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Indicadores de bem-estar ganham força

FSP, Dinheiro, p. B6
30 de Dez de 2008

Indicadores de bem-estar ganham força
Produto Interno Bruto é posto em xeque por não conseguir avaliar riquezas naturais ou nível de felicidade das pessoas
Índice usado no Butão, o FIB (Felicidade Interna Bruta) considera dados de nove áreas, sendo apenas uma delas ligada à economia

André Palhano
Colaboração para a Folha

O PIB (Produto Interno Bruto) está em xeque. O aumento das preocupações climáticas, a onda da sustentabilidade e, mais recentemente, a crise financeira e seus impactos na economia real, estão dando um fôlego inédito ao questionamento sobre a utilização dos indicadores de crescimento econômico (dos quais o PIB é o principal) como ferramenta para se medir o progresso de uma sociedade -e, conseqüentemente, como norte para as políticas de governos e para as estratégias empresariais.
O ano de 2008 foi um terreno fértil para o avanço de estudos e pesquisas relacionados a indicadores alternativos, sobretudo os ligados ao conceito de desenvolvimento humano, que englobam, além da dimensão econômica, as características sociais, culturais e políticas que influenciam a qualidade de vida de uma população.
Entre esses indicadores, vem merecendo especial atenção um índice que surgiu de um trocadilho com o PIB: o FIB (Felicidade Interna Bruta), criado em 1972 pelo governo do Butão, país localizado entre a China e a Índia e conhecido por ser o mais isolado do mundo.
Baseado na crença de que as ações do governo devem ter como foco a promoção do bem-estar social, o FIB é uma composição de nove áreas distintas, das quais apenas uma é estritamente econômica: a de Padrão de Vida, que inclui renda per capita e outros parâmetros de renda e emprego das pessoas.
Entre as demais, chamam a atenção as que incluem o conceito de desenvolvimento sustentável (Vitalidade da Comunidade, Diversidade do Ecossistema, Boa Governança e Saúde da População) e as que estão longe dos padrões utilizados no mundo ocidental, como Uso e Equilíbrio do Tempo e Bem-Estar Emocional.
"Eventualmente, uma economia estacionária pode ser uma economia bem-sucedida", defende o vice-presidente do Conselho Nacional do Butão, Dasho Karma Ura. "O PIB é bom para se medir o capital econômico, que é fundamental no desenvolvimento de uma sociedade, mas é cego para outras esferas tão ou mais importantes, como o capital humano e o capital ambiental. Isso é extremamente relevante diante de certos dilemas que enfrentamos hoje, por exemplo o do nível de consumo ante a escassez de recursos naturais."
Mais do que agradar a linhas de pensamento alternativas, o FIB e outros indicadores semelhantes (como o Índice de Bem-Estar Social e o Índice de Desenvolvimento Humano, o IDH) vêm atraindo interesse cada vez maior de governos, empresas e instituições multilaterais. A Organização das Nações Unidas (ONU), por exemplo, quer incluir algumas dessas esferas nas Metas do Milênio a partir de 2015, uma vez que diversos países desenvolvidos já terão alcançado os compromissos assumidos em 2000 para essa data.
Até representantes de instituições consideradas conservadoras, como o diretor-gerente do Banco Mundial, Graeme Wheeler, vêm apoiando o debate sobre novos indicadores.
O presidente francês, Nicolas Sarkozy, formou neste ano uma comissão para estudar novos instrumentos para medir o desenvolvimento econômico, liderada por dois prêmios Nobel de Economia: Joseph Stiglitz e o indiano Amartya Sen. "Há muito tempo existe entre os economistas um forte sentimento de que o Produto Interno Bruto (PIB) não é um bom instrumento de medida, sobretudo para o bem-estar das pessoas. Com um pouco de sorte, esse estudo terá conseqüências em todo o mundo", afirmou Stiglitz em entrevista à imprensa francesa durante o anúncio da comissão.
Enquanto isso, o governo canadense elabora um índice oficial de bem-estar da população, que caminhará lado a lado com o PIB na condução da política econômica.

FIB nacional
No Brasil, o tema também começa a chamar a atenção de políticos e empresários. O Banco Real, por exemplo, promoveu em outubro uma reunião de alguns seus principais clientes com os representantes butaneses que vieram ao país para a I Conferência Nacional do FIB, realizada em São Paulo.
A Icatu Hartford, empresa de seguros e previdência, adotou o FIB como mote central de suas campanhas na mídia. Prefeituras municipais, como a de Angatuba, decidiram incorporar aspectos do FIB em suas gestões. "Temos muitas empresas e governos interessados em conhecer melhor esses conceitos. Isso foi deflagrado pela evidência empírica de que níveis de felicidade e bem-estar têm estagnado durante as últimas três ou quatro décadas em diversos países, a despeito do crescimento econômico e do aumento da expectativa de vida dos seus cidadãos. Isso também vale para as empresas e para a sua relação com os funcionários", conta a diretora do Instituto Visão Futuro e representante do FIB no país, Susan Andrews.
O segredo do Butão não está exatamente na eficácia da utilização do FIB como política pública, mas sim no desenvolvimento de uma metodologia para aferir critérios tão subjetivos como a felicidade a partir de estatísticas objetivas e confiáveis.
Curiosamente, isso acontece ao mesmo tempo em que empresas e governos procuram conhecer melhor o valor dos chamados ativos intangíveis, onde temas como responsabilidade socioambiental e confiança têm destaque crescente. "Cada vez mais as pessoas procuram atribuir valor a temas como o trabalho voluntário, a proteção ou a agressão ao meio ambiente, ao uso do tempo de cada indivíduo. E essas são esferas que os indicadores de riqueza tradicionais simplesmente não alcançam", resume o economista Ladislau Dowbor, da PUC-SP.

FSP, 30/12/2008, Dinheiro, p. B6

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