FSP, Brasil, p. A6
22 de Fev de 2005
Projeto esbarra em áreas desmatadas para pecuária
Laura Capriglione
Da enviada especial a Anapu (PA)
Quando a mata era fechada, as imensas castanheiras da gleba Bacajá, onde a irmã Dorothy Stang foi assassinada no último dia 12, tinham de esticar seus caules bem alto, para achar uma nesga de sol. Disso resultaram troncos imensos, com até 60 metros de altura (um edifício de 20 andares). Queimadas sucessivas para construir pastagens derrubaram toda a floresta em torno das árvores. Ficaram os troncos imensos incinerados, as copas desfolhadas, capim recém-plantado embaixo.
Espectros sinistros da floresta abatida, as castanheiras mortas têm como destino o desabamento. Ao longo da estrada de terra que corta a gleba vêem-se várias delas no chão.
As araras vermelhas, sempre em duplas, o único animal a conseguir abrir a casca do ouriço onde podem caber até 30 castanhas, voam de toco em toco, procurando o alimento extinto. Às vezes, deixam sementes de outras espécies de plantas no tronco morto. Germinadas com as chuvas que desabam no Pará nesta época do ano, dão a impressão de que a castanheira ressuscita após o fogo. É só impressão. Os gigantes estão mortos.
As queimadas servem para fazer pastos. A gleba Bacajá, com 21 lotes de 3.000 hectares cada um, está coalhada deles.
É nessas terras que a irmã Dorothy queria instalar seu Projeto de Desenvolvimento Sustentável, uma tentativa de preservação da floresta e da biodiversidade.
Relatórios do Incra de 2002 já apontavam: era tarde para isso. Sobre os lotes 54 e 55, por exemplo, este último explorado por Vitalmiro Gonçalves de Moura, suspeito de mandante do assassinato da irmã, diz a conclusão dos estudos de campo: "São imóveis [que] apresentam pastagens plantadas em bom estado de conservação, além de edificações como sede, currais, açudes, cercas, estradas internas etc. Uma vez que os referidos lotes hoje são fazendas em franca produção e independentemente da análise cadastral, tornam-se áreas inviabilizadas para a implantação de PDS, haja vista que suas características de exploração vai (sic) frontalmente contra as diretrizes que preconizam a viabilidade para a implantação de citados projetos".
Mesmo teor tem a análise dos lotes 56 e 58, que fazem parte da Fazenda Bacajá. Diz o relatório: "É a fazenda de maior produtividade bovina do sudoeste" do Pará. A Bacajá é explorada por Délio Fernandes, acusado de ajudar Moura a se esconder da polícia.
O termo técnico usado para descrever a mão pesada do fazendeiro de gado sobre a floresta é "antropização". Os fazendeiros de Anapu, filiados ao Sindicato dos Produtores Rurais do Município, em carta dirigida em julho de 2002 ao então ministro do Desenvolvimento Agrário José Abrão, referiam-se da seguinte forma aos PDS: "Que existam em áreas não-antropizadas. Só assim poderemos coexistir em paz. Caso contrário, já temos exemplos suficientes de que a inoperância dos responsáveis pela ordem levou a grandes tragédias".
Com a defesa dos PDS em áreas não-antropizadas, os fazendeiros tentavam jogar a idéia para bem longe de suas fazendas. Cerca de 200 famílias persistem na área, tentando viabilizar o projeto.
Em volta, mais de 20 mil cabeças de gado nelorado e muitas tropas de burros, porque cavalo não resiste ao calor. Este o verdadeiro cerco.
Saiba mais
PDS teria lotes com 20% de produção e 80% de extração
Da enviada especial a Anapu (PA)
O Projeto de Desenvolvimento Sustentável (PDS) que a irmã Dorothy Stang pretendia implantar nos 21 lotes das glebas Bacajá e nos 24 lotes da gleba Belmonte, uma área de 135 mil hectares, foi concebido para conciliar assentamento de sem-terra com promoção do desenvolvimento sustentável.
Para isso, cada família receberia lotes de 100 hectares de terras cada uma. Desses, 20 hectares seriam dedicados à criação de gado de leite e corte, além da produção de alimentos em uma modalidade de agricultura familiar.
Os 80 hectares restantes seriam preservados aos assentados nos lotes restando realizar atividades de extração de óleo de copaíba e de andiroba, castanhas, açaí.
A comercialização seria incumbência de uma associação de moradores, criando os marcos de uma economia coletiva. Para funcionar, entretanto, o PDS requer a preservação da biodiversidade.
FSP, 22/02/2005, Brasil, p. A6
As notícias aqui publicadas são pesquisadas diariamente em diferentes fontes e transcritas tal qual apresentadas em seu canal de origem. O Instituto Socioambiental não se responsabiliza pelas opiniões ou erros publicados nestes textos. Caso você encontre alguma inconsistência nas notícias, por favor, entre em contato diretamente com a fonte.