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Se nada for feito, a atmosfera ainda pode esquentar desastrosos 3oC

FSP, Saúde, p. B8
Autor: LEITE, Marcelo
02 de Fev de 2020

Se nada for feito, a atmosfera ainda pode esquentar desastrosos 3oC
Para cientistas, entretanto, apesar do aumento da temperatura global iminente, há pessimismo demais

Marcelo Leite

Jornalistas que escrevem sobre clima são com frequência acusados de alarmismo. Eles seriam propensos a dar atenção demais para os cenários catastróficos que o planeta enfrentaria até o fim deste século -faltam só 80 anos- caso nada fosse feito para conter o aquecimento global.

Há alguma verdade aí, afirmaram Zeke Hausfather e Glen Peters na quinta-feira (30) em comentário para a revista científica Nature. Como nenhum dos dois é negacionista da crise do clima, bem o contrário, convém ponderar o que têm a dizer -e adiantar que sua mensagem não chega a ser tranquilizadora.

Hausfather já apareceu aqui em dezembro, como autor de estudo mostrando os acertos de modelos de computador empregados para predizer a evolução do clima da Terra. Sua nova investida tem algo a ver com isso.

O ponto de partida para as simulações é a quantidade de carbono emitido na atmosfera, como o gás carbônico (CO2) resultante da queima de combustíveis fósseis (carvão mineral, derivados de petróleo e gás natural). Para rodar os modelos, pesquisadores precisam traçar projeções sobre a trajetória das emissões nas próximas décadas.

No mais das vezes, os relatos sobre previsões do IPCC (sigla em inglês para Painel Intergovernamental sobre Mudança do Clima, ligado à ONU) enfatizam a comparação entre 2 dos 4 cenários desenvolvidos para seu relatório de avaliação de 2014 (AR5). Um mais otimista, conhecido entre especialistas como RCP2.6, e outro mais pessimista, RCP8.5.

O primeiro supõe que governos e empresas adotarão medidas para descarbonizar a economia capazes de limitar o aquecimento adicional bem abaixo de 2oC, como estabelecido no Acordo de Paris (2015). Vale dizer, o tanto de poluição climática que é preciso evitar para agregar menos de 1oC ao que a atmosfera já se esquentou desde a Revolução Industrial.

O cenário RCP8.5, em geral tomado como "business as usual" (mais do mesmo) supõe que nenhuma dessas providências seria tomada, com aumento contínuo de emissões de carbono e a temperatura média mundial galgando cataclísmicos 5oC. O galho, segundo Hausfather e Peters: tal cenário está pessimista demais.

Nele se projeta, por exemplo, que a queima de carvão mineral se multiplicaria por 5 até o ano 2100. Isso pode ser considerado altamente improvável, tendo em vista que o consumo desse combustível fóssil já atingiu um patamar; pode haver flutuações, conforme varia a conjuntura econômica, mas não o crescimento exponencial embutido no RCP8.5.

Os autores do comentário na Nature defendem que, no próximo relatório do IPCC (AR6), cenários extremos como o RCP8.5 sejam qualificados de maneira mais clara como improváveis. A ideia é prevenir que venham a ser apresentados para o público como "business as usual", coisa que já não são.

O ideal, propõem, é comparar o que tomadores de decisão precisam adotar para cumprir Paris com o risco de não fazer isso. Mesmo com trajetória modificada pela queda contínua da queima de carvão e dos custos de fontes limpas de energia, como eólica e solar, a temperatura média global ainda ultrapassaria 3oC, impondo impactos enormes para a população e a economia.

Trata-se de aferir o velocímetro, não de retirar radares de velocidade máxima na estrada que beira o precipício.

Marcelo Leite
Jornalista especializado em ciência e ambiente, autor de "Ciência - Use com Cuidado".

FSP, 02/02/2020, Saúde, p. B8

https://www1.folha.uol.com.br/colunas/marceloleite/2020/02/se-nada-for-…

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