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Por que reduzir o consumo de carne é a coisa mais certa a fazer

FSP, Ambiente, p. B3
Autor: LEITE, Marcelo
05 de Dez de 2020

Por que reduzir o consumo de carne é a coisa mais certa a fazer
Diminuição ajuda a preservar a própria saúde, o bem-estar animal, a Amazônia e o clima da Terra

Marcelo Leite

O desmatamento continua em alta na Amazônia brasileira. Cresceu 9,5% entre 2019 e 2020, chegando a 11.088 km2. São mais de 720 milhões de árvores abatidas em 12 meses.

É como se cada brasileiro derrubasse 3,5 árvores com as próprias mãos. Quase toda essa madeira e um número astronômico de raízes, folhas, flores e frutos vão virar fumaça ou apodrecer e, assim, ajudar a piorar o aquecimento global.

Por trás dessa destruição estão grileiros, madeireiros, pecuaristas e fazendeiros, e mais da metade do desmatamento é ilegal. A maior parte vira pasto para gado. Mais de 80% da carne bovina se destina ao mercado interno, não à exportação.

Simplificando muito, seu churrasco é o motor da devastação da Amazônia e dá contribuição importante para a crise climática planetária. Variam muito as projeções sobre quanta emissão de carbono resulta do desmate induzido pela pecuária somado à produção de metano no rúmen dos bovinos, mas nenhuma estimativa é pequena.

O escritor e ensaísta Jonathan Safran Foer, que participou sexta-feira (4) da Flip, aponta no livro "Nós Somos o Clima" dois extremos: 14,5% e 51% de contribuição da pecuária para a crise do clima. O primeiro número é da FAO (2006), órgão das Nações Unidas para agricultura, e o segundo, da ONG Worldwatch Institute (2009).

Foer defende que o segundo dado é mais correto. Não cabe entrar aqui no mérito da discussão metodológica, mas a discussão se mostra ainda mais relevante no Brasil, por causa do vínculo entre gado de corte e desmatamento.

O autor propõe que cada pessoa ajude a desacelerar o aquecimento global e a desastrosa mudança do clima abrindo mão de produtos animais nas duas primeiras refeições (daí o subtítulo do livro, "Salvar o Planeta Começa no Café da Manhã"). Isso reduziria em 2/3 as emissões produzidas pela dieta.

Tenho problemas com conselhos para a ação individual desde o bom-mocismo de Al Gore no filme "Uma Verdade Inconveniente". Andar de bicicleta, trocar lâmpadas da casa, usar etanol em vez de gasolina -tudo isso faz sentido, mas equivaleria a economizar uma gota do oceano de petróleo queimado no mundo.

Diminuir o consumo de carne são outros 500. Se aderir ao vegetarianismo estiver fora do radar, a redução proposta por Foer parece boa solução de compromisso, mesmo porque a mudança da dieta faz sentido também por outras razões.

Éticas, antes de mais nada. A criação de animais, por melhor que seja, sempre envolve sofrimento, em maior ou menor grau. Quem já viu um caminhão cheio de bois e vacas sabe disso, nem precisa visitar abatedouros, galinheiros e pocilgas industriais.

Sobram, ainda, razões de saúde. Um relatório sobre impactos da mudança do clima publicado quarta-feira (2) pelo periódico médico britânico The Lancet estima que 990 mil pessoas morrem no mundo, todos os anos, por doenças associadas ao consumo excessivo de carne -e esse número aumentou 72% desde 1990.

No Brasil, o hábito carnívoro seria responsável por 38 mil mortes anuais. Pode parecer pouco, diante dos 175 mil óbitos acumulados na epidemia pela incompetência e pelo negacionismo criminoso do governo Jair Bolsonaro, mas cada morte evitável conta.

Mudanças de hábito são custosas, e o livro de Foer oferece um tratado inteiro sobre isso. No entanto, é o caso de parar para pensar: quais outras atitudes políticas individuais é possível tomar que tenham impacto real sobre a própria saúde, o bem-estar animal, a preservação da floresta amazônica e a mudança perigosa do clima?

Marcelo Leite
Jornalista especializado em ciência e ambiente, autor de "Ciência - Use com Cuidado".

FSP, 05/12/2020, Ambiente, p. B3

https://www1.folha.uol.com.br/colunas/marceloleite/2020/12/por-que-redu…

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