VOLTAR

Caiçaras de Ilhabela viram 'donos' de áreas na baía de Castelhanos, em SP

FSP, Cotidiano, p. B17
08 de Nov de 2015

Caiçaras de Ilhabela viram 'donos' de áreas na baía de Castelhanos, em SP

THIAGO AMÂNCIO
ENVIADO ESPECIAL A ILHABELA (SP)

O pescador Manoel Rafael de Souza nunca teve os documentos da casa em que nasceu e morreu, na praia Vermelha, em Ilhabela (SP), em uma área do governo federal.
Como outros nativos, não enfrentou problemas com isso. Mas seus filhos e netos, que sempre viveram lá, não puderam reformar ou construir. Até para montarem um abrigo para as canoas dependem de autorização dos que se dizem "os novos donos".
Esse problema teve início quando famílias começaram a comercializar terrenos naquela região. Mas a expectativa é de que ele seja contido a partir deste domingo (8), quando cerca de 250 pessoas que vivem da pesca e da agricultura de subsistência (como faziam seus antepassados há mais de dois séculos) e moram na baía de Castelhanos vão "ganhar" do governo federal os terrenos onde já vivem.
Onde fica - Castelhanos
As casas, à beira da praia, estão em área da Marinha, faixas de terra a 33 metros do mar que pertencem à União.
Os moradores não poderão vender o terreno, mas terão garantido o direito de permanecer no local. "A União continuará detentora do domínio da área e continuará exercendo o papel de fiscalizar o seu uso", afirma a SPU (Secretaria do Patrimônio da União).
No total, são 150 mil metros quadrados de área "doada" a seis comunidades, onde vivem cerca de 80 famílias que nunca possuíram documentos do terreno.
A concessão impede, na prática, que o local seja alvo de grilagem ou de especulação imobiliária.
É o 23o termo de autorização do tipo concedido pela SPU em São Paulo. Os outros foram dados a comunidades de Ubatuba e São Sebastião.
Os povoados beneficiados estão nas praias Mansa, Vermelha e da Figueira, Saco do Sombrio, Canto da Lagoa e Canto do Ribeirão, em torno da praia de Castelhanos.
Os moradores se dizem aliviados. "Se o documento não saísse, daqui a dez anos não haveria mais comunidade caiçara", diz Wanderlei dos Santos, que esteve à frente da negociação para regularizar.
Segundo ele, devido ao potencial turístico, a pressão era grande para a construção de resorts e pousadas -hoje, há poucas opções de hospedagem na praia, e os turistas, em geral, dormem em estabelecimentos no centro.
O Instituto Guapuruvu, ONG que auxiliou na obtenção dos documentos, quer, ainda, que toda a baía de Castelhanos, de 30 km de extensão, seja entregue às comunidades como área de reserva alimentar, para garantir as condições de pesca no local.
ACESSO
Para chegar à baía de Castelhanos, é preciso cruzar a estrada do parque Estadual de Ilhabela -que, por não ser asfaltada, requer jipes ou veículos 4x4- ou circundar a ilha de barco, uma viagem que demora duas horas.
O dia começa com o nascer do sol e acaba quando cai a noite para parte dos caiçaras que não têm gerador de energia elétrica, como o pescador Lauro dos Santos, 69, na praia da Figueira. "Não sinto falta, a gente usa velas", diz.
A água vem de cachoeiras e de rios próximos e não é tratada. O esgoto é depositado em fossas nos quintais.
SEM TELEFONE
Na baía de Castelhanos, não há sinal de celular nem de telefone fixo. A comunicação é feita pelos dois orelhões de uma das praias. "Para se divertir a gente vê televisão, novela", diz Leopoldina de Souza, 65.
As três escolas do local têm alunos de várias séries na mesma classe.
A proliferação de borrachudos faz com que o repelente seja item de primeira necessidade e força os moradores a passarem o dia de calça e meias, mesmo no calor.
Boa parte dos casamentos acontece entre membros da mesma família, o que explica a profusão dos sobrenomes "Souza", "Santos" ou "Souza dos Santos", entre outras variações.
Manoel de Souza, 63, é tio e marido de Alaide, 52. A filha deles também é casada com um primo da mãe. "O pessoal cresce junto e se casa. Normal", diz Alaide.

FSP, 08/11/2015, Cotidiano, p. B17

http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2015/11/1703452-caicaras-de-ilha…

As notícias aqui publicadas são pesquisadas diariamente em diferentes fontes e transcritas tal qual apresentadas em seu canal de origem. O Instituto Socioambiental não se responsabiliza pelas opiniões ou erros publicados nestes textos. Caso você encontre alguma inconsistência nas notícias, por favor, entre em contato diretamente com a fonte.