VOLTAR

O biodiesel e o impulso ao agronegocio

FSP, Tendências e Debates, p. A3
Autor: MEIRELLES, Fábio de Salles
20 de Jul de 2004

O biodiesel e o impulso ao agronegócio

Fábio de Salles Meirelles

A agricultura brasileira passa por um momento crucial, em que a política de biocombustíveis, particularmente do biodiesel, começa a ser delineada. O formato e o conteúdo dessa política são fundamentais para determinar como a agricultura e o setor rural se inserirão nessa nova onda da agricultura energética, que, sem dúvida, é uma excelente oportunidade para impulsionar o agronegócio brasileiro.

As pesquisas quanto à adaptação dos motores, à tecnologia a ser empregada e às fontes vegetais têm sido constantemente debatidas e, embora não esgotadas, já são suficientes para comprovar as vantagens socioeconômicas e ambientais da utilização do biodiesel, tanto que o consenso a respeito da importância de sua implantação já existe. O que falta então? Ação!

O Brasil começou a implantar políticas voltadas para os biocombustíveis na década de 30, através do decreto no 19.717, estabelecendo a adição de 5% de álcool à gasolina, motivada pela crise do açúcar e pela recessão instalada naquela década.

Após um longo período, em 1975, com a criação do Programa Nacional do Álcool, o Proálcool, e, posteriormente, do Grupo Executivo de Desenvolvimento do Programa Estadual do Álcool, o Gedepa, que teve como entidade gestora a Faesp, a utilização do álcool como combustível teve um novo impulso, o que criou uma alternativa à flutuação dos preços do açúcar e deu uma primeira resposta à crise do petróleo.

Passado o período áureo, com a produção de cerca de 72% dos veículos com motor a álcool, em 1986, tivemos um ciclo negativo, pois em 2002 apenas 3,3% da produção foi de veículos a álcool. Com o avanço dos motores "flex fuel", que em 2003 representaram 7% da produção nacional de automóveis, o álcool ressurgiu como alternativa à utilização de derivados minerais. Segundo projeções da indústria automobilística, entre 2005 e 2006 o Brasil estará produzindo cerca de 500 mil veículos "flex fuel".

A agricultura será também impulsionada pelo biodiesel, combustível renovável que pode ser produzido, em todo o Brasil, a partir de diferentes oleaginosas. Essa abrangência que o Programa Nacional de Biodiesel pode conferir desencadeará efeitos multiplicadores, com ganhos econômicos e sociais sem precedentes, a partir da consolidação do mercado interno e da criação de condições à exportação. Esse caminho do biodiesel alavancará o desenvolvimento socioeconômico em todo o território brasileiro, gerando emprego, renda, inclusão social e integração regional.

Para alcançar êxito no programa de biodiesel, o governo deve considerar as condições estruturais e o estágio atual de desenvolvimento do Brasil, adotando políticas públicas capazes de atender de forma eficaz as desigualdades regionais, os eixos de consumo interno e os aspectos técnicos relevantes.

Entendemos que o governo deve implantar um programa com regras claras, de longo prazo, com mistura compulsória incremental de biodiesel, associado a uma política de crédito ampla e adequada, com mecanismos eficazes de controle e fiscalização das misturas, prevendo instrumentos para compensar as diferenças regionais e, ao mesmo tempo, não limitar a capacidade criativa e o empreendedorismo do setor privado brasileiro.

Na nossa visão, os biocombustíveis fazem parte de um negócio que vai além do suprimento interno de combustível, podendo servir como plataforma de desenvolvimento e comercialização de tecnologia, fonte de geração de divisas e -por que não?- consolidação estratégica e inserção geopolítica do Brasil no cenário internacional.

O governo anunciou que lançará o Programa Nacional de Biodiesel no mês de novembro, estabelecendo uma autorização para a adição de até 2% de biodiesel ao diesel mineral. Embora o programa se inicie com a adição facultativa, e não compulsória, entendemos que é um começo.

Outra questão fundamental é que o programa não seja excludente quanto às fontes de óleos vegetais e às regiões brasileiras. Mesmo havendo disposição por parte do governo para que esses aspectos sejam preservados, ao mesmo tempo existem várias iniciativas no sentido de produzir biodiesel a partir da mamona, começando pelo Nordeste brasileiro -o que é legítimo, no nosso entender. Contudo os critérios e os marcos regulatórios que virão ainda são uma incógnita e esperamos, sinceramente, que os aspectos que definem a inclusão social e a não-exclusão de parte da agricultura brasileira sejam contemplados sem dissonância.

Os instrumentos de que o governo dispõe para integrar os Estados, seus institutos de pesquisa e extensão, federações de agricultura e demais setores da iniciativa privada possibilitarão a construção de um programa amplo, com "início, meio e fim", capaz de integrar os excluídos, melhor qualificar a mão-de-obra rural e conduzir a agricultura e o agronegócio brasileiros a um novo ciclo de desenvolvimento, a partir de projetos integrados com os segmentos rurais, gerando força de trabalho e crescimento sustentável.

Fábio de Salles Meirelles, 70, advogado e agropecuarista, primeiro-vice-presidente da CNA (Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil), é o presidente da Faesp (Federação da Agricultura do Estado de São Paulo).

FSP, 20/07/2004, Tendências e Debates, p. A3

As notícias aqui publicadas são pesquisadas diariamente em diferentes fontes e transcritas tal qual apresentadas em seu canal de origem. O Instituto Socioambiental não se responsabiliza pelas opiniões ou erros publicados nestes textos. Caso você encontre alguma inconsistência nas notícias, por favor, entre em contato diretamente com a fonte.