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05 de Fev de 2025
Falta de integração entre políticas do clima e da saúde sobrecarregará ainda mais o SUS, diz estudo
Entre as barreiras apontadas estão falta de planejamento estratégico, ausência de dados e polarização política
Cláudia Collucci
05/02//2025
Um estudo realizado por pesquisadores do IEA (Instituto de Estudos Avançados) da USP (Universidade de São Paulo) mostra que as atuais políticas públicas brasileiras de clima e saúde estão pouco ou nada conectadas e não asseguram soluções para problemas decorrentes de eventos extremos climáticos recentes, como inundações, ondas de calor e secas. Isso tudo deve sobrecarregar ainda mais o SUS (Sistema Único de Saúde).
Lançado nesta terça-feira (4), o trabalho integra um estudo maior, que envolve seis países (Alemanha, Brasil, Caribe, Estados Unidos, Quênia e Reino Unido), é coordenado pelo Center for Climate Change Communication, da George Mason University (EUA) e financiado pela Wellcome Trust.
No Brasil, a análise envolveu dados públicos e 33 entrevistas com representantes dos poderes Executivo e Legislativo, de órgãos federais, do ambiente acadêmico, de organizações de advocacy, entre outros.
Entre os impactos das mudanças climáticas na saúde brasileira estão o aumento e/ou agravamento de doenças como enteroviroses, hepatites e leptospirose, além da transmissão de arboviroses, como dengue, malária, zika e chikungunya, que têm se espalhado para regiões anteriormente consideradas de baixo risco, como o Sul do país.
Outros estudos já demonstraram que o estresse térmico e a poluição do ar, resultantes da queima de combustíveis fósseis, estão ligados a doenças cardíacas e respiratórias como AVC (acidente vascular cerebral), enxaqueca, Alzheimer, meningite, epilepsia e esclerose múltipla.
Embora o relatório reforce que o governo Lula esteja revisando a política nacional de adaptação à mudança do clima, o avanço é considerado aquém do necessário, está restrito a projetos específicos, encontra-se distante da implementação efetiva de políticas públicas e está fora da agenda do Congresso Nacional.
"Mesmo que um ministério tenha seus programas e suas ações, isso acaba não dialogando com projetos de outros ministérios, falta sinergia. Então, um maior diálogo seria uma das formas de superar essas barreiras", diz Daniela Vianna, autora do estudo e pesquisadora do grupo Saúde Planetária Brasil, do IEA.
De acordo com a pesquisa, entre as barreiras para uma maior integração entre as políticas de clima e saúde estão falta de planejamento estratégico e de percepção de riscos, ausência de dados, polarização política, defesa de interesses, falta de diálogo entre órgãos governamentais e setores da sociedade e limitação de recursos e financiamentos.
Um dos problemas citados é o fato de os dados oficiais brasileiros ainda não vincularem mortes decorrentes de enchentes ou de queimadas, por exemplo, à crise climática.
"Todas as pessoas que morreram diretamente na tragédia do Rio Grande do Sul estão ali [nos registros] como vítimas de afogamento, de politraumatismos. A mesma coisa acontece com pessoas afetadas com doenças respiratórias durante as queimadas. Não há nada que relacione esses casos à crise climática."
Em geral, os atuais estudos sobre os impactos na saúde das mudanças climáticas correlacionam dados do evento (por exemplo, ondas de calor ou enchentes, com números de mortes e de hospitalização em relação à série histórica.
Há uma proposta sendo discutida em âmbito internacional para esses casos tenha um código adicional na CID (Classificação Internacional de Doenças) para que haja uma notificação dessa relação com a crise climática.
Mas, pontua Vianna, é preciso investir em capacitação dos profissionais de saúde para o entendimento da relação causal entre clima e saúde para que se tornem agentes multiplicadores de orientações preventivas ao agravamento da crise climática.
Entre os trabalhos de prevenção estão, por exemplo, parcerias com Defesa Civil do município para alertas sobre os riscos de pessoas que moram em áreas sujeitas a deslizamentos e inundações ou mesmo sobre os cuidados durante as ondas de calor.
Para Antonio Mauro Saraiva, coordenador da pesquisa no Brasil e professor sênior do IEA, profissionais que trabalham com políticas climáticas também precisam estar integrados à agenda da saúde. "Quando a gente fala em clima parece uma coisa distante. A Amazônia é longe, o Rio Grande do Sul é longe, mas o impacto na saúde todo mundo sente."
Ano passado, as inundações causaram danos em 478 dos 497 municípios gaúchos e no auge da crise mais de 626 mil pessoas foram forçadas a deixar suas casas. A saúde da população foi afetada de diversas forma, por exemplo, contaminação da água (leptospirose), colapso do sistema de saúde, que prejudicou o tratamento de doentes crônicas, disseminação de doenças virais nos abrigos e estresse pós-traumático decorrente das perdas materiais e de vidas, entre outros.
De acordo com Vianna, também é preciso uma revisão da infraestrutura de lugares afetados por eventos extremos. "Será que dá para reconstruir postos de saúde afetados pelas inundações no mesmo lugar sendo que é provável que o lugar seja afetado novamente?"
O estudo reconhece a dificuldade de adaptar o país para o agravamento da crise climática ao mesmo tempo em que a nação ainda precisa resolver problemas históricos estruturais, envolvendo questões de desigualdades, pobreza, concentração de renda e falta de acesso à moradia, ao saneamento, à educação e à saúde, entre outros.
Mas reforça que todos esses problemas serão agravados pelos impactos do aquecimento global, o que requer estratégia e governança capazes de construir consensos.
Segundo a pesquisadora Patrícia Zimermann, também co-autora do estudo, outro entrave mencionado pelos participantes da pesquisa refere-se à má distribuição e à má gestão dos recursos existentes, associadas a problemas de corrupção, ineficiência de políticas públicas e de gestão, além de desperdício de dinheiro público.
A polarização política, o perfil do Congresso Nacional, o negacionismo, as fake news e o plano de desenvolvimento que vai na direção oposta ao combate à crise climática- com apoio ao agronegócio e à exploração de petróleo na foz do Amazonas- também são citados como desafios que precisam ser superados.
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