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Autor: COELHO, Bel; PIAZZON, Renata
05 de Jan de 2025
O que a gastronomia tem a ver com clima e biodiversidade?
Um prato pode servir relações mais justas, meio ambiente mais protegido, biodiversidade conservada
Bel Coelho
Chefe e ativista
Renata Piazzon
Diretora-geral do Instituto Arapyaú
Em Alter do Chão (PA), Dona Lindalva e a filha cultivam uma pequena agrofloresta com cacau, açaí, cupuaçu e taperebá, além de milho crioulo. Próximo dali, Seu Bené e a família produzem farinha de mandioca e o tucupi. Na mesma região, Seu Odinaldo e a comunidade ribeirinha do rio Arapiuns garantem a produção de mel de abelhas nativas brasileiras, da espécie jandaíra.
Essas são histórias sobre a produção de alimentos na Amazônia. Mas elas contam muito mais. Representam também conservação de biodiversidade, aumento de resiliência frente às mudanças climáticas, saberes coletivos, riqueza partilhada e formas de permanência no território e de como protegê-lo.
As discussões sobre clima, em geral, ganham força nas conferências anuais dos países, nos grandes fóruns privados internacionais, nos centros de pesquisa e em eventos extremos, como as queimadas disseminadas pelo país nos últimos meses ou a tragédia do Rio Grande do Sul. Mas há um combate cotidiano, secular e supereficiente à emergência climática feito por comunidades espalhadas pelo Brasil que tem de ser cada vez mais conhecido e valorizado.
A cultura alimentar do Brasil precisa ser entendida como uma grande aliada na conservação da nossa biodiversidade. E a gastronomia tem a chance de desempenhar um papel crucial ao colocar holofote em ingredientes nativos e ajudar a criar e fortalecer cadeias sustentáveis -em termos ambientais, econômicos e sociais. Além de aproximar nossa alimentação da biodiversidade comestível dos nossos biomas ao resgatar peixes de rio, frutas, castanhas, sementes e grãos nativos.
Não faltam exemplos de ingredientes produzidos por povos indígenas e comunidades tradicionais e ribeirinhas.
Entre eles, o mel de uruçu-amarela no Espírito Santo, feito pelos tupiniquins e guaranis; a baunilha do cerrado, no território calunga; ou a batata-doce, a banana, a farinha e o arroz cultivados por diferentes comunidades no Vale do Ribeira, só para citar alguns exemplos.
Ao levar ingredientes como esses para o prato, a gastronomia revela amazônia, mata atlântica, cerrado, caatinga, pantanal e pampa enquanto comunidades produtoras locais, com seus conhecimentos, valores e costumes tradicionais.
Dentro da agenda da bioeconomia, buscar trazer para a mesa produtos nativos, regionais e frutos da agricultura familiar pode ser uma oportunidade de conectar essa comida com um novo modelo de desenvolvimento de país, baseado em uma agricultura produtiva, rentável e regenerativa, em novas formas de uso do solo capazes de manter a floresta em pé.
Essa pauta precisa ser vista como fundamental na agenda climática brasileira e também na global. A transformação dos sistemas alimentares para as pessoas, a natureza e o clima foi um dos principais temas da COP28, a Conferência do Clima realizada em Dubai.
Entre os desafios que precisamos enfrentar para fortalecer essa sociobioeconomia estão as dificuldades logísticas, a organização da cadeia de suprimentos, o acesso ao mercado. Além de ações de Estado, a filantropia pode ajudar a montar essa conexão, mas a escala vai depender da combinação de vários tipos de capital, especialmente do setor privado.
Por tudo isso, além de alimento, um prato pode servir relações mais justas, meio ambiente mais protegido, biodiversidade conservada. Para isso, fortalecer essas cadeias produtivas e esses produtores, priorizando povos originários e ribeirinhos, é fundamental.
A cultura alimentar, a agrofloresta, a bioeconomia, a gastronomia consciente e também o turismo de base comunitária podem ser caminhos potentes, e além de tudo prazerosos, para a construção do desenvolvimento sustentável.
https://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2025/01/o-que-a-gastronomia-tem-a…
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