VOLTAR

Negócios amazônicos florescem, mas Faria Lima está despreparada para investir

FSP - https://www1.folha.uol.com.br/
28 de Out de 2024

Negócios amazônicos florescem, mas Faria Lima está despreparada para investir
Evento em Manaus discute bioeconomia para mitigar crise climática e conectar investidores a startups de impacto

Gabriela Caseff

28/10/2024

O chão de terra batida avistado da janela do avião já foi leito de um rio agora castigado pela seca recorde deste ano na Amazônia. Há meses que não caía uma gota do céu, por isso os manauaras celebraram, na última terça-feira (22), a breve chuvarada que se deu na madrugada.

É nesse clima, a 36o C, que acontece a 3ª edição do Fiinsa (Festival de Investimentos de Impacto e Negócios Sustentáveis na Amazônia), evento que dinamiza debates em torno da bioeconomia.

A seca que isola comunidades inteiras, fruto das mudanças climáticas, foi tema recorrente nas mesas, assim como o financiamento de soluções que possam mitigar seus efeitos.

Entre elas, negócios de impacto que geram renda para populações tradicionais, desidratando atividades como desmatamento e garimpo, e ajudam a manter a floresta viva.

"O único dinheiro que chegava na Amazônia há 20 anos era o da filantropia. Oito anos depois, ouvíamos que era preciso transformar projetos em negócios", diz Mariano Cenamo, fundador do Idesam (Instituto de Conservação e Desenvolvimento Sustentável da Amazônia), ONG que realiza o Fiinsa com o Impact Hub Manaus.

"Mas investidores não conseguem vir aqui, identificar startups e colocar dinheiro, então buscam fundos. Só que assim o recurso não chega aos pequenos."

Em uma Amazônia de longas distâncias e poucas conexões, quem ousa empreender tem pouco acesso a investimentos -como ficou claro na fala de indígenas, ribeirinhos e quilombolas que estiveram nos 25 painéis do evento.

"Estamos perdidos nessa mata dos investimentos na Amazônia, e a Faria Lima está despreparada para isso", diz Daniel Brandão, diretor de Soluções Baseadas na Natureza na VOX Capital, referindo-se à avenida em São Paulo que concentra o mercado financeiro.

"Quero ser otimista em ver métricas ligadas à natureza sendo incorporadas aos investimentos, mas impacto socioambiental não tem direcionado a tomada de decisão", completa ele, reforçando que faltam pontes para que o diálogo floresça.

"Se o mercado não está preparado, que se prepare", rebate Cenamo, que criou o fundo Amaz, hoje com R$ 25 milhões para investir em negócios em estágios iniciais.

"Estamos tomando riscos, investindo em cheques abaixo de R$ 500 mil. O mercado não assume riscos, mas o maior risco [diante da crise climática] é não fazer nada."

Para Juliana Teles, co-fundadora do Impact Hub Manaus, não é possível discutir bioeconomia sem considerar o contexto das mudanças climáticas.

"A gente precisa de várias boas iniciativas para gerar renda para as populações invisibilizadas que cuidam da floresta e que mais sofrem o impacto. Não é um tipo só de investimento que vai salvar a Amazônia", diz ela.

Uma das castanhas que faz sucesso no mercado Ver-o-Peso, em Belém (PA), está no portfólio de investimentos da Amaz. Foi desenvolvida por um dos 12 filhos de agricultores extrativistas da comunidade Acara-açu, a 40 km da capital.

"Comecei com uma panela de pressão, um forno industrial e R$ 2.500", afirma Zeno Gemaque, 40. "Nossa região é ameaçada pela pecuária e pela soja, a pressão vem e o recurso não chega para quem cuida da floresta."

A Zeno Nativo, que também comercializa cacau, tem 9 colaboradores e envolve 250 famílias. "Ouço que a castanha é cara. Sabe quantos quilômetros andamos para a coleta, quantas picadas de mosquito levamos e o quanto passamos medo com as ameaças?", diz ele.

"As pessoas têm medo de investir na gente, mas nós é que devíamos ter medo", afirma Vanda Witoto, 37, diretora-executiva do Instituto Witoto e idealizadora do Ateliê Derequine, que reúne costureiras indígenas no Parque das Tribos, em Manaus.

"Diante da ausência de financiamento, criamos tecnologias ancestrais e sociais para garantir dignidade humana."

O ABF (Fundo para a Biodiversidade da Amazônia) conta com R$ 250 milhões em capital misto para negócios que fomentam a biodiversidade local. Pelo menos R$ 100 milhões já foram investidos em desembolsos que variam entre R$ 10 milhões a R$ 20 milhões.

"Não é porque o ticket é alto que a gente não tem que pensar em quem está na ponta. Indicadores são importantes para ver se estamos no caminho certo", diz Maria Laura Florido, que co-lidera as operações do ABF.

Segundo a executiva, a estruturação de fundos para negócios de impacto tem sido feita de maneira tradicional, o que aumenta o risco. "É arriscado e não escalável, mas é preciso ter paciência e se desamarrar dessa necessidade de controle extremo", completa.

Mais de 600 pessoas de todo o país participaram do festival, que montou um mercado com produtos de 53 negócios de impacto e 25 experiências sensoriais.

O Fiinsa dedicou ainda um dia para imersão em negócios locais -do Parque das Tribos ao Cide (Centro de Incubação e Desenvolvimento Empresarial), onde mais de 300 pessoas puderam conversar com quem desenvolve e comercializa produtos baseados na biodiversidade amazônica.

https://www1.folha.uol.com.br/folha-social-mais/2024/10/negocios-amazon…

As notícias aqui publicadas são pesquisadas diariamente em diferentes fontes e transcritas tal qual apresentadas em seu canal de origem. O Instituto Socioambiental não se responsabiliza pelas opiniões ou erros publicados nestes textos. Caso você encontre alguma inconsistência nas notícias, por favor, entre em contato diretamente com a fonte.