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O reverso da fortuna

FSP, Mercado, p. B11
Autor: SCHWARTSMAN, Alexandre
21 de Jul de 2010

O reverso da fortuna
Ao emprestar a taxas inferiores às que paga, o BNDES transfere renda para setores privilegiados

Alexandre Schwartsman

Alavancagem, em que pese a complexidade associada ao termo, é um fenômeno comum no mercado financeiro e não tão difícil de entender. Imagine, por exemplo, alguém que possua R$ 100 e os invista em algo que renda R$ 10 ao ano (um retorno de 10%). Caso possa tomar recursos emprestados a, digamos, 5% ao ano, ele pode multiplicar ("alavancar") seu retorno.
Tomando R$ 100 por empréstimo e investindo no mesmo ativo que rende 10% ao ano, obterá R$ 20 (10% sobre R$ 200) menos os R$ 5 que deverá pagar de juros sobre os R$ 100 emprestados, ou seja, R$ 15. Agora, para o mesmo capital de R$ 100, seu retorno é de 15% ao ano. Também não é complicado concluir que, quanto maior for a alavancagem, tanto maior será o retorno sobre o capital.
No mesmo exemplo acima, se, em vez de tomar R$ 100 emprestados, nossa investidora tomasse R$ 900, obteria R$ 100 por ano (10% sobre R$ 1.000) e, deduzindo o juro sobre o empréstimo (R$ 45), ficaria com R$ 55, um retorno de 55% (!) sobre seu capital original.
Obviamente, o risco também cresce com a alavancagem: no caso em questão, uma perda de 10% no valor do ativo deixaria nossa investidora sem um centavo para contar a história. Resumindo: a alavancagem é um instrumento que eleva tanto o retorno como o risco do investimento.
Peço agora ao leitor que imagine um caso paradoxal: o que ocorreria se o rendimento do ativo fosse inferior ao custo dos empréstimos tomados para alavancar o investimento? Para facilitar, suponha que o retorno do ativo seja zero. Nesse caso, se a investidora tomou R$ 200 emprestados a juro de 5%, no final do ano ela teria de pagar R$ 10, isto é, obteria um retorno negativo de 10% sobre seu capital de R$ 100.
E, quanto mais alavancasse, tanto mais negativo se tornaria seu retorno, enquanto seu risco continuaria a crescer. Esse caso, contudo, deveria ser mera curiosidade acadêmica. Afinal de contas, quem, em sã consciência, tomaria recursos para aplicá-los numa taxa mais baixa do que originalmente custaram? A resposta, leitor, é o Tesouro Nacional, o gestor -na descrição precisa de Armínio Fraga- do meu, do seu, do nosso dinheiro.
Em nome de uma política dita anticíclica, o Tesouro Nacional emprestou, no último ano e meio, R$ 180 bilhões para o BNDES a taxas consideravelmente inferiores às que paga para tomar esses recursos, trazendo o estoque de créditos daquela instituição para a marca de R$ 377 bilhões (12% do PIB), incluindo nessa conta os recursos do FAT (Fundo de Amparo ao Trabalhador).
O grosso desses créditos (R$ 299 bilhões) está indexado à TJLP (Taxa de Juros de Longo Prazo), hoje em 6% ao ano, enquanto a taxa básica de juros (Selic), que baliza o custo dos títulos da dívida do governo, é de 10,25% ao ano.
Como sugerido pelo último exemplo, essa política implica elevação do custo médio da dívida líquida. Aliás, esse efeito foi tão forte a partir do final de 2008 que, a despeito da queda de cinco pontos percentuais da Selic de janeiro a julho de 2009, o custo médio da dívida aumentou.
Posto de outra forma: entre 2004 e 2007, o custo médio da dívida e a Selic andavam em linha (a correlação entre as séries era de 90%); já entre 2008 e 2010, o primeiro subiu, refletindo o poder da alavancagem, a despeito da queda da Selic (a correlação se tornou negativa, -62%).
Seria ótimo que essa correlação permanecesse negativa com a Selic em alta, mas isso só aconteceria se os créditos ao BNDES fossem retirados à medida que a Selic subisse (caracterizando de fato uma política contracíclica).
Como isso não ocorrerá, a alavancagem descrita no início do artigo opera contra nós, pois o custo da dívida subirá mais do que o aumento da Selic, num contexto de risco mais elevado, ou seja, uma monumental transferência de renda para setores privilegiados. Para meros mortais, sobra apenas o reverso da fortuna.

Alexandre Schwartsman, 47, é economista-chefe do Grupo Santander Brasil, doutor em economia pela Universidade da Califórnia (Berkeley) e ex-diretor de Assuntos Internacionais do Banco Central. Escreve às quartas-feiras, quinzenalmente, neste espaço.
Internet: http://www.maovisivel.blogspot.com/
alexandre.schwartsman@hotmail.com

FSP, 21/07/2010, Mercado, p. B11

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