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Lavanderia Roraima

Folha d Boa Vista-Boa Vista-RR
Autor: Jessé Souza
28 de Ago de 2003

Há algo muito estranho nos céus de Roraima. E não são Óvnis (objetos voadores não identificados). Nem tem nada a ver com a aproximação secular do planeta Marte com a Terra.

São aeronaves perfeitamente identificáveis, apesar de irregulares e com rotas muito suspeitas. Por muito tempo elas desafiam o multinacional e milionário projeto Sivam (Sistema de Vigilância da Amazônia).

Dois aviões monomotores fizeram pouso forçado. Um trazia milhões de reais em dólares e libra esterlina. Do outro, na terça-feira, ainda não se sabe muita coisa. Apenas não passou ileso no faro do cachorro policial King, que identificou indício de drogas.

A população roraimense, que não é burra, sabe que os céus de Roraima foram transformados há muito tempo numa das maiores rotas do narcotráfico. Assim como é fácil chegar ilegalmente em garimpos em terras indígenas de avião, também é facílimo passar com drogas a qualquer lugar.

Dizem que em solo roraimense fica apenas o sobejo do narcotráfico, alguma droga para abastecer o mercado e só. Não é verdade. E a Polícia Federal, que está com uma força-tarefa aí, sabe disto.

Considerado "terra de ninguém", "Estado dos neocoronéis da política" e de "políticos donos de tudo e de todos", Roraima sempre foi ponto estratégico para lavagem de dinheiro. Seremos, então, a Lavanderia Roraima?

Há todos os ingredientes para considerar essa suspeita muito forte. Estado sem indústria, com a população sobrevivendo da economia do contra-cheque e do governo com pires na mão em busca de dinheiro em Brasília, é de se estranhar o surgimento de muitas empresas por metro quadrado.

A Operação Diamante, que conseguiu pôr na cadeia um dos maiores esquemas do narcotráfico do país, tinha raízes em Roraima. Prova de que a desratização da qual me referi ontem passa também por este grave problema das drogas e da lavagem de dinheiro.

Há muitos exemplos a serem investigados. Políticos que conseguiram um mandato e já saíram ostentando riqueza jamais vista antes. Administradores que conseguiram cargo público e depois transformaram-se em dono de terras, fazendas, postos de gasolina, supermercado e por aí afora.

Das duas, uma: ou se locupletaram dos cofres públicos ou, então, lavaram, passaram e enxugaram. Ou os dois fatos. Nunca vi Estado para ter ascensão muito rápida de pessoas que saíram da pobreza, do zero, para a riqueza, a esnobação. Eu, por exemplo, trabalho desde os 9 anos de idade, mas só aos 30 anos consegui comprar um terreno para depois construir a casa com dinheiro emprestado do banco, que até hoje me extorque com seus juros altos. E assim são milhares de roraimenses que não vão conseguir ter o sonho da casa própria, enquanto "eles" enriqueceram do dia para noite.

Andando por todos os bairros é possível ver mansões ao lado de casebres. Ou muitas casas fechadas servindo de especulação imobiliária dos que compram imóveis como forma de lavar o dinheiro sujo, seja da droga ou da corrupção. Ou das duas coisas.

São inúmeros os exemplos da Lavanderia Roraima que precisam ser investigados a fundo para que os esquemas sejam desmontados, o dinheiro sonegado retorne aos cofres públicos e os bens conseguidos de forma espúria confiscados e utilizados em programas sociais ou no combate ao crime organizado.

Ainda chegará o dia da desratização.

Jessé Souza é jornalista

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