entre em contato diretamente com a fonte.