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Coral milenar é ser mais velho dos mares

FSP, Ciência, p. A26
17 de Fev de 2008

Coral milenar é ser mais velho dos mares
Formação de recife profunda com 4.200 anos é fonte de biodiversidade e pode ajudar a estudar o aquecimento global
Zona entre RS e SP é a quinta mais rica do mundo em corais do tipo; cientista quer fim da pesca de arrasto que ameaça espécime na região

Cláudio Angelo

A criatura mais longeva dos oceanos tem 4 milênios de idade e pode ser a mais nova ferramenta para o estudo das mudanças climáticas. Seu nome é Leiopathes glaberrina, e ela é um coral que habita águas profundas e frias mundo afora. Para desvendar seus segredos, um grupo de cientistas recorreu a todos os tipos de truques: de submarinos sofisticados a bombas atômicas.

O esforço se justifica, porque os corais de profundidade formam ecossistemas únicos e ainda pouco conhecidos -mas já muito ameaçados. Eles são verdadeiros oásis de biodiversidade nos abismos oceânicos, concentrando até três vezes mais seres vivos do que as áreas em volta deles. E boa parte do que os seres humanos comem vem desses oásis.

"Cerca de 40% da pesca mundial é feita em águas profundas", diz o biólogo catarinense Alberto Linder, da Universidade de São Paulo. Ele e colegas dos EUA e do Reino Unido apresentaram anteontem, durante a Reunião Anual da AAAS (Associação Americana para o Avanço da Ciência), em Boston, resultados de vários estudos sobre as bizarrices dos corais de profundidade.

Reverso evolutivo

O próprio Linder se viu diante de uma dessas peculiaridades no seu doutorado, na Universidade Duke (EUA). Ele demonstrou que um grupo de corais profundos, os estilasterídeos, evoluiu ao contrário: em vez de o surgimento desses seres vivos ter ocorrido em águas mais rasas (com luz, calor e nutrientes), provavelmente tudo teve início nas profundezas. Só depois houve a invasão das águas rasas -quatro vezes.

"Esta é a primeira evidência robusta de que um grupo de animais fez isso", afirmou.

Para chegar a essa conclusão, Linder analisou o DNA de mais de cem espécies de corais do grupo (quanto mais seqüências de DNA em comum, mais aparentados os organismos). Esse exame mostrou que há 98% de probabilidade de que o ancestral comum de todas as linhagens tenha vivido em águas profundas. Somente entre 25 milhões e 15 milhões de anos atrás é que os estilasterídeos começaram a migrar.

O cientista da USP -que de quebra identificou 25 novas espécies de estilasterídeos- diz que a descoberta é fascinante por ser contra-intuitiva. "As áreas profundas também são uma fonte de diversidade."

E o Brasil, que tem corais rasos pobres, é muito mais rico abaixo dos mil metros de profundidade. Estudos demonstram que o litoral brasileiro, entre o Rio Grande do Sul e Santos (SP), é a quinta região do mundo mais rica em espécies de corais profundos.

No entanto, eles estão sendo destruídos pela pesca de arrasto antes de serem conhecidos. A frota pesqueira literalmente raspa o fundo do mar em busca de camarões, fazendo terra arrasada dos corais. Pesquisadores que estudam esses animais pensam até em pedir ao governo a proibição do arrasto em águas profundas do Brasil.

Matusalém e a bomba

Brendan Roark, biólogo da Universidade Stanford, tem um argumento para pedir que seu objeto de estudo seja preservado: respeito aos mais velhos. Ele determinou a taxa de crescimento -e por tabela a idade- dos corais profundos, e concluiu que esses seres devem ser os mais antigos do mar.

Agora, será mais fácil usar esses corais de profundidade como testemunhas da mudança climática. Os corais de água rasa, por exemplo, são usados o tempo todo para registros do clima milênios atrás, quando não havia termômetros.

Roark, para resolver o problema da datação, lançou mão das bombas testadas em 1957 pelos americanos. Os testes nucleares lançaram de repente uma grande quantidade de carbono-14 (parente radioativo do carbono) na atmosfera.

O cientista conseguiu provar que a quantidade desse tipo de carbono nos corais profundos variava na exata proporção do que foi visto na atmosfera com a bomba: um pico e um declínio em seguida. Portanto, os corais não devem absorver carbono dissolvido na água mas sim partículas orgânicas que caem da superfície (e levam só algumas semanas para chegar ao fundo).

Corais datados por Roark atingiram idades que iam de algumas centenas a vários milhares de anos. A amostra mais velha crescia havia 4.200 anos.

A idade avançada se explica pela taxa de crescimento lento dos corais, de apenas alguns milésimos de milímetro por ano. E isso é mais um problema, porque um banco de corais afetado pela pesca de arrasto pode levar centenas de anos para se recuperar.

Biólogo derruba mito para medir idade de organismo

Brendan Roark derrubou um mito sobre corais profundos. Ele mostrou que a técnica do carbono-14 para medir a idade dos organismos não serve apenas em águas rasas, como pensavam outros biólogos. Em tese, o método só daria certo se o carbono que o mar absorve do ar afundasse rápido, o que não acontece, mas ele mostrou que corais não absorvem 14C direto do mar e sim de partículas orgânicas que afundam logo.

FSP, 17/02/2008, Ciência, p. A26

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