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Pesca afeta evolução de peixes há 50 anos

FSP, Ciência, p. A16
Autor: ANGELO, Claudio
22 de Fev de 2005

Pesca afeta evolução de peixes há 50 anos
Cientistas dizem que ação humana está "protegendo" os animais menores e de crescimento mais lento

Cláudio Ângelo
Enviado especial a Washington

Um estudo feito por um grupo de pesquisadores americanos e apresentado numa conferência científica em Washington pode ajudar a explicar por que os estoques de peixe explorados em excesso no oceano não se recuperam. A pesca, dizem os cientistas, está alterando o curso da evolução desses animais, favorecendo a sobrevivência de indivíduos menores e de crescimento mais lento. Há pelo menos 50 anos.
Evidências fortes dessa seleção artificial já haviam sido apresentadas em 2002 por David Conover, biólogo da Universidade do Estado de Nova York em Stony Brook. Ele usou populações em cativeiro de um peixe comum no Atlântico, o Menidia menidia, das quais os indivíduos maiores eram seletivamente removidos -numa imitação do que acontece com a pesca, onde só é permitido capturar espécimes acima de um determinado tamanho.
A teoria evolutiva de Charles Darwin (1809-1882) postula que as modificações nas espécies acontecem segundo um mecanismo duplo: a geração casual de diversidade genética e a eliminação seletiva de indivíduos portadores de genes não-adaptados ao ambiente num dado momento.
Conover e sua equipe constataram que, depois de apenas quatro gerações, o tamanho médio dos indivíduos remanescentes caiu pela metade, o que significa que os genes que promoviam o crescimento rápido haviam sido eliminados da população.
Conover temia que o experimento feito por ele em laboratório estivesse se repetindo na vida real. Caso o perfil genético das populações de peixes comerciais, como o bacalhau e o atum, realmente tivesse sido alterado, levaria muito tempo até que os estoques voltassem a se recompor.
Um outro experimento, realizado por Steven Berkeley, da Universidade da Califórnia em Santa Cruz, e apresentado anteontem durante a reunião anual da AAAS (Associação Americana para o Avanço da Ciência), confirma o pesadelo de Conover e explica qual é o provável gatilho da alteração da evolução dos peixes: a eliminação de fêmeas velhas das populações dos animais.

Idade é documento
"Nós não nos surpreendemos ao ver um estoque de peixe colapsar", afirmou Berkeley. "Mas, após o alívio da pressão de pesca, os estoques não se recuperam. Será que nós deixamos alguma coisa escapar? A pesca teve algum efeito não-planejado?"
Estudando espécimes do peixe Sebastes malanops, do Pacífico, Berkeley e seus colegas descobriram que as fêmeas mais velhas e maiores tendiam a desovar mais cedo e a pôr mais ovos. Não só isso, as larvas nascidas desses ovos cresciam três vezes mais depressa e resistiam mais a períodos de fome do que larvas nascidas de fêmeas mais jovens.
Isso acontece porque fêmeas mais velhas tendem a ter em seu corpo maiores quantidades de triaciglicerol, um lipídio altamente energético. Quantidades maiores dessa substância acabam transferidas para os filhotes.
A eliminação das fêmeas mais velhas juntamente com o restante dos indivíduos maiores, que é a regra no manejo de pesca moderno, acaba afetando o perfil genético da espécie. "Os peixes mais velhos são responsáveis pela recomposição das populações", disse o pesquisador. "Se nós continuarmos alterando a constituição genética da população, vamos favorecer os peixes menores e que crescem mais devagar", afirmou a jornalistas na AAAS.
Para resolver o problema, Berkeley, Conover e outros pesquisadores têm proposto uma mudança total na forma como se maneja a pesca no Atlântico Norte -região do planeta onde os peixes comerciais estão mais ameaçados. Essa mudança passa tanto pela limitação da captura quanto pela criação de reservas marinhas onde os indivíduos mais velhos possam se reproduzir. "O problema não é tão complicado de resolver", disse Jeremy Jackson, da Instituição Oceanográfica Scripps, na Califórnia. "Mas simplesmente não há reservas marinhas nos EUA. A Austrália protege um terço da Grande Barreira de Coral. Nós provavelmente protegemos 0,1% da Costa Leste dos Estados Unidos."

FSP, 22/02/2005, Ciência, p. A16

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