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Xingu olímpico

FSP, Esporte, p. B8
23 de Jul de 2017

Xingu olímpico

ADRIANO MANEO
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA, EM GAÚCHA DO NORTE (MT)

A rotina de um lutador de huka-huka é intensa. Acorda de madrugada, às 2h, e fica sentado num banco, olhando o fogo pra criar agilidade na visão. Duas horas depois, quando a temperatura está mais baixa, se banha no rio, com a água gelando o corpo.
É só por volta das 7h que o treino começa, com ele descalço para endurecer o pé no chão ainda frio do sereno.
Sua dieta também é toda especial. Come peixe lavado, cozinhado várias vezes pra tirar a gordura, biju e mingau.
Por todo o Alto Xingu, a porção sul do PIX (Parque Indígena do Xingu), no nordeste do Mato Grosso, a huka-huka é a mais nobre prática esportiva e uma das principais atividades das etnias que ali habitam.
Esse histórico de formação de lutadores é um dos gatilhos para o desenvolvimento de um projeto que começou a ganhar corpo nos últimos dois meses e que tenta levar indígenas a competições internacionais. A meta final é ter um índio nos Jogos Olímpicos de 2024.
Idealizada por um campeão de huka-huka, o cacique Kanato Yawlapiti, 39, da aldeia Pallushayupiti, e por Ione de Carvalho, antropóloga e assessora especial do Ministério da Cultura, a ideia é transformar lutadores locais em atletas de luta olímpica (dividida nos estilos luta livre e greco-romana), modalidade presente desde a primeira edição dos Jogos da Era Moderna, em Atenas 1896.
Além da luta olímpica, eles também serão treinados no tiro com arco e na canoagem.
"Já tem dois anos que eu venho pensando em um jeito de colocar nossos meninos em competições internacionais. Hoje você vê todas as etnias: japonês, chinês, americano, francês, menos nossos indígenas. A ideia é colocar eles lá para trazer visibilidade para a gente e representar o nosso país", diz Kanato à Folha.
O projeto iniciou no Ministério da Cultura e foi depois ligado ao Ministério do Esporte e à Funai (Fundação Nacional do Índio). O Ministério da Defesa é o responsável por fazer o transporte aéreo e fluvial dos equipamentos cedidos pelas confederações.
O principal motivo de levar os treinamentos para dentro do território indígena é driblar os problemas de adaptação à vida longe da aldeia, uma das maiores dificuldades em desenvolver talentos esportivos indígenas de alto rendimento.
"Às vezes, a gente leva menino para fazer peneira [de futebol], eles passam, vão bem, mas depois não têm como ficar", afirma Pablo Kamaiurá, que costuma organizar eventos esportivos na região.
"A força os povos indígenas já possuem, eles precisam de treinamento de técnicas e vestimenta obrigatórias", afirma Pedro Gama Filho, presidente da CBW (Confederação Brasileira de Wrestling).
Há uma outra questão que deverá ser acompanhada caso os indígenas comecem a atingir resultados que os levem a competições oficiais.
Na huka-huka, por exemplo, a formação de um lutador não passa somente pelo treinamento intenso e pela dieta regrada. É parte primordial também o consumo de ervas, cipós, raízes e até o sangue e a gordura da sucuri.
"Tem vários tipos de remédios", explica o cacique Kanato Yawalapiti, 39. "Uns são mais fracos, mas se você for passando aquilo a cada mês, em um ou dois anos você fica forte. E tem remédio que você só passa uma vez, pois é mais forte", completa.
Enviado do Ministério do Esporte para a excursão ao PIX, José Ivan de Aquino, 64, diz que a possibilidade de o uso dessas substâncias configurar doping em competições não é uma preocupação do projeto neste momento.
Ele afirma que, com o avanço do projeto, consultará a ABCD (Associação Brasileira de Controle de Dopagem).
"Se alguma estiver listada na Wada ou for potencialmente estimuladora a ponto de afetar a performance do esporte, vamos alertá-los", diz Aquino.

FSP, 23/07/2017, Esporte, p. B8

http://www1.folha.uol.com.br/esporte/2017/07/1903540-projeto-no-xingu-q…

http://www1.folha.uol.com.br/esporte/2017/07/1903684-futebol-e-tecnolog…

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