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Carta aberta à ministra do Meio Ambiente

FSP, Tendências/Debates, p. A3
Autor: MESQUITA, João Lara
23 de Set de 2015

Carta aberta à ministra do Meio Ambiente
Ministra Izabella Teixeira, a gestão da senhora é ruim, é ausente. Infringe a lei e faz o país passar vergonha ao não cumprir metas da ONU

João Lara Mesquita

Prezada ministra Izabella Teixeira, dois anos atrás iniciei uma série na TV Cultura, "Mar sem Fim", que vai ao ar aos domingos, às 19h, para mostrar as 59 unidades de conservação federais marinhas.
Queria chamar a atenção para a importância da zona costeira, enquanto mostrava as poucas unidades de conservação marinhas que protegem só 1,5% desse espaço. Já visitei 52 das 59 existentes. Estou chocado. Elas não passam de engodo, mais uma mentira dos tempos da "ética" da companheirada petista. A senhora não se envergonha?
A maioria não tem barcos. Como fiscalizar o bioma marinho sem barcos? Das 52 unidades visitadas, 33 não têm plano de manejo, apesar de a Lei do SNUC (Sistema Nacional de Unidades de Conservação) exigir o documento em, no máximo, cinco anos depois de sua criação.
Unidades de conservação com até 300 mil hectares têm apenas um servidor. Que palhaçada é essa? É, por acaso, uma disputa entre a senhora e a sua destrambelhada chefe para saber quem é a pior?
Frágil, assolada por ventos, ressacas, ondas e correntes marinhas, a zona costeira abriga os mais importantes ecossistemas que dão vida ao mar. É ali que começa 90% da cadeia de vida marinha -nos mangues, zonas de arrebentação, costões rochosos, estuários etc.
A população mundial é de 7 bilhões de pessoas. Mais da metade delas mora nessa mesma região, diminuindo os espaços disponíveis e tornando presas fáceis da especulação imobiliária os que sobram.
Essa poderosa força tem destruído a beleza da paisagem e tragado diversos ecossistemas costeiros. Cidades crescem em cima de manguezais, aterrados para dar lugar a novos bairros. Os estuários, poluídos pela descarga de esgotos, de resíduos tóxicos de polos industriais ou de agrotóxicos, agonizam.
Os corais, o mais importante ecossistema marinho, estão ameaçados pela chamada mancha branca, consequência do aquecimento global. No Brasil, além dos corais de Abrolhos, no litoral sul da Bahia, atingidos por essa doença, houve grande destruição de corais provocada pelas caieiras até a década de 1970.
Caieiras eram fogueiras feitas nas praias com pedaços de corais arrancados a golpes de picaretas, marretas e até por tratores com correntes.
Em seguida, quebrados em pequenos pedaços, eram misturados com madeira, ardiam em fogo até sua transformação em cal. O produto era vendido para a construção civil ou usado como corretor de solo nas plantações de cana-de-açúcar do Nordeste. Isso sem falar na contaminação por espécies exóticas, outra praga da globalização.
E a sobrepesca? O que dizer do morticínio causado pelo arrasto, no Brasil praticado a menos de uma milha da costa e sem fiscalização?
A gestão da senhora não é só apagada, é ruim, é ausente. Mesmo conhecendo a realidade descrita, não mexeu uma palha para mudá-la. Infringe a Lei do SNUC e faz o país passar vergonha ao não cumprir as metas de Aichi, adotadas na Convenção sobre a Diversidade Biológica, da ONU, no Japão, em 2010.
A 11ª meta diz o seguinte: "Até 2020, pelo menos 10% de áreas marinhas e costeiras, especialmente áreas de especial importância para biodiversidade e serviços ecossistêmicos, terão sido conservadas por meio de sistemas de áreas protegidas, geridas de maneira efetiva e equitativa...".
A falta de iniciativa da senhora pisoteia até a Constituição: "A zona costeira é patrimônio nacional, sua ocupação deve se dar de forma autossustentável".
Deixe a letargia de lado, ministra, e faça cumprir a Lei Maior.

JOÃO LARA MESQUITA, 60, jornalista, mantém o site www.marsemfim.com.br. Foi diretor, de 1982 a 2003, da Rádio Eldorado, do Grupo Estado

FSP, 23/09/2015, Tendências/Debates, p. A3

http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/233986-carta-aberta-a-ministra…

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