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Desnutrição infantil cai, mas ainda assusta

FSP, Cotidiano, p. C1
25 de Abr de 2006

Desnutrição infantil cai, mas ainda assusta
Pesquisa feita na região do semi-árido do país mostra que taxa é de 6,6%, quase três vezes acima do aceitável internacionalmente

CLÁUDIA COLLUCCI
DA REPORTAGEM LOCAL

A desnutrição crônica infantil no semi-árido brasileiro, região mais pobre do país, caiu significativamente na última década, mas o índice ainda é quase três vezes acima do aceitável pelas organizações internacionais de saúde.

Pesquisa inédita que envolveu 17 mil crianças com até cinco anos mostra uma taxa de desnutrição de 6,6% na região que abrange oito Estados do Nordeste e o norte de Minas Gerais. O índice internacionalmente aceitável de desnutrição é de 2,5%.

É a primeira vez que se obtém, por meio de uma amostra significativa, dados nutricionais do semi-árido. Em 1996, uma pesquisa domiciliar em todo o Nordeste encontrou um índice de 17,9% de desnutrição infantil crônica.

Para o pesquisador Carlos Augusto Monteiro, do departamento de nutrição da USP, que coordenou a análise da pesquisa, uma série de ações feitas ao longo das últimas décadas propiciou a queda da desnutrição. Entre elas, a melhoria do saneamento básico, do nível de escolaridade e do acesso à saúde, especialmente o PSF (Programa de Saúde da Família).

Um dado novo avaliado foi o impacto dos programas de transferência de renda (bolsas-família, escola e alimentação) do governo federal. Das famílias das crianças estudadas, 35,3% estavam inscritas em algum programa -mas isso influenciou de forma diferente na taxa de desnutrição de acordo com a idade. Em bebês de até cinco meses, não houve diferença. Nas crianças de seis a 11 meses de idade, 2% dos inscritos estavam desnutridos, contra 5,3% dos não-inscritos.

Benefícios mais modestos foram observados nas crianças mais velhas: redução na desnutrição de 28,3% para crianças entre 12 e 35 meses de idade (de 8,5% para 6,1% dos inscritos em programas sociais) e redução de 25,7% para crianças entre 36 e 59 meses de idade (de 6,2% para 4,6%).

"O Bolsa-Família é um "plus", mas não dá para atribuir só a ele a diminuição [da taxa de desnutrição]", diz Monteiro, lembrando que o maior índice de desnutrição entre os não-inscritos nos programas sociais foi de 8,5% (entre crianças de 12 a 35 meses).

Segundo o Ministério de Desenvolvimento Social, cerca de 22% de sua verba foi investida em programas na região do semi-árido. Em 2005, esses recursos chegaram a R$ 3,9 bilhões.
Na opinião do gestor de relações institucionais da Pastoral da Criança, Clóvis Boufleur, além da importância do acesso à alimentação, uma das preocupações tem sido a qualidade das refeições. Segundo ele, técnicos da entidade têm detectado aumento de casos de obesidade e de anemia infantil.

O pesquisador Carlos Monteiro explica que a prevalência de formas crônicas de desnutrição (déficits de altura para idade) variaram bastante segundo os indicadores socioeconômicos: 17% nas classes D e E, 2,5% na C e menos de 1% nas classes A e B.

Entre as mães analfabetas, a pesquisa encontrou 14,1% de crianças desnutridas. Naquelas com nove anos ou mais de escolaridade, a taxa ficou em 3,3%.

O estudo mostra também que 23% das famílias avaliadas não possuem água encanada. "Isso mostra que ainda há muito o que ser feito", comenta Monteiro.

Outro achado que chamou a atenção do pesquisador foi a alta cobertura da assistência pré-natal: 97,2% das mães fizeram pré-natal, sendo que 83,8% relataram cinco ou mais consultas e 79,7% iniciaram o pré-natal ainda no primeiro trimestre da gravidez. "Não temos dúvida de que o PSF tem colaborado para isso."

A pesquisa, feita em agosto de 2005 durante a Campanha Nacional de Vacinação, foi realizada pelos ministérios do Desenvolvimento Social e da Saúde.

Com voluntários, pastoral faz taxa chegar a 4,2%

DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Contando com o trabalho de voluntários, inclusive mães de comunidades do semi-árido, a Pastoral da Criança registrou no ano passado 4,2% de desnutrição entre as crianças acompanhadas pela entidade. A taxa já vinha caindo gradualmente e foi a menor desde 1995, quando chegou a 9,8%.

Entre os Estados do semi-árido, Alagoas registrou o maior índice de desnutrição em 2005, com 6,5%, ficando próximo à média nacional. Em seguida ficaram os Estados de Maranhão e de Sergipe, com 6,2% cada um. Já a menor taxa estava em Minas Gerais, com 4,6%.

No total, a pastoral acompanha 1,9 milhão de crianças em todo o país. Somente no Nordeste, a entidade trabalha com 23% das crianças pobres da região.

O gestor de relações institucionais da pastoral, Clóvis Boufleur, diz que, além de acompanhar a evolução das crianças, os voluntários incentivam as gestantes a fazer um pré-natal adequado.

Também são desenvolvidas ações de acesso a alimentos que garantam a qualidade nutricional. Segundo o gestor, um dos fatores que têm contribuído na redução da desnutrição infantil no semi-árido é o projeto de construção de cisternas, que são reservatórios de água da chuva. Essas ações são acompanhadas de mobilização da sociedade e orientação sobre nutrição.

Vida no semi-árido melhorou após programas sociais, diz agricultora

FÁBIO GUIBU
DA AGÊNCIA FOLHA, EM RECIFE

A vida do sertanejo melhorou nos últimos anos porque ele passou a depender cada vez menos das condições climáticas e das boas colheitas para sobreviver.

A opinião é da agricultora Ednalva Pinheiro Sena, 42, moradora da zona rural de Afogados da Ingazeira (376 km a oeste de Recife, PE). "Antes, não tinha tantas facilidades como se tem hoje", disse ela, referindo-se aos programas sociais.

A agricultora lembra que, quando sua filha, Ednateli, 17, era criança, as refeições que faziam dependiam basicamente do sucesso que obtinham com a lavoura. "Para dar de comer à menina, era preciso esperar a chuva, plantar, colher e vender. Só depois é que comprávamos a comida dela", recordou Sena.

"Se a lavoura não vingava, os parentes e amigos tinham que ajudar", afirmou. "Hoje, tem Peti (Programa de Erradicação do Trabalho Infantil), Bolsa-Escola, Bolsa-Família, essas coisas."

A agricultora, que conversou com a reportagem pelo telefone, afirmou que chegou a passar fome devido à seca que atingiu a região algumas vezes. "Se a plantação não rendia, ninguém comia", diz. "Agora, as mães sempre têm alguma coisinha em casa para dar aos filhos", conta.

Sena agradece a Deus por não ter tido outro filho, devido às dificuldades que enfrentou. Mas vê, na vizinhança e entre os parentes, uma situação melhor para as crianças do sertão.

"Antigamente, precisava tirar dinheiro da comida até para comprar remédio, para ir à escola", afirma. "Agora não. Tem posto de saúde com remédio de graça, carro para levar a criança [à escola], merenda e caderno."

A lavradora lembra também da evolução das campanhas educativas, das vacinações em massa e da melhoria da infra-estrutura no campo, como a eletrificação rural, como fatores que teriam contribuído para a redução da desnutrição infantil no semi-árido.

Ela afirma, entretanto, que a pobreza e a miséria continuam existindo no sertão. A fome ainda figurana realidade de quem mora na região do semi-árido. Para a agricultora, o que o sertanejo precisa é plantar e colher com segurança em sua terra

FSP, 25/04/2006, Cotidiano, p. C1

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