VOLTAR

Simulação indica savanização da Amazônia

FSP, Ciência, p. A18
Autor: LEITE, Marcelo
19 de Nov de 2003

Simulação indica savanização da Amazônia
Modelo em supercomputador do Inpe mostra equilíbrio alternativo de vegetação, com mais cerrado e Nordeste mais seco

Marcelo Leite
Editor de Ciência

O cenário é de um futuro muito seco: num intervalo de 40 anos, boa parte da floresta amazônica se transforma em cerrado e surge um semideserto no miolo da caatinga. Perece boa parte da biodiversidade equatorial brasileira, e a escassez de água se agrava ainda mais no sertão nordestino. Palavra de supercomputador.
O estudo foi realizado no Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) e aceito para publicação na revista "Geophysical Research Letters" (www.agu.org/grl).Na essência, é uma simulação digital como as de jogos de computador SimCity e SimWorld, só que muito, muito mais complexa.
No caso, décadas de mudanças acontecem em semanas de cálculo com bilhões de dados. Mesmo que não passe de realidade virtual, porém, os formuladores de políticas para a Amazônia deveriam prestar atenção ao trabalho.
Pela primeira vez nesse gênero de pesquisa, foram encontrados estados de equilíbrio (configurações estáveis de clima e vegetação) para a América do Sul, o que outras simulações só conseguiam obter para a África. E logo dois estados de equilíbrio: um que se assemelha ao quadro de vegetação atual, o que dá uma amostra da confiabilidade dos modelos usados, e outro bem mais seco.
Como a Amazônia já perdeu 13% da cobertura original de floresta e a pressão só tende a piorar, há motivo para preocupação.
O desmatamento se concentra num arco no sul e no leste da Amazônia, que coincide em parte com a área vulnerável à savanização (substituição da floresta por cerrado) indicada no estudo. Além disso, um de seus efeitos e da exploração da madeira é ressecar a floresta, o que a torna ainda mais vulnerável ao fogo.
O temor é que a manutenção dessa tendência de desmatamento possa fazer com que as regiões Norte e Nordeste do Brasil escorreguem de um equilíbrio a outro.
A base do estudo virtual realizado pelo engenheiro Marcos Daisuke Oyama, 32, são modelos de computador para estudar as interações dinâmicas entre clima e vegetação. Ele trabalha no IAE (Instituto de Aeronáutica e Espaço), em São José dos Campos (SP), mas desenvolveu os modelos da simulação para seu doutorado no Inpe, sob orientação do climatologista Carlos Nobre.

Seis meses de computador
Foram gastos seis meses no supercomputador SX-3 (hoje desativado) do Inpe para rodar as simulações, em 2000 e 2001. Oyama dividiu o globo terrestre inteiro em células de 200 km, uma resolução espacial maior do que a tradicional nessas simulações (500 km), para as quais são computadas inúmeras variáveis, como precipitação, temperatura etc.
A vegetação (dita "potencial") na mesma célula é definida como função desses parâmetros, sem levar em conta fatores importantes na natureza, como o tipo de solo. Mesmo assim, diz Oyama, a concordância estatística entre a vegetação global indicada pelo modelo no equilíbrio mais úmido e a existente hoje é de 0,58 numa escala de 0 a 1, uma faixa classificada como "boa".
Os dois estados de equilíbrio resultaram de pontos de partida diversos. Na primeira simulação, batizada "FOR", partiu-se de uma Terra coberta de florestas e, 40 anos de computador depois, chegou-se a uma Amazônia e um Nordeste semelhantes aos de hoje. Na outra, "DES", tudo era deserto, com exceção das áreas cobertas de gelo -e alcançou-se o segundo equilíbrio, mais árido.
Uma das hipóteses aventadas no artigo para explicar o processo de savanização na parte oriental da Amazônia, num eixo noroeste-sudeste mais ou menos paralelo à costa norte e nordeste, é que o desmatamento desligue uma espécie de correia de transmissão que leva chuvas do litoral para o interior. Hoje se especula que um elo importante dessa correia seja a evapotranspiração na floresta amazônica, ou seja, a reciclagem da água precipitada das nuvens pelas plantas, que devolvem a umidade para a atmosfera.
Oyama diz que a hipótese carece de mais pesquisas para ser demonstrada, mas seu artigo deixa o aviso: "Se o desenvolvimento sustentável e as políticas de conservação não forem capazes de deter a crescente degradação ambiental nessas áreas, as mudanças no uso da terra poderiam, por si sós, empurrar o sistema clima-vegetação para esse novo estado alternativo de equilíbrio, mais seco".

FSP,19/11/2003, Ciência, p. A18

As notícias aqui publicadas são pesquisadas diariamente em diferentes fontes e transcritas tal qual apresentadas em seu canal de origem. O Instituto Socioambiental não se responsabiliza pelas opiniões ou erros publicados nestes textos. Caso você encontre alguma inconsistência nas notícias, por favor, entre em contato diretamente com a fonte.