VOLTAR

Vale cria condomínio de luxo em reserva ambiental

FSP, Brasil, p. A10
20 de Fev de 2005

Vale cria condomínio de luxo em reserva ambiental

O condomínio de Alphaville na Grande São Paulo perde feio para Parauapebas quando se olha para além da portaria que isola a reserva ambiental da Floresta Nacional de Carajás do restante da cidade. Só transpõem a barreira trabalhadores da Companhia Vale do Rio Doce e os portadores de um passaporte com prazo de validade de um dia, nominal, expedido por um vereador da Câmara.
A proteção mantém distante dos olhos do restante da cidade um pequeno paraíso cercado de floresta por todos os lados, onde as casas não têm muros, as crianças podem andar (e andam) sozinhas de bicicleta pelas ruas, sem medo da violência. Para garantir a diversão, um zoológico particular exibe veados mateiros soltos, onças, sucuris, vários quelônios tropicais, orquidário, imensas gaiolas para aves da Amazônia.
A vida no núcleo, um bairro planejado pela Companhia Vale do Rio Doce para abrigar seus funcionários, é puro contraste com a que se leva antes da porteira. A única escola particular da cidade está lá. Para atender aos 4.000 moradores do lugar, quatro agências bancárias perfilam-se na avenida principal. Os 100 mil habitantes do outro lado do portão têm de se haver com três agências.
Caminhonetes rodam por ruas ajardinadas, todas com nomes indígenas -trocarós, karajás, sororó, juné. Engenheiros e técnicos da Vale são os principais candidatos a morar no núcleo, onde se chega depois de passar pela placa "Welcome to Carajás", lembrança de que os maiores clientes do minério que sai da montanha são estrangeiros.

Vida curta
Do outro lado da porteira, no cemitério municipal de Parauapebas, o administrador Juvenal de Lima Freire, 51, reclama do trabalho. "Esse cemitério tem menos de cinco anos e já enterramos aqui 1.750 corpos, a maioria de morte matada, gente jovem."
Na semana passada, prevendo que à morte do ex-presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Parauapebas se seguisse uma onda de outros mortos, Lima Freire ordenou que se mantivessem sempre oito covas abertas. "O chão aqui é duro, não dá para fazer o buraco na hora."
Quatro funerárias disputam a clientela. Todos os proprietários já foram a São Paulo, a Belo Horizonte ou a Belém fazer cursos de especialização em seu ofício.
O mais requisitado é o técnico de reparação facial, "para melhorar a aparência de quem morre de tiro, que aqui é dado sempre na cabeça, para não ter chance de sobrevivência", explica Jesus Luiz da Silva, da Funerária Bom Jesus.
Outro é o de praxitanatologia, que o dono da Bom Jesus explica ser técnica para assegurar a conservação do corpo. "Esse serviço é muito requisitado porque metade dos mortos daqui são enterrados em seus lugares de origem."
O principal concorrente da Bom Jesus, Clóvis Sousa Gomes, dono da Araguapax, não acredita que as providências que estão sendo adotadas para conter a violência afetem o negócio: "Está todo mundo amoitado. É só os soldados irem embora -e eles vão assim que baixar a poeira- que todo mundo tira as armas de volta e as mortes continuam. Aqui, mata-se em vez de conversar."

Militante admite ocorrência de venda de lotes

Os militantes sem-terra admitem que Parauapebas tornou-se um foco de falcatruas envolvendo a reforma agrária.
Na audiência com o ouvidor agrário nacional, Gercino José da Silva Filho, na última quinta, o dirigente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Parauapebas, Israel Fonseca de Sousa, pediu "cadeia para os sem-terra que, depois de instalados no lote, pegam o fomento, as matrizes de gado, vendem a terra e vão embora".
A venda de terras em que foi feita a reforma agrária é proibida, mas tornou-se quase regra no município. Isso ajuda a explicar por que, com 35 assentamentos, a cidade importa verduras até de São Paulo.
"A raiz dos nossos problemas é a corrupção", diz Antonio José de Sousa Neto, assessor do prefeito eleito de Parauapebas, Darci Lermen (PT). Ele explica o esquema: "O sujeito funda uma associação e sai em busca dos mais pobres. Oferece um lote de terra numa fazenda que nem improdutiva é e recolhe o dinheiro, coisa de R$ 100. Se nada acontecer, ele já ganhou com a taxa. Se o Incra fizer o assentamento, vira uma mina de ouro [devido aos recursos de apoio à reforma agrária]".
Calcula-se que haja 12 mil pessoas esperando assentamento na cidade-o Incra não tem como assentar nem 50.
Uma comissão concluiu que as grandes fazendas são produtivas. A saída é desapropriar as que já foram desapropriadas, mas voltaram a ser latifúndio após terem sido revendidas.

Ação de hackers e prostituição marcam cidade

Parauapebas ganhou fama no ano passado como a "cidade dos hackers", estelionatários tecnológicos que, com programas de computador e ligados na internet, conseguiram descobrir as senhas e zerar saldos bancários de gente de todo o país. Na época, dizia-se que os hackers de Parauapebas seriam responsáveis pelo desvio de R$ 100 milhões.
A cidade dividida entre pobres que mal sabem ler e uma elite sofisticada de engenheiros e técnicos a serviço da Vale do Rio Doce tem certeza: foi um ex-funcionário da empresa que inventou o programa invasor das contas bancárias e o espalhou, vendendo o software.
"Hoje, não tem uma família de Parauapebas que não esteja envolvida com o negócio dos hackers", diz Antonio José de Sousa Neto. Aquelas que não tinham um hacker em seu seio, pelo menos compraram os serviços de um deles, para obter abatimento no total de uma fatura, por exemplo."
Com direito a bem menos destaque, a cidade é foco de violência contra mulheres. Segundo a prefeitura, a cada cinco casos de agressão, três são contra mulheres. A prostituição infantil ainda é escancarada, espalhando-se pelo bares da avenida principal, por praças e postos de gasolina. À Folha, um caminhoneiro repetiu o mote conhecido na região: "Deu 20 quilos, tá no ponto".
Há faixas espalhadas por toda a cidade lembrando que a exploração sexual de crianças e adolescentes é crime, mas o ele caminhoneiro não se intimida: "Eu e todo mundo sabemos que um chefão daqui está com uma menina de 14 anos. Por que ele pode e eu não?", pergunta caminhoneiro.

FSP, 20/02/2005, Brasil, p.A10

As notícias aqui publicadas são pesquisadas diariamente em diferentes fontes e transcritas tal qual apresentadas em seu canal de origem. O Instituto Socioambiental não se responsabiliza pelas opiniões ou erros publicados nestes textos. Caso você encontre alguma inconsistência nas notícias, por favor, entre em contato diretamente com a fonte.