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Índios da Amazônia recorrem contra a venda de seu DNA

FSP, Brasil, p. A13
21 de Jun de 2007

Índios da Amazônia recorrem contra a venda de seu DNA
Povos afirmam que foram enganados pelos pesquisadores, que prometeram fornecer remédios, mas nunca o fizeram
Empresa dos EUA afirma que índios querem dinheiro, mas que ela nunca obteve lucros com comercialização de suas amostras de sangue

Larry Rohter
Do "New York Times", em Jaci-Paraná

Os índios karitiana dizem que os primeiros pesquisadores a obter amostras de seu sangue chegaram à região no fim dos anos 70. Em 1996, uma nova equipe os visitou, prometendo remédios caso eles doassem mais sangue, e por isso eles voltaram a permitir a coleta.
Tais promessas jamais foram cumpridas. Agora eles estão enfurecidos porque o sangue e o DNA deles estão sendo vendidos por uma empresa dos EUA a cientistas por US$ 85 a amostra. Os índios querem que as vendas sejam suspensas e exigem uma indenização pela violação de sua integridade.
"Fomos enganados, iludidos e explorados", diz Renato Karitiana. A reserva abriga 313 karitiana, que vivem da agricultura, caça e pesca: "Aqueles contatos nos prejudicaram muito e nos fizeram adotar atitude negativa quanto à medicina e à ciência".
Os surui e os ianomâmi se queixam de experiências semelhantes e dizem que também estão tentando impedir a distribuição de seu sangue e DNA pela empresa norte-americana, a Coriell Cell Repositories, de Camden, Nova Jersey.
A Coriell armazena material genético humano e o fornece para pesquisas. A organização informa que as amostras foram obtidas legalmente, de um pesquisador, e que foram aprovadas pelo Instituto Nacional de Saúde dos Estados Unidos.
Joseph Mintzer, vice-presidente do Instituto Coriell de Pesquisa Médica, disse que "não estamos tentando lucrar com, ou roubar, dos brasileiros.
Temos a obrigação de respeitar sua civilização, cultura e cidadãos, e é por isso que controlamos cuidadosamente a distribuição dessas linhas celulares".
O Coriell diz que oferece espécimes só a cientistas que concordam em não comercializar os resultados das pesquisas ou transferir materiais a terceiros.
Os povos da Amazônia são ideais para certas pesquisas genéticas porque vivem isolados e formam populações fechadas, permitindo que os estudiosos reconstruam históricos evolutivos mais completos.
A prática de recolher amostras de sangue de indígenas, porém, causa suspeitas entre os brasileiros, que zelam quanto ao que chamam de "biopirataria" desde que sementes de seringueira foram exportadas da Amazônia para a Ásia há quase um século. O crescente prestígio do mapeamento genético só agravou esses temores.
Debora Diniz, antropóloga brasileira, diz que experiência dos karitiana mostra "como os cientistas estão despreparados para diálogos interculturais, e como a ciência se comporta de maneira autoritária diante de populações vulneráveis". O cerne do debate internacional que emergiu aqui se relaciona ao conceito de "consentimento informado". Os cientistas argumentam que todos os protocolos foram respeitados, mas os indígenas alegam terem sido enganados ao permitir que seu sangue fosse coletado.
"Não queremos fazer algo que cause ira a toda uma tribo.
Por outro lado, a comunidade científica está usando essas amostras, que foram obtidas sob procedimentos perfeitamente legítimos, em benefício da humanidade", disse Judith Greenberg, do Instituto Nacional de Saúde dos EUA.
Francis Black, o primeiro pesquisador a obter amostras na região, morreu recentemente, de modo que é impossível ouvir seu lado. Mas funcionários da Funai dizem que sua presença na reserva violou procedimentos para proteger indígenas contra pessoas de fora.
"Nós jamais teríamos autorizado algo assim", disse Osmar Ribeiro Brasil. "Não existem registros de qualquer solicitação de autorização, aqui ou em nossa sede, em Brasília".
No caso da expedição de 1996, foi obtida permissão para ingressar na reserva, mas apenas para a filmagem de um documentário sobre a natureza. Quando a equipe entrou na reserva, porém, um médico brasileiro, Hilton Pereira da Silva, e sua mulher começaram a conduzir pesquisas médicas sem autorização, disse a Funai.
"Se alguém adoecer, enviaremos remédios, muitos remédios", é o que lembra Joaquina Karitiana, 56, sobre a visita.
"Eles tiraram sangue de quase todo mundo, incluindo as crianças. Mas, assim que conseguiram o que queriam, não nos mandaram remédio algum".
Em comunicado, Pereira da Silva diz que explicou os propósitos de sua pesquisa "em linguagem acessível" e que prometeu que "quaisquer possíveis benefícios que resultem do trabalho com o material recolhido reverterão integralmente às pessoas que o doaram".
Como resultado de pressão judicial da Funai, as instituições brasileiras que recolheram amostras as restituíram às tribos. Mas entidades internacionais vêm resistindo a isso, dizendo que agiram corretamente e que não há lucros a compartilhar. "Eles querem dinheiro, e não ganhamos dinheiro nenhum", disse Mintzer.
Tradução de Paulo Migliacci

FSP, 21/06/2007, Brasil, p. A13

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