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Quem vai pagar a conta de Angra 3?

FSP, Tendências/Debates, p. A3
Autor: SANTOS, Beatriz Carvalho G.
17 de Mar de 2008

Quem vai pagar a conta de Angra 3?

Beatriz Carvalho G. Santos

Em recente artigo publicado nesta Folha ("Uma folga para são Pedro", "Tendências/Debates", 13/2/08), Ronaldo Fabrício, da Associação Brasileira para o Desenvolvimento de Atividades Nucleares, defendeu a construção da usina nuclear Angra 3. Para justificar a opção atômica, listou argumentos sobre a suposta viabilidade econômica do empreendimento, em detrimento de alternativas como a energia eólica.
Construir uma usina nuclear no Brasil só será possível por meio de um verdadeiro saque aos cofres públicos. Se for instalada, Angra 3 vai gerar pouca energia -apenas 1.350 MW- e diversos problemas sem solução, como lixo radioativo e risco permanente de acidentes.
E, apesar do marketing para posicionar a geração atômica como resposta ao aquecimento global, sabe-se que o ciclo de vida da energia nuclear, incluindo a fabricação do combustível a partir do urânio, consome energia e gera emissões indiretas de gases estufa. Tais emissões indiretas podem, em alguns casos, equiparar-se à poluição de termelétricas fósseis.
Orçamentos estourados e problemas de cronograma são típicos da indústria nuclear, que registra uma média mundial de quatro anos de atraso na conclusão das obras. O caso de Angra 2 é emblemático: fruto do tratado Brasil-Alemanha firmado em 1975, a usina custou mais de R$ 20 bilhões e entrou em operação apenas em 2000. A construção de Olkiluoto 3, na Fin lândia, está 18 meses atrasada em relação ao cronograma original e acumula perdas de quase US$ 1 bilhão.
O cronograma oficial de Angra 3 prevê que as obras da usina sejam iniciadas em 2008 -improvável, já que as licenças ambientais nem sequer foram concedidas- e terminem em 2014. Se a média de quatro anos de atraso for mantida, a usina ficará pronta só em 2018. Quanto maior o tempo de construção, maior o ônus financeiro por conta dos juros sobre o capital imobilizado para a obra.
A Eletronuclear informa que o empreendimento custará R$ 7,2 bilhões, sendo que 70% do financiamento virão de recursos do BNDES e fontes estatais, e os outros 30% de investidores internacionais, entre eles a gigante francesa Areva.
As condições do financiamento são controversas. A Eletronuclear assumiu uma taxa de retorno para o investimento entre 8% e 10% -muito abaixo das praticadas pelo mercado, que variam de 12% a 18%. Somente uma taxa de retorno tão baixa pode viabilizar a tarifa de R$ 138 MW/h anunciada pelo governo federal para Angra 3 e emprestar um verniz de competitividade ao empreendimento. A título de comparação, a energia da hidrelétrica de Santo Antônio, no Rio Madeira, foi negociada a uma tarifa de R$ 78,87 MW/h.
A operação a baixas taxas de juros revela o subsídio estatal à construção da usina, uma vez que o investimento público não será integralmente recuperado. Os subsídios governamentais ocultos no projeto da usina nuclear Angra 3 são perversos, porque estão disfarçados nas contas de luz dos consumidores. O Greenpeace não se opõe ao aporte de recursos públicos para setores estratégicos ao desenvolvimento do país, mas condena a falta de transparência sobre os custos reais das suas opções energéticas, impedindo que a sociedade saiba, e se manifeste, sobre como e onde seu dinheiro está sendo investido.
Em um horizonte mais amplo, o desvio de recursos públicos para a opção nuclear é um verdadeiro obstáculo ao estabelecimento de um mercado de energias renováveis no Brasil.
Com os R$ 7,2 bilhões alocados para Angra 3, seria possível construir um parque eólico com o dobro da capacidade da usina nuclear em apenas dois anos sem lixo radioativo ou risco de acidentes.
Dados do Procel (Programa Nacional de Conservação de Energia Elétrica), do governo federal, mostram que cada R$ 1 bilhão empregado em programas de eficiência energética resulta em uma economia de 7.400 MW, o equivalente a 5,5 vezes a potência de Angra 3. Se uma usina nuclear custa mais de R$ 7 bilhões, pode-se concluir que cada R$ 1 bilhão investido em eficiência pode evitar investimentos de até R$ 40 bilhões para gerar a mesma eletricidade a partir de plantas nucleares.
Os custos econômicos, ambientais e sociais de Angra 3 são altíssimos. Apenas as verdadeiras ambições políticas e econômicas do Programa Nuclear Brasileiro -leia-se: aumento da exploração de urânio, o mercado de combustível nuclear e finalidades militares- podem explicar tal insistência com projeto tão desnecessário para o Brasil e tão ineficaz em termos de energia.

Beatriz Carvalho G. Santos, advogada, é coordenadora da campanha antinuclear do Greenpeace.

FSP, 17/03/2008, Tendências/Debates, p. A3

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