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Novo centro espacial ainda é clareira na mata

FSP, Ciência, p. A24
17 de Ago de 2008

Novo centro espacial ainda é clareira na mata

Fábio Guibu
Da agência Folha, em Alcântara (MA)

A dois anos do anunciado lançamento do foguete ucraniano Cyclone-4, as obras do novo centro de lançamento, em Alcântara (a 53 km de São Luís, MA), não passam de uma clareira aberta na floresta.
No local, visitado pela Folha, máquinas cobertas por lona plástica estão paradas. Os tratores foram retirados da área. Não há operários, e apenas um vigilante cuida do patrimônio.
Construída entre as comunidades quilombolas de Mamuna e Baracatatiba, a estrada de acesso à área, de seis quilômetros, está bloqueada há sete meses por troncos e galhos.
Os quilombolas da região também arrancaram os marcos de engenharia e agora ameaçam incendiar a clareira onde estão os equipamentos, para plantar mandioca.
Os nativos não aceitam a obra, por acreditarem que serão prejudicados nas suas atividades de subsistência.
A resistência ameaça o cronograma de lançamento do foguete, ato que marcaria a inauguração da empresa binacional Alcântara Cyclone Space, do Brasil e da Ucrânia, a três meses da eleição presidencial.
"Se o empreendimento for realizado, a comunidade acaba", afirma a professora Militina Garcia Serejo, 46, líder do vilarejo quilombola Mamuna.
"A plataforma vai ocupar terra de plantio e impedir o acesso dos pescadores ao mar", declarou ela. Segundo o Ministério Público Federal, o projeto não prevê a retirada das comunidades, mas a construção de sítios de lançamento as vilas.
Segundo o procurador da República no Maranhão Alexandre Soares, a binacional construirá três áreas de lançamento e três para atividades administrativas e institucionais.
No total, serão utilizados 14.000 ha, área superior à da base militar de Alcântara (8.700 ha). Apesar de o governo ter desapropriado 62.000 ha nos anos 1980 para a construção da base, o MPF entende que os quilombolas têm direito à titularidade das terras.
Em 2003, a entidade ingressou com ação na Justiça para tentar obrigar a União a regularizar o território quilombola. Três anos depois, um acordo na Justiça fixou prazo de seis meses para a realização do trabalho. "O prazo não foi cumprido até hoje", disse o procurador.
Em maio, o MPF ajuizou outra ação, solicitando que a construção do novo centro só ocorresse após a regularização.
"O objetivo é permitir que as comunidades discutam o projeto não como posseiras, mas como proprietárias", afirmou Soares. A Justiça ainda não se pronunciou sobre o pedido.
Levantamento feito pelo Mabe (Movimento dos Atingidos pela Base Espacial), aponta a existência de 110 comunidades remanescentes de quilombos em Alcântara, com 12 mil integrantes. A construção do novo centro espacial afetaria 24 vilarejos, diz a entidade.
Procurado ontem pela Folha, o diretor-geral da Alcântara Cyclone Space, Roberto Amaral, não foi encontrado para comentar o assunto.

Saiba mais
Quilombolas vivem em "grande família"

Da agência Folha, em Alcântara (MA)

Casamentos consangüíneos transformaram as comunidades quilombolas de Alcântara em aglomerados familiares.
Isolados pela floresta e pelo mar, os vilarejos são hoje territórios habitados por moradores com poucos sobrenomes diferentes. Nas casas de barro cobertas com folhas de palmeira, é comum encontrar casais formados por primos. "Quase todo mundo já tirou uma casquinha com um parente", diz o lavrador quilombola Domingos Santos Pinheiro, 42. "Tia eu tenho respeito, mas prima já namorei muito", afirma.
Pinheiro mora na comunidade de Mamuna, onde "todo mundo é parente", diz uma das mais antigas moradoras do local, a aposentada Isabel Pinheiro Mendes, 74.
Para a lavradora Venerável Silva Moraes, o isolamento é o que aproxima os familiares. Venerável vive há 14 anos com o primo Adrião Silva Moraes. Na família do casal, diz ela, há mais quatro primos casados com primas. "Não é que a gente só queira ficar com parente, mas é porque não tem muita pessoa para olhar", afirma.
O vilarejo de Mamuna é formado por 70 famílias. O local, que só recebeu energia elétrica há dois anos, é um dos principais focos de resistência à construção da base do foguete Cyclone-4.
A líder da comunidade, Militina Garcia Serejo, 46, casada por oito anos com um primo de segundo grau, atribui a força do grupo ao "espírito de união de família".
Para o integrante do Mabe (Movimento dos Atingidos pela Base Espacial), Danilo Serejo Lopes, os quilombolas reagem às tentativas de remoção "como qualquer família da cidade faria com quem invadisse sua casa".
Os grupos não se misturaram nem nas agrovilas, para onde foram transferidas as famílias removidas da área onde foi construída a base militar. Cada vilarejo ocupa uma rua.
(FG)

FSP, 17/08/2008, Ciência, p. A24

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