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Novas Raízes do Brasil

FSP, Comida, p. C6-C7
02 de Mar de 2016

Novas Raízes do Brasil
Sem perder clima interiorano, Mercado Municipal de Pinheiros se renova e passa a vender produtos de várias regiões do país sob a curadoria de Alex Atala

Magê Flores

No box 4, "seu" Adalberto Rabello, 69, vende farinha d'água, tapioca granulada, castanha de baru. Feijões, havia outros, "vários tipos sumiram", conta, lembrando do feijão-opaquinho, semelhante ao roxinho mineiro, comum antes de o carioquinha dominar o mercado.
O comerciante está no Mercado Municipal de Pinheiros desde 1971, quando o espaço foi aberto para abrigar os vendedores do Mercado dos Caipiras, fundado em 1910 no que hoje é um trecho da avenida Brigadeiro Faria Lima.
Ao longo desse tempo, seu Adalberto viu fornecedores "deixarem de trazer produto direto do mato". E ele segue a observar mudanças por ali -para além das melhorias arquitetônicas e das redes hidráulica e elétrica com investimento da prefeitura.
Alguns boxes antigos estão dando lugar a novas propostas. Nesta terça-feira (1o) foram abertos três espaços coordenados pelo Instituto Atá, do chef Alex Atala.
Em suas prateleiras, estão reunidos produtos de biomas brasileiros -comunidades adaptadas a condições ecológicas, com predomínio de um tipo de vegetação. São eles: cerrado, pampas, mata atlântica e Amazônia. Para o box deste último, foi firmada parceria com o Instituto Sócio Ambiental (ISA).
Serve de ilustração o espaço do pampa e das araucárias, que traz produtos como o mel branco de Cambará do Sul, arroz-cachinho de Sentinela do Sul e charque de Santana do Livramento. "Rodamos 4.000 km em uma expedição como a dos tropeiros, para 'colher' os produtos", diz Marcos Livi, curador.
Para Beto Ricardo, sócio-fundador do ISA, o projeto "é uma oportunidade para a comercialização dos produtos da floresta de forma qualificada, com preço justo e respeitando as peculiaridades de cada região".

O VELHO E O NOVO
Alex Atala, Rodrigo Oliveira, Checho Gonzales: o mercado tem chamado a atenção dos chefs. Em 2012, começou a receber edições da feira gastronômica O Mercado.
Dois anos depois, Checho, um dos organizadores do evento, abriu sua Comedoria Gonzales, cuja matéria-prima vem do próprio mercado. "Ele começou a atrair outros públicos e impulsionar a revitalização do espaço, que estava tristinho", avalia Atala.
"A partir do momento em que se oferecem produtos de qualidade a preços acessíveis, o trânsito aumenta e a oferta dos permissionários melhora. Isso aconteceu, por exemplo, na peixaria [Nossa Senhora de Fátima, box 69]."
Se a chegada dos chefs traz uma insegurança natural aos permissionários mais antigos, também é vista de forma positiva. Para Rogério Lopes, 51, do Entreposto da Feijoada, a chegada de um público diferente agregou. "Não percebi uma fuga do tradicional, mas sim uma renovação. Agora cabe a nós termos uma percepção desse novo cliente."
Nos novos boxes, a ideia é que o Instituto Atá coloque em prática a proposta de ser um "facilitador da conexão de extremos da cadeia alimentar", aproximando produtos e consumidores.
"Estamos em um mercado popular e sonhamos em dar utilidade aos ingredientes. Isso é equivalente a estar na casa das pessoas", diz Atala.
Para os produtos dos novos boxes, não há uma política de preços, mas um discurso que leva em conta o preço justo, aquele "que remunera de forma digna os atores da cadeia produtiva".
"Temos que entender que, ao consumir, financiamos o modelo que está associado ao produto. Em relações meramente econômicas, perdemos a informação do ambiente, das pessoas e da cultura associada àquele produto", diz Luis Carrazza, da Central do Cerrado.

Box recupera temperos e faz carnes curadas

Inspirada nas delicatessens nova-iorquinas a nova Delika passa a operar nos boxes 6 e 7 a partir de abril. Bresaola, presunto cozido, gravlax, pastrami serão feitos no espaço.
"Vamos ter um 'clube da charcutaria': as pessoas encomendam seu embutido com os ingredientes que quiserem, e nós vamos produzir e fazer a cura", conta Bruno Alves, do Kod Burger, à frente do projeto. A ideia é vender os ingredientes "no saquinho ou no pão", com sanduíches montados na hora.
Da loja antiga, Laticínios D'ouro, serão mantidos os potes de especiarias. "Teremos especiarias do mundo todo. Queremos ser curadores de temperos para as pessoas."

Viés turístico pode ser bom se não tornar mercado elitista, diz ativista

"O mercado municipal traz memórias, é onde se comia pastel e se compravam laranjas. Esse valor afetivo está se tornando uma marca", reflete Renato Maluf, professor da Universidade Federal Rural do Rio.
Equipamentos públicos de abastecimento, como mercados e feiras, têm como função regular o mercado, ao estabelecer preços, e oferecer produtos frescos à população. Segundo a Prefeitura de São Paulo, os mercados assumiram um papel que vai além do abastecimento e funcionam como lugar de convívio social, com estrutura segura.
No caso do Mercado de Pinheiros, há uma preocupação com a memória e preservação do lugar, principalmente por parte de coletivos como o BatataMemo, que resgata a história do largo da Batata. "A chegada [dos chefs] pode ser positiva, mas o poder público precisa firmar uma política de mercado municipal: qual é a sua função? Caso contrário, pode virar um equipamento de elite", diz a publicitária Fernanda Salles, ativista das causas do bairro.
Para a acadêmica Isabella Callia, a "implementação de um modelo turístico em um mercado municipal, equipamento público por primazia, pode vir a ser positiva caso estimule a retomada do hábito da população do entorno".

PREFEITURA
A parceria que deu fruto aos boxes de biomas foi formalizada por meio de um termo de cooperação entre a prefeitura e o Instituto Atá e não por meio de licitação, como é feito normalmente.
"A prefeitura resolveu testar um novo modelo com o intuito de oferecer à população local maior variedade gastronômica, acessível e com qualidade. O projeto do Alex Atala foi considerado inovador e pode servir de referência para iniciativas em outros mercados municipais", disse à Folha o prefeito Fernando Haddad (PT).
Um modelo que agregue um viés turístico não necessariamente se opõe a um papel de abastecimento, de acordo com a presidente do Conselho Municipal de Segurança Alimentar e Nutricional, Christiane Araújo Costa.
"Precisamos evitar uma visão setorizada da alimentação. Se a pessoa pode provar no mercado uma fruta que ela não conhece, isso é algo integrador. Perdemos muito do entendimento do percurso do alimento", diz. "Essas iniciativas são uma aposta para revitalizar o mercado."

VALE A VISITA
Confira algumas sugestões de compra no Mercado

O QUÊ catorze tipos de feijão, como fradinho, azuki, roxinho, jalo, rajado, vermelho, de corda, andú e moyashi (de R$ 4 a R$ 18 o quilo)
ONDE Mercearia Grãos Integrais (boxes 4 e 5; tel. 11/3812-0553)

O QUÊ polvo português (R$ 79) e de Santa Catarina (R$ 59, o grande, acima de 2 quilos)
ONDE Peixaria Nossa Senhora de Fátima (box 69; tel. 11/3031-3837)

O QUÊ cortes de carne como braço (R$ 16,90 o quilo),para picadinhos
ONDE Casa de Carnes GMS e Royal Meet Comercial Limitada (boxes 55 e 56, 57 e 58; tel. 11/3031-0419)

O QUÊ queijos e manteiga Roni a granel (R$ 22,50 o quilo)
ONDE Entreposto das Feijoadas (boxes 13 e 14; tel. 11/3812-1418)

O QUÊ rosbife com temperos marroquinos (R$ 9, 100 g)
ONDE futura Delika (funcionando parcialmente nos boxes 6 e 7; tel. 11/3032-3536)

O QUÊ óleo de babaçu (R$ 10, 150 ml), farinha de jatobá (R$ 10, 100 g) e castanha de baru (R$ 8, 100 g)
ONDE biomas cerrado e caatinga (box 27)

O QUÊ mel branco de Cambará do Sul (R$ 39 o quilo), queijo serrano (R$ 39 o quilo) e charque de Santana do Livramento (R$ 39 o quilo)
ONDE biomas pampas e das araucárias (box 26)

O QUÊ geleia de cambuci (R$ 15), tucupi (R$ 30 o quilo), pimenta baniwa (R$ 40), mel dos índios do Xingu (R$ 35,50)
ONDE biomas mata atlântica e Amazônia (boxes 16 e 17; tel. 11/3032-0875)

FSP, 02/03/2016, Comida, p. C6 e C7

http://www1.folha.uol.com.br/comida/2016/03/1745207-mercado-de-pinheiro…

http://www1.folha.uol.com.br/comida/2016/03/1745221-vies-turistico-pode…

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