FSP, Cotidiano, p. C3
05 de Jan de 2008
Megaresort ameaça duna, diz Promotoria
Ministério Público investiga se empreendimento de 35 mil casas no Rio Grande do Norte irá ainda afetar infra-estrutura local
Previsão é que obras tenham início em março; jogador Ronaldo e ator Antonio Banderas fazem propaganda do condomínio na Espanha
João Carlos Magalhães
Da agência Folha
A "Duna Dourada", um dos principais pontos turísticos do Rio Grande do Norte, está ameaçada pela construção de um megaresort, com 35 mil casas, perto de Natal. A denúncia é do Ministério Público.
O "Grand Natal Golf", iniciativa de uma empresa espanhola, é considerado pelo governo federal o maior projeto imobiliário-turístico do país. Seus números são comparáveis aos de uma grande cidade: dentro de cerca de dez anos, serão aproximadamente 35 mil casas, que poderão abrigar até 166 mil pessoas. Natal, por exemplo, tem 750 mil moradores, segundo o IBGE.
A Promotoria do Rio Grande do Norte investiga se o empreendimento irá trazer, além do desaparecimento da duna, o esgotamento da infra-estrutura local e o acirramento das diferenças sociais.
A obra já ganhou a licença prévia do Idema, o órgão ambiental estadual, e as obras estão previstas para março.
Na Espanha, a reserva de casas por parte dos interessados já começou. As vendas têm como garotos-propaganda o jogador de futebol Ronaldo e o ator espanhol Antonio Banderas. O público-alvo é europeu, e o slogan é "deixe-se seduzir pela magia brasileira".
Mas, para a promotora Ethel Ribeiro, da cidade de Extremoz, que sediará parte do empreendimento -outra parte fica em Ceará-Mirim-, há a possibilidade de que a "Duna Dourada", que está na área onde será feito o megaresort, possa desaparecer. Por não ser vegetada, ela pode ter, legalmente, 20% de sua área construída. Mas uma edificação pode, por exemplo, bloquear os ventos.
"Estamos tentando discutir isso agora, porque quando a obra começa fica muito difícil de parar."
Caso a duna seja afetada, diz, haverá também uma perda da fauna e da flora, além do risco de estragar um cenário que hoje é considerado paradisíaco.
Os empreendedores afirmam que a duna continuará "intocada" (leia texto ao lado). O Idema diz que criou uma comissão especial para acompanhar a maneira como essas formações se transformarão com obras como essa.
A promotora também diz que é preciso avaliar bem como serão criadas as condições sanitárias e sociais para prover a população que passará a viver, gradativamente, ali.
Ela diz suspeitar que não haja escolas, hospitais ou policiais para lidar com esse crescimento, que poderá também sobrecarregar o saneamento básico da área, que hoje já é considerado ruim -apenas 33% de Natal tem rede de esgoto.
Outra possibilidade, afirma, é que as obras não consigam absorver o fluxo migratório da população.
Para o governo estadual, no entanto, a expectativa é inversa. Segundo o secretário de Turismo, Fernando Fernandes, a obra deve gerar ao menos 100 mil postos de trabalho na área hoteleira e da construção civil, e, assim, desenvolver a região ao norte de Natal.
Com o "boom" turístico no Rio Grande do Norte, o Ministério Público investiga suspeita de que vereadores de Natal teriam sido beneficiados por empreiteiras para favorecê-las durante a votação do Plano Diretor da cidade, em 2007. A investigação não foi concluída.
Opinião: Professor diz que risco é o de se acirrar conflitos
Projetos como o "Grand Golf Natal" tendem a acirrar os conflitos sociais ao atrair uma mão-de-obra que não é absorvida e, assim, acaba marginalizada. É o que afirma Francisco Comarú, pesquisador do Laboratório de Habitação e Assentamentos Humanos da USP e professor da Universidade Federal do ABC. "Não conheço [o projeto de Natal], mas esses grandes empreendimentos tendem a acirrar especialmente a desigualdade social." Comarú fez seu doutorado sobre Bertioga (SP). Ele avaliou a construção do condomínio Riviera de São Lourenço e o surgimento de favelas no entorno.
Outro lado
Duna continuará intocada, afirma grupo espanhol
Da agência Folha
O grupo espanhol Sánchez, responsável pela construção do "Grand Natal Golf", afirma que um dos pilares do projeto é manter intacta a maior parte das áreas naturais do terreno onde o megaresort será construído.
"A "Duna Dourada" continuará intocada, isso é certo", diz João Maria Medeiros, um dos representantes do grupo no Brasil. "Queremos não apenas respeitar as leis ambientais como também ir além delas", diz, ao negar que o grupo vá construir nos 20% do terreno -como a lei permite, uma vez que a duna não tem vegetação. "De todos os 2.200 hectares, vamos construir em cerca de apenas 17% deles", afirma.
Ele diz também que o grupo criou a Fundação Sánchez Romero para ajudar a população local. O site afirma que a fundação instituirá "programas de educação e esportivos para as crianças" e fará "um conjunto de ações sociais que resultarão em bem-estar aos integrantes da comunidade".
Em relação à carência de infra-estrutura, Medeiros afirma que o grupo está disposto a ajudar financeiramente os governos municipal e estadual para construir ou melhorar áreas como saúde e saneamento básico.
O governo estadual, por meio do secretário de Turismo, Fernando Fernandes, diz que acha "estranhas" as desconfianças do Ministério Público Estadual em relação à obra, já que antes da licença prévia ser dada, houve audiências públicas.
"[A aprovação da obra] não é uma coisa aleatória", diz. "O projeto respeita o Plano Diretor de Extremoz e de Ceará-Mirim [cidades nas quais será feito o megaresort], que foram elaborados em parcerias com consultorias privadas."
Segundo ele, o governo já prevê um plano de manejo de resíduos, assim como de uso da água nos condomínios. Ele afirma também que o Estado colocou ao menos 3.700 profissionais em cursos de qualificação para serem aproveitados no empreendimento. (JCM)
FSP, 05/01/2008, Cotidiano, p. C3
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