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Listras mostram o aquecimento do planeta desde o século 19

FSP, Ambiente, p. B7
Autor: LEITE, Marcelo
20 de Set de 2019

Listras mostram o aquecimento do planeta desde o século 19
Gráfico foi feito pela Berkeley Earth, criada para avaliar objeções de quem questiona papel humano na mudança climática

Marcelo Leite
SÃO PAULO

Se é verdade que um tigre não pode alterar suas estrias, o mesmo não se pode dizer do clima -ele muda e mudou ao longo dos 4,5 bilhões de anos da Terra. E é com listras que melhor se pode enxergar como a mudança agora nos lançou nas garras de uma crise climática causada pelas atividades humanas.

A bela figura aqui reproduzida poderia ser um papel de parede, ou um padrão de tecido, mas é um gráfico sobre o que aconteceu em mais de um século com as temperaturas no Brasil. Simplificando: cada listra representa a média de um ano, de 1901 a 2018; seguindo a intuição, vermelho é mais quente, e azul, mais frio.

Listras variando de azul claro (à esquerda) para tons de vermelho escuro (à direita)
Gráfico de listras que mostra o que aconteceu em mais de um século com as temperaturas no Brasil - Berkeley Earth
A intensidade da cor indica quanto os termômetros se desviaram da média histórica de temperatura no período 1971-2000, tomado como referência. Qualquer um, mesmo o pior negacionista da mudança antropogênica do clima, pode ver com os próprios olhos que houve considerável aquecimento nas duas últimas décadas.

Para comparação, veja o gráfico de listras que corresponde ao planeta inteiro no intervalo 1850-2018:

Os propagandistas da ideia de que o aquecimento global é uma conspiração, ou um processo natural, ou ainda que nada se pode fazer contra ele, tentarão desacreditar a figura dizendo que os dados são enviesados, escolhidos a dedo. Ou, quem sabe, que as medições sofrem influência do fenômeno das ilhas de calor criadas nas metrópoles e megalópoles.

Não caia nessa. Os dados e a imagem são provenientes da Berkeley Earth, uma espécie de ONG de inspiração científica que surgiu justamente para avaliar os argumentos dos céticos contra os modelos climatológicos e as conclusões dos relatórios do IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudança do Clima, na sigla em inglês para o órgão criado em 1988 pela ONU e pela Organização Meteorológica Mundial).

Duas instituições insuspeitas participam da Berkeley Earth. Uma é o Laboratório Nacional Lawrence Berkeley dos EUA, ou Berkeley Lab, que conta 13 prêmios Nobel entre seus 1.469 pesquisadores e engenheiros, vários deles colaboradores nos relatórios da ONG. Outra é a Future 500, consultoria sem fins lucrativos que se dedica a "promover negócios como uma força do bem".

A Berkeley Earth foi criada em 2010 com o objetivo de avaliar objetiva e criticamente as objeções dos negacionistas contra a ciência do clima.

Havia cinco argumentos principais, quatro indicando supostos desvios pró-aquecimento nas coleções de dados climatológicos, tais como viés na seleção das informações, maquiagem de dados, má qualidade das estações medidoras e efeito das ilhas urbanas de calor.

"Nossa análise mostrou que essas questões não enviesaram indevidamente os registros", anunciou a organização.

O quinto argumento punha em dúvida um excesso de confiança nos modelos de computador empregados pelo IPCC para atribuir o aumento da temperatura a atividades humanas. A análise de 250 anos de dados concluiu que bastavam o aumento da concentração de dióxido de carbono (CO2), causado sobretudo pela queima de combustíveis fósseis, e a atividade vulcânica para explicar as variações, sem necessidade de recorrer às variações da energia solar, como preferem os negacionistas.

Na primeira fase da Berkeley Earth, a ONG recebeu doação no valor de US$ 150 mil de Charles G. Koch, um dos irmãos na família que investe pesado em questionar a crise do clima. Não espanta que a partir de 2011, depois dos estudos refutando as bases do negacionismo, o magnata tenha interrompido sua contribuição.

Pior, Koch não deve gostar nem um pouco de ver as icônicas listras do aquecimento da Berkeley ganharem as capas de alguns dos meios de comunicação mais influentes, como a revista Economist e a Folha.

FSP, 20/09/2019, Ambiente, p. B7

https://www1.folha.uol.com.br/ambiente/2019/09/listras-mostram-o-aqueci…

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