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Sertanista e assassinado com 2 tiros em Porto Velho

FSP, Brasil, p.A6
11 de Out de 2004

Apoena Meireles foi abordado dentro de caixa eletrônico
Sertanista é assassinado com 2 tiros em Porto Velho
José Eduardo Rondon
Da agência Folha
O sertanista e ex-presidente da Funai (Fundação Nacional do Índio) José Apoena Soares de Meireles, 55, foi morto a tiros na noite de anteontem quando saía de uma agência bancária na região central de Porto Velho (RO).
Apoena estava acompanhado da funcionária da Funai Cleonice Alves Mansur e recebeu dois tiros durante uma tentativa de assalto em um caixa eletrônico de uma agência do Banco do Brasil.
"Até o momento, trabalhamos com a hipótese de latrocínio [roubo seguido de morte]", disse o superintendente da Polícia Federal em Rondônia, Joaquim Cláudio Figueiredo Mesquita.
Em depoimento à polícia, Cleonice Alves Mansur informou que um homem, aparentando entre 19 e 22 anos, rendeu o casal dentro do caixa eletrônico. Ainda segundo a depoente, Apoena se negou a entregar o dinheiro, deu um passo em direção ao assaltante e levou um tiro. Mesmo ferido, o sertanista conseguiu sair do banco e foi alvejado mais uma vez pelo assaltante, que, segundo a polícia, fugiu em uma bicicleta azul.
Para o diretor-geral da Polícia Civil em Rondônia, Carlos Eduardo Ferreira, é "pouco provável" que a morte do ex-presidente da Funai tenha sido encomendada. "Pelas evidências encontradas e pelo testemunho da colega dele, é muito provável que o crime tenha sido um latrocínio." Gravações do sistema de segurança da agência bancária poderão ser requisitadas pela polícia para possível identificação do criminoso.
Até o fechamento desta edição, não havia ocorrido nenhuma prisão relacionada ao caso.
Apoena, que foi presidente da Funai em 1985 e 1986, havia se aposentado. Em 2003 voltou a trabalhar no órgão coordenando o centro de documentação da entidade e acompanhando as questões indígenas do Nordeste.
Após a morte de 29 garimpeiros da reserva Roosevelt, em Espigão d'Oeste (RO), em 7 de abril, por índios cintas-largas, o sertanista foi designado para acompanhar a situação entre os índios das aldeias de Rondônia. No final dos anos 60, Apoena foi um dos primeiros brancos a ter contato com os cintas-largas.
O sertanista estava em Rondônia havia 10 dias, para contatos com os cintas-largas sobre o decreto assinado pelo governo federal que determina o fechamento de garimpos em reservas indígenas, e estava hospedado em um hotel no centro de Porto Velho.
Como sertanista, era a favor da integração dos índios, que deviam ser preparados para enfrentar nova realidade. "Querer isolar o índio é muito bonito, mas é pura ilusão tentarmos garantir-lhes a sobrevivência nestes termos", declarou certa vez.
O velório será hoje, a partir das 9h, na Funai em Brasília, e deve contar com cerimônia de índios xavantes e cintas-largas. O enterro, no Rio, será no Cemitério do Caju. Apoena deixa três filhos.
Apoena presidiu Funai nos anos 80
Da redação
A relação de Apoena Meireles com os índios existe desde a infância -filho do sertanista já morto Francisco Meireles, Apoena nasceu em uma aldeia xavante e, aos oito anos, participou com seu pai de uma expedição pacificadora entre os índios caiapós. Seu nome é uma homenagem a um líder indígena xavante.
Apoena começou seu trabalho na Funai (Fundação Nacional do Índio) na década de 60 e, com o passar dos anos, foram muitos os desentendimentos com o órgão. O sertanista chegou a pedir demissão mais de uma vez.
Em 1972, foi suspenso em razão de denúncias que fizera sobre constantes invasões de terras dos cintas-largas -o primeiro "homem branco" a ter contato com esses índios foi Apoena, que chefiava sua primeira expedição.
Voltou à ativa em 1973, para substituir o sertanista Cláudio Villas Boas. Em 1985, assumiu a presidência da Funai e a deixou no ano seguinte. Foi, antes, diretor do Parque Nacional do Xingu.

Crime pode ter sido encomendado, diz Funai
Da sucursal de Brasília
O presidente da Funai (Fundação Nacional do Índio), Mércio Pereira Gomes, não descartou a possibilidade de o assassinato do sertanista Apoena Meireles ter sido encomendado por pessoas descontentes com as restrições impostas ao garimpo na região da reserva Roosevelt, em Rondônia.
"A principal suspeita é o latrocínio [assalto seguido de morte], em razão das circunstâncias. Mas temos de aguardar as investigações. Não descarto nenhuma hipótese", afirmou Gomes.
"Ele era um dos maiores sertanistas em atividade. Tinha uma relação muito boa com os índios da região, os cintas-largas", disse.
Apoena já havia se aposentado na Funai, mas voltou em 2003 a pedido de Gomes para coordenar o centro de documentação da entidade e ficar responsável pelo acompanhamento de questões envolvendo a região Nordeste.
Desde a morte dos garimpeiros na reserva Roosevelt, Apoena era o responsável pelo contato com os índios. Coordenava força-tarefa para tentar resolver o conflito entre índios e garimpeiros.
Segundo Gomes, Apoena não recebeu ameaças, mas seu trabalho despertava insatisfação de alguns setores. A proibição do garimpo desagradou a empresários e a políticos da região.Informados do assassinato ontem, o ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, e o diretor da Polícia Federal, Paulo Lacerda, disseram que acompanhariam as investigações, segundo Gomes.
Procurado pela Folha, o Ministério da Justiça disse que deveria se pronunciar hoje sobre o caso.
Presidente da Coica (Coordenadoria das Organizações Indígenas da Bacia Amazônica), o índio brasileiro Sebastião Haji Manchineri, 34, lamentou a morte de Apoena e afirmou que as autoridades sempre buscam desvincular esse tipo de crime de atos premeditados.
"As autoridades brasileiras sempre justificam isso como assalto, vingança ou briga. Tentam sempre logo desvincular de atos premeditados. Infelizmente, não sabemos em quem acreditar. A impunidade é muito grande."

FSP, 11/10/2004, p. A6

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