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Papa Francisco descarta ordenar homens casados como padres na Amazônia

FSP, Poder, p. A10
13 de Fev de 2020

Papa Francisco descarta ordenar homens casados como padres na Amazônia

Medida havia sido proposta ano passado, mas foi criticada por conservadores

O papa Francisco descartou, nesta quarta-feira (12), a proposta de que homens casados pudessem ser ordenados padres na região da Amazônia e denunciou as empresas que semeiam a "injustiça e o crime" na região, violando os direitos dos povos tradicionais.

A declaração, dada por por meio de um documento chamado "exortação apostólica", foi uma resposta às recomendações do Sínodo da Amazônia, que ocorreu no ano passado. A carta não define a doutrina oficial, mas instrui práticas da igreja.

Com essa decisão, o papa se afastou de temas que dividem a igreja e se concentrou nos desafios ecológicos, sociais e pastorais.

A proposta de ordenação de homens casados estava no parágrafo 111 do relatório final do sínodo, formulado em outubro do ano passado.

"Considerando que a legítima diversidade não prejudica a comunhão e a diversidade da igreja, (...) propomos (...) ordenar sacerdotes homens idôneos e reconhecidos pela comunidade, que tenham um diaconato permanente fecundo e recebam uma formação adequada para o presbiterato, podendo ter família legitimamente constituída e estável."

Na época, o tema foi o mais controvertido. Recebeu a aprovação de 128 padres sinodais, o mais baixo número de votos dos 120 parágrafos, que são aprovados individualmente. Os padres que se opuseram somaram 41 votos.

A recomendação não previa que padres pudessem se casar, mas que homens com família pudessem assumir as funções de sacerdócio.

A expectativa era a de que a medida aumentasse a presença da igreja em áreas remotas, onde os padres atualmente só conseguem visitar poucas vezes por ano. Seria também uma forma de confrontar a crescente presença de igrejas pentecostais na região.

Mais recentemente o tema voltou à tona, quando, em um livro, o papa emérito Bento 16 defendeu o celibato de padres na Igreja Católica, no que parecia ser um movimento estratégico para que o papa Francisco não mudasse as regras sobre esse assunto, em especial após o sínodo.

O sínodo havia recomendado também a criação do "pecado ecológico" (atos e hábitos de "poluição e destruição da harmonia do ambiente"), o respeito à religiosidade não cristã indígena, o estabelecimento de um "observatório pastoral socioambiental" e o alinhamento a povos amazônicos que denunciam o "modelo econômico de desenvolvimento predatório e ecocida".

Por outro lado, por falta de consenso, o relatório final deixou de fora a criação de um diaconato para as mulheres. O tema continuará a ser discutido pela igreja por uma comissão específica, mas o papa já se posicionou.

Reconhecer ministérios à mulher conseguiria apenas "clericalizar as mulheres, diminuiria o grande valor do que elas já deram e provocaria sutilmente um empobrecimento de sua contribuição indispensável", escreveu ele na exortação desta quarta-feira, chamada de "Querida Amazônia".

O documento traz poucas propostas práticas. Nele, o papa defende que novos caminhos sejam encontrados para estimular padres a trabalhar em regiões remotas -e permitiu que os diáconos possam assumir mais funções.

Os diáconos podem dar sermões, ensinar, batizar e comandar paróquias, mas não podem conduzir uma missa. Homens casados podem ser ordenados como diáconos.

Devido à falta de padres, os fiéis de cerca de 85% da região da Amazônia não podem ir à missa semanalmente. Em alguns casos, chegam a ficar anos sem participar de uma celebração da liturgia.

A medida havia sido proposta como solução para a escassez de sacerdotes na região, única no país com o mesmo número de evangélicos e católicos. A proposta gerou críticas da ala conservadora da igreja, que viu a mudança como um risco para a centenária tradição do celibato dos padres e considerou a proposta como herética.

Os conservadores temiam que a aprovação da proposta para a Amazônia encorajasse outras regiões do mundo onde faltam padres a pleitear o mesmo direito.

"O papa cedeu à pressão e não aprovará a ordenação de padres casados", comentou, decepcionado, José Manuel Vidal, da página católica Religião Digital.

Sobre as questões ecológicas, o papa defendeu que os empreendimentos "que prejudicam a Amazônia e não respeitam o direito dos povos originários do território e sua demarcação, à autodeterminação e ao consentimento prévio, devem receber o nome que lhes corresponde: injustiça e crime"

O papa escreveu ainda ter quatro sonhos para a Amazônia: que a região lute pelo direito dos pobres, preserve suas riquezas culturais e naturais e que a igreja seja capaz de ter um comprometimento generoso e forte ao atuar ali.

O que é sínodo
O Sínodo dos Bispos é uma reunião episcopal de especialistas. Convocado e presidido pelo papa, discute temas gerais da Igreja Católica (como juventude, em 2018), extraordinários (considerados urgentes) e especiais (sobre uma região). Instituído em 1965, aconteceu em 2019 pela 16ª vez.

Especial Amazônia
Anunciado em 2017 pelo papa Francisco, o Sínodo da Amazônia tratou de assuntos comuns aos nove países do bioma, organizados em dois eixos: pastoral católica e ambiental. Depois de meses de escuta da população local, bispos e demais participantes se reuniram de 6 a 27 de outubro, no Vaticano.

Para que serve
O sínodo é um mecanismo de consulta do papa. Os convocados têm a função de debater e de fornecer material para que ele dê diretrizes ao clero, expressas em um documento chamado exortação apostólica. As duas exortações pós-sinodais anteriores foram publicadas cerca de cinco meses depois de cada assembleia.

Quem participa
O Sínodo da Amazônia reuniu 185 padres sinodais (como são chamados os bispos participantes), sendo 57 brasileiros. Além dos bispos da região, havia convidados de outros países e de congregações religiosas. Também participaram líderes de outras comunidades cristãs, da população e especialistas -no total, havia 35 mulheres.

Principais polêmicas
Este sínodo recebeu críticas do governo brasileiro, incomodado com o viés ambiental e pressionado pela situação na Amazônia, e da ala conservadora da igreja, que viu como inapropriado o debate sobre a ordenação de homens casados como sacerdotes, a criação de ministérios oficiais para mulheres e a incorporação de costumes indígenas em rituais católicos.

FSP, 13/02/2020, Poder, p. A10

https://www1.folha.uol.com.br/poder/2020/02/papa-francisco-descarta-ord…

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