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Governo teme surto de doencas no AM

FSP, Cotidiano, p.C1
13 de Out de 2005

Bombeiros priorizam distribuição de água potável; ajuda a áreas isoladas só chega na semana que vem
Governo teme surto de doenças no AM
Silvia Freire
O Corpo de Bombeiros do Amazonas está priorizando o abastecimento de água potável para as comunidades atingidas pela seca para evitar surtos de doenças, como diarréia e cólera.
"Estamos levando água a alguns lugares, em outros, furando poços ou apenas fornecendo hipoclorito de sódio. De acordo com a situação, estamos trabalhando para ter água potável e diminuir a chance de um surto de doenças", disse o coronel Franz Alcântara, comandante da Defesa Civil no Estado.
Duas equipes de bombeiros sairão hoje de Manaus para tentar levar a Caapiranga e Manaquiri o hipoclorito de sódio, solução dissolvida na água para purificá-la. Algumas comunidades dessas cidades estão totalmente isoladas.
Os bombeiros também cadastrarão as famílias atingidas, construirão cacimbões (poços em locais úmidos ou no leito do rio) e orientarão a população sobre como captar água de forma correta.
A tentativa de acesso será feita com motos de resgates na selva e sobre o leito seco dos rios.
Desde terça, uma equipe de bombeiros está em Atalaia do Norte, próximo à fronteira com a Colômbia, fazendo o atendimento emergencial à população.
O governo decretou, na segunda, estado de calamidade pública em todo o Estado. A previsão é que só no sábado as primeiras balsas saiam de Manaus levando remédios, cestas básicas e combustível a Anori, Anamã, Caapiranga, Manacapuru e Iranduba. Em cidades mais distantes de Manaus, o socorro só chegará no início da próxima semana, com helicópteros e aviões da Aeronáutica.
O governo estima que 197 mil pessoas em 914 comunidades tenham sido afetadas pela seca.
Em Humaitá (765 km de Manaus), na calha do rio Madeira, a balsa que faz a travessia do rio encalhou ontem de manhã. Várias pessoas, carros e caminhões estavam sobre ela. Outros aguardavam a travessia na margem.
Segundo o prefeito de Humaitá, Roberto de Souza (PTB), cerca de 3.000 famílias do interior do município estão isoladas. "Como os igarapés secaram, esse povo ficou isolado. Chegam a caminhar quatro horas a pé dentro da mata para chegar ao município. Com esse calor, as crianças desidratam, e, para trazer até um posto de saúde, é aquela dificuldade", disse Souza.
Poço aberto com facão
Em Caapiranga (222 km de Manaus), os moradores constroem suas próprias cacimbas. Com facão, o agricultor Valmir Viana de Vasconcelos, 35, cavava o seu na beira do rio Manacapuru para ter água potável para a mulher e seis filhos. Ele trabalhará por mais quatro dias sob temperatura de 38C. "Já encontrei o olho-d'água [nascente], mas, para ter água boa, devo cavar uns três metros."
A mulher dele, Maria Francisca Martins Cirino, 33, disse que continuaria a usar água do rio, que está sujo de lama, para lavar roupa, fazer comida e dar de beber aos filhos, com idades entre 2 e 13 anos. A família não ferve a água para o consumo. "O pouquinho de gás que temos é para cozinhar."
Sem trabalho, a família vive da renda de R$ 15 de uma filha, que recebe a bolsa-escola. Comem peixe frito e farinha. Com a seca, ficou difícil colher a mandioca.
Na comunidade de Nova Canaã a Secretaria da Saúde registra suspeitas de doenças como coqueluche, hepatite viral e febre tifóide.

Viagem até município isolado tem barco encalhado e piloto perdido
Kátia Brasil
Uma viagem de barco pelos rios secos do Amazonas exige paciência e provoca sustos.
A reportagem demorou 11 horas para fazer o percurso entre Manaus e o município de Caapiranga (222 km a oeste da capital amazonense). A viagem começou às 9h, partindo pelo Solimões em um veículo transportado por balsa. A viagem entre Manacapuru e Caapiranga leva cerca de três horas, de barco, com o rio cheio. As embarcações saem às 15h e chegam por volta das 18h.
Como preparativo para a viagem, compramos 12 litros de água mineral, biscoitos, castanha-do-pará e barras de cereais.
A primeira parada foi na zona rural de Manacapuru. De lá, eu e o repórter-fotográfico Lalo de Almeida percorreremos mais 80 km por estrada até o porto do rio, que dá nome à cidade.
Quem quer chegar a Caapiranga tem de fazer o trajeto em lancha de alumínio com motor, chamada de jatinho, que parece mais um ônibus. O rio é a estrada.
Entramos em um desses ônibus-barco às 15h30 com mais 50 pessoas, as mercadorias e a tripulação. Inicialmente, a viagem parecia prazerosa.
Na vazante, o rio Manacapuru fica reluzente com o pôr-do-sol, o vôo das garças e os saltos dos botos. Mas enfrentamos os outros 100 km até Caapiranga embaixo de uma tempestade de verão -que foi a primeira grande chuva desde agosto na região.
Dentro do barco, o marinheiro teve que descer o toldo das janelas para não inundar a embarcação.
Os mais religiosos clamavam a Deus a todo instante. O céu ficou escuro. Os peixes pulavam para dentro da embarcação. O repórter-fotográfico emprestou a sua lanterna para o marinheiro localizar a chave da iluminação.
Com a luz, o temor começou a aumentar. É que o pescador Francisco Andrade Pereira, 55, e a mulher dele, Maria do Patrocínio, notaram que o piloto do barco, identificado como Denis, não conhecia os canais do Manacapuru.
"Valha-me, Deus! Francisco, vai ajudar o homem a encontrar a mãe do rio [o canal]", dizia ela.
Pé na lama
Pereira se posicionou ao lado de Denis e começou a guiá-lo. Ficamos por quatro vezes atolados no rio Manacapuru. Essa agonia durou umas quatro horas, até enxergarmos a luz na comunidade do Membeca, onde o barco aportou, já em Caapiranga.
"Agora se prepara para colocar o pé na lama para pegar o ônibus", dizia Maria do Patrocínio. É que faltavam mais 32 km para chegarmos à sede de Caapiranga. Para alcançar o ônibus, enfrentamos, debaixo de chuva, uma ladeira de 100 m coberta de lama.

FSP, 13/10/2005, p. C1

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