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O suplício de Papai Noel

FSP, Mais, p. 6-9
Autor: LÉVI-STRAUSS, Claude
23 de Nov de 2008

O suplício de Papai Noel
Inédito em livro no Brasil e previsto para ser lançado na 2ª semana de dezembro pela Cosac Naify, ensaio de 1952 discute a criação do mito moderno do Natal

Claude Lévi-Strauss

Há cerca de três anos, ou seja, desde que a atividade econômica voltou quase ao normal, a comemoração do Natal assumiu na França uma dimensão desconhecida antes da [Segunda] Guerra.
Esse desenvolvimento, tanto por sua importância material quanto pelas formas em que se apresenta, certamente é resultado direto da influência e do prestígio dos Estados Unidos.
Assim, vimos surgir os grandes pinheiros, montados nos cruzamentos ou nas avenidas principais, iluminados à noite; os papéis decorativos para embrulhar os presentes de Natal; os cartões de boas-festas e o costume de expô-los em cima da lareira dos destinatários na semana fatídica; as campanhas do Exército da Salvação erguendo nas ruas e nas praças seus caldeirões como se fossem potinhos de pedintes; por fim, as pessoas vestidas de Papai Noel para receber os pedidos das crianças nas grandes lojas de departamentos.
Todos esses costumes que, poucos anos atrás, pareciam pueris e barrocos aos franceses que visitassem os EUA, como um dos sinais mais evidentes da profunda incompatibilidade entre as duas mentalidades, agora se implantaram e se aclimataram na França com uma facilidade e uma amplitude que se tornam assunto a ser estudado pelo historiador das civilizações.
Nesse campo, como em outros, estamos assistindo a uma vasta experiência de difusão, não muito diferente daqueles fenômenos arcaicos que estávamos acostumados a estudar nos exemplos distantes do "briquet à piston" ou da "pirogue à balancier".
Mas é mais fácil e ao mesmo tempo mais difícil estudar fatos que se desenrolam sob nossos olhos, tendo como palco nossa própria sociedade.

Empréstimo
Mais fácil, porque a continuidade da experiência está salvaguardada, com todos os seus momentos e cada uma de suas nuanças; e também mais difícil, porque são nessas raríssimas ocasiões que percebemos a extrema complexidade das transformações sociais, mesmo as mais tênues; e porque as razões aparentes que atribuímos aos acontecimentos nos quais somos atores são muito diferentes das causas reais que neles nos determinam algum papel.
Assim, seria simplista demais explicar o desenvolvimento da comemoração do Natal na França apenas pela influência dos EUA.
O empréstimo é inegável, mas não traz consigo razões suficientes para explicar o fenômeno. Enumeremos brevemente as mais evidentes: há muitos americanos na França, os quais comemoram o Natal à sua maneira; o cinema, os "digests", os romances e também algumas reportagens da grande imprensa tornaram conhecidos os costumes americanos, e estes gozam do prestígio atribuído à potência militar e econômica dos EUA.
Tampouco se exclui a conjectura de que o Plano Marshall tenha favorecido, direta ou indiretamente, a importação de algumas mercadorias ligadas ao rito natalino.
Mas tudo isso não basta para explicar o fenômeno.
Costumes importados dos EUA impõem-se a camadas da população que lhes desconhecem a origem; os meios operários, onde a influência comunista poderia desacreditar tudo o que traz a marca "made in USA", os adotam com a mesma disposição dos demais.
Assim, em vez de uma difusão simples, cabe invocar aquele processo tão importante que Kroeber, o primeiro a identificá-lo, chamou de "difusão por estímulo" ("stimulus diffusion"): o costume importado não é assimilado, mas funciona como catalisador, ou seja, provoca com sua presença o surgimento de um uso semelhante que já estava potencialmente presente no meio secundário.
Ilustremos esse ponto com um exemplo diretamente relacionado ao nosso tema.
O industrial fabricante de papel que vai aos EUA, a convite dos colegas americanos ou como membro de uma missão econômica, constata que lá fabricam papéis especiais para os pacotes de Natal; ele adota a idéia, e temos aí um fenômeno de difusão.

Exigência estética
A dona-de-casa parisiense que vai à papelaria do bairro comprar o papel necessário para embrulhar seus presentes vê na vitrine papéis mais bonitos e de melhor acabamento do que aqueles que costumava usar; ela ignora totalmente os costumes americanos, mas esse papel satisfaz uma exigência estética e exprime uma disposição afetiva que já existia, só não dispunha de meios de expressão.
Ao escolhê-lo, a dona-de-casa não adota diretamente (como o fabricante) um costume estrangeiro, mas esse costume, tão logo é reconhecido, estimula nela o nascimento de um costume igual. Em segundo lugar, não se pode esquecer que a comemoração natalina, já antes da guerra, estava em processo ascendente na França e em toda a Europa. Isso estava relacionado, inicialmente, à melhoria progressiva do nível de vida, mas também a motivos mais sutis.
Com as características que conhecemos, o Natal é uma festa essencialmente moderna, apesar dos múltiplos traços arcaizantes. O uso do visco não é, pelo menos em primeira instância, uma herança druídica, pois parece ter voltado à moda na Idade Média.

Árvore de Natal
O pinheiro de Natal não é mencionado em parte nenhuma antes de certos textos alemães do século 17; ele segue para a Inglaterra no século 18 e chega à França apenas no século 19. O dicionário "Littré" parece conhecê-lo pouco ou sob forma muito diferente da nossa, pois o define (no verbete "Natal") com a designação: "Em alguns países, de um ramo de pinheiro ou de azevinho com diferentes enfeites, guarnecido principalmente de balas e brinquedos para serem dados às crianças, que fazem uma tremenda festa".
A variedade de nomes dados ao personagem incumbido de distribuir os brinquedos às crianças -Papai Noel, São Nicolau, Santa Claus- também mostra que ele é resultado de um fenômeno de convergência, e não um protótipo antigo conservado por toda parte.
O desenvolvimento moderno, porém, não é uma invenção: ele se limita a recompor peças e fragmentos de uma antiga comemoração, cuja importância nunca foi totalmente esquecida. Se a árvore de Natal, para o "Littré", é quase uma instituição exótica, Cheruel nota de maneira significativa, em seu "Dicionário Histórico das Instituições": "O Natal [...] foi, durante vários séculos e até uma época recente, a ocasião de festas em família"
Assim, estamos diante de um ritual cuja importância flutuou bastante ao longo da história; teve apogeus e declínios. A forma americana é apenas sua encarnação mais moderna. Aliás, essas rápidas indicações bastam para mostrar que, diante desse tipo de problema, é preciso desconfiar das explicações demasiado fáceis que apelam automaticamente aos "vestígios" e às "sobrevivências". Se nunca tivesse existido um culto às árvores nos tempos pré-históricos, que se prolongou em várias tradições folclóricas, a Europa moderna certamente não teria "inventado" a árvore de Natal.
No entanto -como mostramos mais acima-, ela é uma invenção recente. Essa invenção, porém, não nasceu do nada. Pois outros costumes medievais são plenamente comprovados: a chamada lenha de Natal (que inspirou um bolo natalino em Paris), um tronco espesso para arder a noite toda; os círios de Natal, com uma dimensão própria para a mesma finalidade; a decoração das casas (desde as Saturnais romanas, sobre as quais voltaremos a falar) com ramos verdes: hera, azevinho, pinheiro; por fim, e sem nenhuma relação com o Natal, os romances da Távola Redonda mencionam uma árvore sobrenatural recoberta de luzes.

Solução sincrética
Em tal contexto, a árvore de Natal surge como uma solução sincrética, isto é, concentra num só objeto exigências até então dispersas: árvore mágica, fogo, luz duradoura, verde persistente. Inversamente, Papai Noel, em sua forma atual, é uma criação moderna, e ainda mais recente é a crença que situa sua morada na Groenlândia, possessão dinamarquesa (o que obriga o país a manter uma agência de correio especial para responder às cartas de crianças do mundo inteiro), e o mostra viajando em um trenó puxado por renas.
Consta que esse aspecto da lenda se desenvolveu principalmente na última guerra, devido à presença de tropas americanas na Islândia e na Groenlândia.
E, no entanto, as renas não estão ali por acaso, visto que existem documentos renascentistas ingleses mencionando troféus de renas durante as danças de Natal, antes de qualquer crença em Papai Noel, e quem dirá da formação de sua lenda.
Assim, fundem-se e refundem-se elementos muito antigos, introduzem-se novos, encontram-se fórmulas inéditas para perpetuar, transformar ou reviver usos de velha data. Não há nada de especificamente novo -sem jogo de palavras- no renascimento do Natal.
Por que, então, ele desperta tanta emoção e por que é em torno da figura de Papai Noel que se concentra a animosidade de algumas pessoas?

Trecho de "O Suplício de Papai Noel" (ed. Cosac Naify, 56 págs., R$ 25).
Tradução de Denise Bottmann .

http://www1.folha.uol.com.br/fsp/mais/fs2311200811.htm

As obras capitais

As Estruturas Elementares do Parentesco (1949) - Marco fundador da antropologia estrutural, o livro foi escrito durante o exílio nos EUA e sob a direta influência de seus contatos intelectuais e amizade com o lingüista Roman Jakobson.
O conceito que dá título ao livro refere-se aos sistemas de parentesco que prescrevem o casamento com um certo tipo de parentes, ou seja, que classificam os parentes em cônjuges possíveis e proibidos.
A obra é um clássico também por ter substituído, como eixo de análise etnológica, o fato natural da consangüinidade pelo fato cultural da aliança.
Lévi-Strauss, em diálogo com Sigmund Freud, repensa o problema universal da proibição do incesto -fenômeno já não mais interpretado pela óptica da proibição moral, e sim como fator lógico de constituição da sociedade, ao permitir a "transação" de mulheres entre os grupos exogâmicos.

Introdução à obra de Marcel Mauss (1950) - Este ensaio, encomendado pelo sociólogo Georges Gurvitch -mais tarde, bastante hostil às teses de Lévi-Strauss-, vai bem além de sua finalidade imediata, uma apresentação protocolar da coletânea "Sociologia e Antropologia", de Marcel Mauss (ed. Cosac Naify), um dos mais importantes cientistas sociais do século 20.
Lévi-Strauss comenta o vanguardismo de Mauss em aspectos como a correlação entre etnologia e psicanálise, mas também, com ousadia, designa o sobrinho de Durkheim como um Moisés que conduziu o povo à Terra Prometida sem ter tido a oportunidade de entrar nela.
Com essa metáfora bíblica, quis dizer que Mauss, com a teoria da reciprocidade desenvolvida em "O Ensaio sobre a Dádiva" (1925), intuiu descobertas a que a antropologia só pôde chegar mais tarde, com o próprio Lévi-Strauss, graças aos aportes da lingüística estrutural.
Exemplo disso seria o conceito lévi-straussiano de "pensamento simbólico" como lógica inconsciente do espírito humano e matriz universal de possibilidades combinatórias das quais cada sistema cultural faz usos peculiares.

Tristes Trópicos (1955) - Considerada por muitos sua obra-prima, esta autobiografia intelectual relata, entre outros episódios, a vinda de Lévi-Strauss ao Brasil nos anos 1930, juntamente com outros professores franceses, para trabalhar na fundação da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo.
Ele comenta o sentido de sua vocação de antropólogo, no contexto de suas decepções com a filosofia "metafísica" dominante nos meios universitários franceses da época.
Menciona a geologia, o marxismo e a psicanálise como as "três mestras" inspiradoras de sua obra, pela percepção que compartilham de que "compreender consiste em reduzir um tipo de realidade a outro". E tece observações etnográficas que atestam como seu contato com povos indígenas brasileiros foi decisivo na gestação de sua futura teoria estruturalista.
O livro é marcante também pelas digressões sombrias a respeito das perspectivas da civilização mundial, marcada, segundo ele, pelo inchaço demográfico e pela homogeneização cultural.

Antropologia Estrutural (1958) - Coletânea com alguns dos principais escritos de Lévi-Strauss no período entre 1944 e 1956.
São exemplos o programático "A Análise Estrutural em Lingüística e em Antropologia", além de "O Feiticeiro e Sua Magia" e "A Eficácia Simbólica" -textos nos quais apresenta surpreendentes paralelos estruturais entre as figuras do xamã e do psicanalista.
Muitas vezes acusado pelos marxistas de negar a dimensão histórica, dada sua ênfase tanto na sincronia dos fenômenos sociais quanto nas constantes universais da humanidade, o autor francês irá abordar tal problema em "História e Etnologia".
Já em "A Estrutura dos Mitos", o antropólogo relê o mito de Édipo -mencionando a interpretação freudiana como a mais recente "versão" mítica do relato- e lança as bases teóricas e metodológicas do que, após o parentesco, veio a ser o outro grande campo de aplicação do estruturalismo etnológico: a mitologia.

O Pensamento Selvagem (1962) - Lançado no mesmo ano que "O Totemismo Hoje" -que lhe serve, no dizer do autor, como uma "introdução histórica e crítica", ao analisar uma categoria então fundamental na explicação dos povos ditos primitivos-, é uma espécie de prelúdio às "Mitológicas".
Descartando preconceitos evolucionistas, tais como a noção de "pensamento pré-lógico" (de Lévy-Bruhl), Lévi-Strauss diz ser o pensamento mítico uma "forma intelectual de bricolagem", que recupera num processo contínuo os resíduos de eventos empíricos, e uma "ciência do concreto", tão estruturada, lógica e rigorosa quanto o pensamento científico moderno, e igualmente capaz de formular analogias e generalizações.
Dedicado à memória do filósofo Maurice Merleau-Ponty, se encerra porém com uma célebre ofensiva contra outro expoente do pensamento fenomenológico-existencial: Jean-Paul Sartre.
Na visão dialética da história na obra de Sartre, Lévi-Strauss vê uma outra forma de projeção eurocêntrica e um valioso documento etnográfico acerca da "mitologia de nosso tempo".

Mitológicas (1964-71) - Com base na análise de cerca de 800 mitos ameríndios e inspirado nos moldes da música -que considera semelhantes aos do mito-, essa colossal tetralogia é composta por "O Cru e o Cozido", "Do Mel às Cinzas", "A Origem dos Modos à Mesa" e "O Homem Nu".
Seu objetivo é mostrar "de que modo categorias empíricas, como, por exemplo, as de cru e cozido, de fresco e de podre, de molhado e de queimado etc., definíveis com precisão pela mera observação etnográfica, (...) podem servir como ferramentas conceituais para isolar noções abstratas e encadeá-las em proposições".
Desse modo, seria possível chegar a níveis cada vez mais amplos de generalização e, em última instância, desbravar os fundamentos universais do espírito humano. O meio para isso, segundo o antropólogo, seria o rastreamento das múltiplas recombinações, permutações e oposições -e não, como na teoria simbolista, significados ocultos de símbolos abstraídos do contexto- por meio das quais os "mitos se pensam entre si".

Antropologia Estrutural 2 (1973) - Nesta nova coletânea, tem destaque o clássico "Raça e História" (1952) -libelo, escrito a pedido da Unesco, contra o racismo, no qual o antropólogo sintetiza sua visão da história mundial e sua defesa da diversidade cultural.
Cabe mencionar também "A Gesta de Asdiwal", estudo de um mito indígena da costa canadense do Pacífico; "O Campo da Antropologia", aula inaugural do autor no Collège de France, em 1960; e "Jean-Jacques Rousseau, fundador das Ciências do Homem" (1962).
Neste último, o filósofo genebrino é evocado como precursor da etnologia por ter formulado o preceito de que, se para estudar "os homens" é preciso olhar perto de si, para estudar "o homem" é preciso aprender a dirigir para longe o olhar e descobrir semelhanças depois de observar as diferenças.
Dez anos mais tarde, Lévi-Strauss lançaria um novo conjunto de artigos que, segundo suas próprias palavras, poderia ser considerado o terceiro volume da "Antropologia Estrutural", porém batizado de "O Olhar Distanciado".

A Via das Máscaras (1975) -Tomando como referência a arte dos índios da costa noroeste dos EUA, Lévi-Strauss retoma questões fundamentais da estética e da história da arte.
Ele argumenta que o grafismo, a plástica e a cor podem ser entendidos como instrumentos de que um povo, escola doutrinal ou período se utilizam para se distinguir dos seus vizinhos, rivais ou predecessores.

Minhas Palavras (1984) - Lições ministradas por Claude Lévi-Strauss entre 1959 e 1982 no Collège de France e na Escola de Altos Estudos em Ciências Sociais. Foi nesta escola onde, disse, "minhas idéias sobre a mitologia ganharam forma", o que é testemunhado em especial pelo curso, no ano letivo de 1951-52, dedicado à "Visita das Almas", cujo resumo consta desta coletânea.
Por meio das aulas e conferências aqui publicadas -que versam também sobre parentesco e organização social, entre outros temas-, o leitor pode entrar em contato, portanto, com os movimentos da reflexão lévi-straussiana ao longo do tempo e também com a gênese e esboço de algumas das principais obras do autor -como "O Pensamento Selvagem" e "Mitológicas".

A Oleira Ciumenta (1985) -Nesta nova incursão pelo vasto território dos mitos ameríndios, Lévi-Strauss analisa, em suas analogias nos povos mais diversos, a figura da ceramista (oleira) e as relações desse ofício com o sentimento do ciúme.
No capítulo final, ""Totem e Tabu" Versão Jivaro", o antropólogo francês retoma uma vez mais o diálogo do estruturalismo com a psicanálise. Ele combate, em Freud, a suposta afinidade descoberta entre crianças, neuróticos e primitivos, assim como o monopólio dado ao "código sexual" de decifração dos símbolos míticos e oníricos.

De Perto e de Longe (1988) -Esses diálogos com o jornalista Didier Eribon, juntamente com as entrevistas a Georges Charbonnier, em 1961, estão entre as mais acessíveis introduções a toda a complexidade de um dos maiores antropólogos de todos os tempos.
Lévi-Strauss comenta seu percurso, suas idéias e obras, confessa que gostaria de ter sido autor dramático e constrói um auto-retrato muito revelador.
Por exemplo, em passagens como a que se identifica subjetivamente com o "primitivismo" que lhe fornece boa parte de seus objetos de estudo: "Tenho a inteligência neolítica; não sou alguém que capitaliza, que faz frutificar seu conhecimento; sou antes alguém que se desloca a uma fronteira sempre instável".

História de Lince (1991) -Num esforço de "síntese de reflexões dispersas ao longo dos anos", o autor investiga as fontes filosóficas e éticas do dualismo ameríndio.
Estuda como as lendas da América resistem a fazer com que uma situação inicialmente dual seja reduzida a uma identidade perfeita, sustentando, antes, um dualismo dinâmico e em permanente desequilíbrio.
Nisso o antropólogo desvela uma atitude de "abertura ao outro" que pautou os nativos quando dos primeiros contatos com o branco colonizador, e que é uma conduta oposta à de nossa sociedade -voltada a reduzir o diferente a uma imagem especular de si mesma.

Olhar, Escutar, Ler (1993) -Num dos livros em que mais diretamente se dedica a questões relativas à arte -que, não obstante, sempre teve grande importância em suas investigações etnológicas-, Lévi-Strauss evoca, como matéria-prima de análise, algumas de suas grandes experiências estéticas pessoais -do romance de Proust à música de Rameau e Wagner, passando pela pintura de Poussin.
Reflete sobre um soneto de Rimbaud à luz dos modernos estudos de poética de Roman Jakobson, além de investigar as variações e a possível estrutura comum aos três procedimentos estéticos básicos -olhar, escutar, ler.

Saudades do Brasil (1994) -Lévi-Strauss dizia ser o escopo da sua antropologia um "super-racionalismo" capaz de integrar os níveis do sensível e do inteligível.
Neste álbum fotográfico, que remonta às raízes de sua aventura antropológica, ele dá prova da extrema sensibilidade com que vivenciou e registrou as experiências em terras brasileiras durante os anos 1930.
Seja pelas imagens de uma São Paulo a caminho de se converter em metrópole industrial e financeira, seja pelas cenas da vida cotidiana de tribos do Centro-Oeste, o livro é testemunho precioso e elegíaco de uma época (pessoal e coletiva) soterrada pelo tempo e pelo processo histórico hegemônico. Em 1995, o autor lançaria um segundo livro do gênero, "Saudades de São Paulo".
(CAIO LIUDVIK)

http://www1.folha.uol.com.br/fsp/mais/fs2311200808.htm

Entenda o que é antropologia estrutural

Da redação

A antropologia estrutural, criada por Claude Lévi-Strauss, foi cunhada em seu livro clássico "Antropologia Estrutural". Publicado originalmente em 1958, ele reúne artigos que definiram o projeto científico do pensador francês. Inspirada pela obra do lingüista suíço Ferdinand de Saussure (1857-1913), a antropologia estrutural concentra-se no modo como elementos de um sistema se combinam -e não em seu valor intrínseco.
"Diferença" e "relação" são conceitos essenciais. A combinação desses elementos dá margem a oposições e contradições que servem para dar ao reino social seu dinamismo.
A antropologia estrutural considera a cultura um sistema de comunicação por símbolos, que deveria ser analisada da mesma maneira como se analisam, por exemplo, romances.

http://www1.folha.uol.com.br/fsp/mais/fs2311200812.htm

+ Cronologia

28.nov.1908 - Claude Lévi-Strauss nasce em Bruxelas, na Bélgica. É filho de pais franceses: Raymond Lévi-Strauss e Emma Lévy. Em 1909, a família, de origem judaica, muda-se para Paris

1927 - Inscreve-se em direito e faz curso de filosofia na Sorbonne

1932 - Casa-se com Dina Dreyfus

1933 - É nomeado para o liceu de Laon

1935 - Em fevereiro, embarca para o Brasil. Desembarca em Santos e passa a viver em São Paulo. Reside na rua Cincinato Braga, 395, entre a rua Carlos Sampaio e a avenida Brigadeiro Luís Antônio. Assume a cadeira de sociologia na Universidade de São Paulo. Tem como colegas de trabalho o geógrafo Pierre Monbeig (1908-1987), o historiador Fernand Braudel (1902-1985) e o filósofo Jean Maugüé (1904-1985). Junto com a mulher, também etnóloga, faz a primeira viagem a Mato Grosso, onde inicia os estudos sobre os índios cadiuéus, bororos e nambiquaras

1938 - Desiste da renovação do contrato na Universidade de São Paulo para consagrar-se a uma longa expedição pelo interior do Brasil

1939 - Volta à França e instala, no Museu do Homem, as coleções etnográficas recolhidas nos anos em que esteve no Brasil. Separa-se de Dina

1941 - Com o avanço da Segunda Guerra, decide partir para os EUA. Passa a viver em Nova York, onde ensina na New School for Social Research

1945 - Casa-se com Rose-Marie Ullmo. Deste casamento nasce Laurent. Após a guerra, torna-se conselheiro cultural da Embaixada francesa nos EUA

1947 - Retorna à França

1948 - Defende na Sorbonne a tese "As Estruturas Elementares do Parentesco", que é publicada em 1949

1950 - Com o apoio da Unesco, viaja à Índia e ao Paquistão Oriental (atual Bangladesh). Assume a função de diretor de estudos na Escola Prática de Altos Estudos, na seção de ciências religiosas

1954 - Após o segundo divórcio, casa-se com Monique Roman

1955 - Publica "Tristes Trópicos", autobiografia intelectual, narrativa de viagem ao Brasil e ensaio científico sobre os indígenas cadiuéus, bororos, nambiquaras e tupi-cavaíbas. A obra torna-se um clássico da etnologia e dos estudos sobre o país

1957 - Nascimento do filho Matthieu

1958 - Publica o volume 1 de "Antropologia Estrutural", dedicado à memória do francês Émile Durkheim (1858-1917), um dos fundadores das ciências sociais

1959 - É eleito para a cadeira de antropologia social no Collège de France, fundado em 1530 e uma das mais prestigiosas instituições de ensino da França

1960 - Funda, no Collège de France, o Laboratório de Antropologia Social

1961 - Cria, com colaboradores, a "L'Homme - Revue Française d'Anthropologie" (O Homem - Revista Francesa de Antropologia)

1962 - Publica "O Totemismo Hoje" e "O Pensamento Selvagem" -este último dedicado à memória do filósofo francês Maurice Merleau-Ponty (1908-61)

1964-71 - Lévi-Strauss publica os quatro volumes das "Mitológicas"

1968 - Na França, é condecorado com a Medalha de Ouro do Centro Nacional de Pesquisas Sociais

1973 - Eleito para a Academia Francesa. Publica "Antropologia Estrutural 2", obra dedicada aos membros do Laboratório de Antropologia Social

1974 - Numa quinta-feira, 27 de junho, toma posse na Academia Francesa

1982 - Aposenta-se do Collège de France

1985 - Volta ao Brasil após 46 anos

1989 - O Museu do Homem organiza a exposição "As Américas de Claude Lévi-Strauss"

1994 - Publica "Saudades do Brasil", que reúne fotografias do interior do país que fez entre 1935 e 1938

1996 - Publica "Saudades de São Paulo", com fotografias de São Paulo feitas entre 1935 e 1937. "Se, no título de um livro recente, apliquei ao Brasil (e a São Paulo) o termo "saudade", não foi por lamento de não mais estar lá. De nada me serviria lamentar o que após tantos anos não reencontraria. Eu evocava antes aquele aperto no coração que sentimos quando, ao relembrar ou rever certos lugares, somos penetrados pela evidência de que não há nada no mundo de permanente nem de estável em que possamos nos apoiar" ("Saudades de São Paulo", tradução de Paulo Neves, Cia. das Letras, 1996)

28.nov.2008 - Claude Lévi-Strauss completará cem anos. "É assim que me identifico, viajante, arqueólogo do espaço, procurando em vão reconstituir o exotismo com o auxílio de fragmentos e de destroços" ("Tristes Trópicos", trad. Rosa Freire d'Aguiar, Cia. das Letras)

http://www1.folha.uol.com.br/fsp/mais/fs2311200814.htm

Obras de Lévi Strauss no Brasil

As Estruturas Elementares do Parentesco (Vozes, 2003)

Antropologia Estrutural 1 (Cosac Naify, 2008)

Antropologia Estrutural 2 (Tempo Brasileiro, 1993)

O Pensamento Selvagem (Papirus, 2005)

Sociologia e Antropologia, de Marcel Mauss (introdução de Claude Lévi-Strauss, Cosac Naify, 2003)

O Cru e o Cozido - Mitológicas 1 (Cosac Naify, 2004)

Do Mel às Cinzas - Mitológicas 2 (Cosac Naify, 2005)

A Origem dos Modos à Mesa - Mitológicas 3 (Cosac Naify, 2006)

O Homem Nu - Mitológicas 4 (Cosac Naify, 2009)

De Perto e de Longe (entrevista a Didier Eribon) (Cosac Naify, 2005)

História de Lince (Companhia das Letras, 1993, esgotado)

Saudades do Brasil (Companhia das Letras, 1994, esgotado)

Saudades de São Paulo (Companhia das Letras, 1996, esgotado)

Tristes Trópicos (Companhia das Letras, 1996)

Olhar, Escutar, Ler (Companhia das Letras, 1997, esgotado)

Minhas Palavras (Brasiliense, 1991, esgotado)

http://www1.folha.uol.com.br/fsp/mais/fs2311200813.htm

FSP, 23/11/2008, Mais, p. 6-9

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